25 setembro 2016

EU ACHO QUE VOCÊ LEU... POUCO


Este diálogo tem mais de dez anos. O entrevistado é Rodrigo Amarante da banda brasileira Los Hermanos. E o jornalista com quem ele estabelece o diálogo nunca chega a aparecer nas imagens - felizmente para ele, considerando a figura que acaba por fazer...
 
Jornalista: Vocês são sempre lembrados por Anna Julia n'é?
Amarante: Nem sempre.
Jornalista: Isso incomoda vocês sempre serem lembrados por Anna Julia?
Amarante: Não, por que nem sempre.
Jornalista: Por que sempre quando tem Ana Julia tem referência, Los Hermanos, Anna Julia…
Amarante: Hã?
Jornalista: Sempre tem essa relação, Anna Julia, Los Hermanos
Amarante: É… É uma música nossa n'é? Por isso é que tem a relação… Você queria saber o quê, mesmo?
Jornalista: Não... Essa coisa... Se incomoda vocês, de vocês serem sempre lembrados por Anna Julia.
Amarante: Não, por que não é sempre que a gente é lembrado por Anna Julia. Você vai ver, hoje a gente não vai tocar Anna Julia e você vai ver…
Jornalista: Mas sempre a galera pede.
Amarante: Não.
Jornalista: Não pede?
Amarante: Você já foi em algum show dos Los Hermanos?!
Jornalista: Não.
Amarante: Ah… e esse «sempre» vem de onde?
Jornalista: Não... por que eu li…
Amarante: Ah...
Jornalista: Mas pelo jeito incomoda!
Amarante: Não. O que incomoda é um jornalismo - como é que eu vou dizer? - preguiçoso, assim de não saber o que perguntar e perguntar qualquer coisa: «Ah, incomoda?» É o jornalismo baseado na polémica, sabe? É muito comum hoje em dia a polémica ser a tónica do jornalismo, como se o papel do jornalista fosse descobrir um ponto fraco, uma coisa assim. Eu particularmente acho que o trabalho do jornalismo é um trabalho muito importante, é assim como o trabalho de uma pessoa pública do governo, do estado, tem uma responsabilidade, um papel importante n'é? As pessoas lêem ou ouvem o que vocês fazem e tomam como verdade, como uma coisa que é feita com um critério e isso influência a opinião das pessoas por aí então. Esse tipo de pergunta assim leviana, sem a profundidade, acaba levando as pessoas a ter uma impressão errada que é essa…, de que incomoda a gente Anna Julia… Pelo contrário! A gente adora a música, temos tocados em muitos festivais e nunca tivemos problemas com isso… Só que é comum no Brasil as pessoas acharem que fazer sucesso é uma coisa ruim, negativa, por que «Ah, não. Faz sucesso então não deve ser bom» e isso é uma ingenuidade, tanto da imprensa quanto das pessoas, de achar que se tornar público ou ser muito conhecido é uma coisa ruim. Acho que é ruim pra quem é fraco e tem medo de perder isso. A gente nunca teve isso, a gente faz música com coração da forma como a gente sabe fazer… Então Anna Julia foi feita da mesma forma, a gente adora a música, as pessoas se incomodam é com a gente ter feito sucesso…
Jornalista: Minha pergunta assim… não é nada contra, nunca assisti o show... é pelo facto de eu já ter lido sobre isso…
Amarante: Eu acho que você leu pouco… Desculpa a sinceridade.

É preciso conhecer todo o episódio para perceber este remate em versão reduzida. Paradoxalmente, não é preciso lê-la, nem muito nem pouco, porque está em vídeo.... Mas esta versão condensada de 5 segundos parece-me portentosa per si. Ontem apliquei-a num comentário a uma indignação de facebook contra o senador Ted Cruz, que ali aparecia qualificado disparatadamente de luso-americano... Depois disso, deixei de encontrar a indignação. Talvez este sarcasmo do Rodrigo Amarante seja um bom remédio para colocar algum rigor em muitas bravatas que se lêem por aí...

1 comentário:

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.