05 setembro 2016

UMA PANORÂMICA DA BEBIDA NA EUROPA (que pode ser contada com um mapa de cabeçalho apelativo ou com outros cinco adicionais que tornam a coisa "chata")

Este é o mapa que desencadeia tudo e que pode produzir o grande cabeçalho: mostra o consumo de vinho anual per capita nos países europeus. Portugal lidera com uma capitação de 55 litros, batendo até a França, que costumava ser o campeão tradicional nesta disciplina. E quem não imagina um imaginativo cabeçalho à Correio da Manhã a pretexto de tal estatuto? PORTUGAL É O PAÍS MAIS EMBORRACHADO DA EUROPA... Agora dediquemo-nos a investigar o assunto e esqueçamos os processos sórdidos de chamar a atenção para um assunto - ao estilo jornalismo a que temos direito.
Começando por recordar que o vinho não é a única bebida alcoólica. De facto, e como se vê pelo mapa acima, na maioria dos países nem sequer é a bebida alcoólica mais consumida: no Centro e Norte da Europa predomina a cerveja, enquanto no Leste o que mais se bebe são as bebidas espirituosas, especialmente as aguardentes.
Não surpreende por isso que o mapa europeu com o consumo anual per capita de cerveja seja substancialmente diferente do inicial desta série. Em vez da Europa meridional predomina a Europa central: nós bebemos (em média) o dobro do vinho dos alemães e eles bebem o dobro da cerveja que nós bebemos.
E há ainda as bebidas espirituosas. Neste capítulo a predominância da Europa do Leste - tratar-se-á de vodka - parece avassaladora. Pela intensidade do azul que cobre o nosso país no mapa acima aqueles gestos tradicionais de matar o bicho ou ajudar a digestão serão comparativamente verdadeiras tomas terapêuticas...
É o somatório do consumo dos três géneros de bebidas, reduzidas ao seu elemento comum, o álcool, que servirá de elemento rigoroso ao quadro de honra dos países mais emborrachados da Europa. Portugal pertencerá aos dez países com um consumo mais elevado, nada tem de que se orgulhar, mas não é o campeão que a estatística do vinho poderia induzir...
Finalmente, porque a questão tem sido abordada em valores médios e o cabeçalho original seria sobre borracheiras, valerá a pena tentar analisar como se apresentará a distribuição desses valores médios. Distribuição do perfil dos consumidores, mas também distribuição da regularidade como bebem, que no mapa acima aparece descrito pela expressão eufemística heavy episodic drinking. Mais do que os dados de consumo de álcool, aqui o que estará em causa são os hábitos sociais a ele associados e os países onde mais prevalecerá esse tipo de comportamento não incluirá Portugal.
 
Os campeões europeus das grandes borracheiras, os mais bem colocados tanto neste último quadro quanto no penúltimo, são a Moldova e a Lituânia, com a República Checa a ocupar o terceiro posto. Tanto pior para os cabeçalhos do princípio que nos remeteriam, como é habitual, para a cauda da Europa...

6 comentários:

  1. No primeiro mapa, o texto entre parentesis induz erro, porque parece indicar que aquele valor de consumo de vinho e baseado numa conversao do consumo de alcool puro em garrafas de vinho de 13 graus. O penultimo mapa desmente essa assercao, e o segundo mapa e um bom explicador dos valores produzidos no primeiro mapa.
    E sendo assim, eu fico sem perceber, de todo, a explicacao entre parenteses no primeiro mapa. Tem ideia do que e que eles querem dizer com aquilo?

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  2. Só posso dizer como o interpretei, ao primeiro mapa: como só disporiam dos valores da capitação do álcool consumido bebendo vinho (à semelhança do que acontece no quarto mapa com as bebidas espirituosas), fizeram uma reconstituição do volume do vinho consumido dividindo por 0,13. Os valores que constam do primeiro mapa são apenas uma extrapolação para um vinho «normalizado» a 13º e daí a ressalva que consta da legenda. Nada impediria, por exemplo (mas já estou a especular), que, por termos graduações alcoólicas superiores às francesas, afinal bebêssemos tanto ou menos vinho que os franceses.

    Esta história do vinho reconstituído faz-me lembrar um processo de gelificação do vinho que os franceses introduziram durante a Guerra da Argélia. As tropas em operações tinham que adicionar água ao gel para assim "reconstituir" o "pinard" indispensável para a manutenção da moral do soldado francês. Creio que também foi usado nas nossas guerras em África. E creio que em qualquer dos sítios não teve grande sucesso.

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    1. Lembro-me de um texto seu a explicar esse processo de distribuicao de "bens essenciais" ao exercito frances.
      A sua interpretacao faz sentido.

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    2. Em outras noticias tangencialmente relacionadas com o tema deste texto (qualidade e fiabilidade da informacao que nos e vendida - e estado de sobriedade de quem vende essa informacao) registo que vamos agora a 5 de Setembro, ja passa da 17h15 da tarde locais, e o apocalipse pos-Brexit teima em se fazer notar pela sua ausencia.
      Pior, tiveram a temeridade de publicar dados estatisticos a indicar que a economia britanica depois do voto Brexit ate nem esta nada ma. Diz que afinal a libra fraca tem sido boa para estimular negocios e que os estrangeiros andam a comprar muitas coisas.

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    3. Não sei se reparou numa inflexão ideológica recente, que designarei por "Doutrina Van Rompuy"?

      http://www.euractiv.com/section/uk-europe/news/van-rompuy-brexit-will-take-years-and-years/

      Em síntese, reconhece-se que os britânicos, no fundo, no fundo, já estavam mesmo de saída... É uma adaptação da "Aldrabice do Ovo Mexido": eu tinha dito originalmente que queria um ovo estrelado mas agora que a gema se rompeu o que eu afinal queria mesmo desde o princípio era um ovo mexido...

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    4. A Doutrina Van Rompuy tem de ser proclamada na forma de um Haiku.

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