12 setembro 2016

A lição de «THE SCRAMBLE FOR AFRICA»

Thomas Pakenham é um hábil escritor (embora por vezes tenda a tornar-se um pouco melodramático) e acho que o livro propicia uma agradável leitura, tão absorvente quanto evocativa. Há é uns pormenores que aborrecem. Outras críticas mencionaram a atenção desmedida que é dedicada aos britânicos à custa das outras potências europeias; isso é verdade até certo ponto (embora, as actividades da França, da Alemanha e, claro, da Bélgica, recebam uma cobertura minimamente detalhada), mas o meu maior problema é o enfâse dado à perspectiva europeia em detrimento da africana. Claro que se pode argumentar que reflecte tão simplesmente o tópico, com decisões que afectaram milhões de africanos a terem lugar em corredores de organismos europeus situados a milhares de milhas de distância, tomadas por homens que não tinham a mínima intenção de pôr um pé que fosse nos novos estados que estavam a criar. Mas a impressão geral que o livro transmite assemelha-se às descrições dos livros de exploração escritos à época por Stanley: conjugam a vastidão geográfica física com uma ausência quase absoluta da geografia humana. Quase não há qualquer explicação da história, cultura e estrutura social dos incontáveis grupos étnicos que foram afectados pela Corrida (Scramble) por África; Pakenham mostra-se um pouco ligeiro demais a socorrer-se de palavras como “nativo” ou mesmo “selvagem” sem qualquer vislumbre de ironia, e quando a narrativa se concentra nos africanos (casos do reino do Buganda ou da guerra do Estado Livre do Congo contra os comerciantes de escravos “árabes”), estes são violentos, cruéis e mesmo canibais. A última parte do livro (IV – Resistência e Reforma) faz um esforço final para balancear esta situação, com capítulos sobre abusos dos direitos humanos nos Congos belga e francês, assim como um excelente capítulo sobre o genocídio perpetrado pelos alemães na que hoje é a Namíbia. Mas no conjunto, fiquei desapontado com o destaque dado à alta política europeia em detrimento da perspectiva africana.
 
De um lado mais favorável, é uma análise empenhada e abrangente, extremamente bem escrita, de um assunto que é necessariamente complexo. Onde Thomas Pakenham se esmera é na descrição sumária das personagens, desde Stanley, Leopoldo II, Brazza e Rhodes até aos secundários como o missionário Dan Crawford e é isso que torna o livro uma leitura tão agradável (nada fácil de construir, dada a necessidade da narrativa saltar geográfica e temporalmente, quando da mudança dos capítulos). O livro é complementado com uma extensa bibliografia e o produto final mostra ser o resultado de uma investigação feita com diligência e gosto pelo tema. Um último aspecto final a questionar é se o último capítulo dedicado brevemente à descolonização não precisaria de uma relevante actualização: há por lá um – sabemos hoje – deslocado optimismo a respeito da liderança de Robert Mugabe.
 
Se algo aprendi com a Amazon foi que, no que respeita a recensões de livros, mais do que escrever uma de origem, haverá, entre todas aquelas – neste caso são 75! – que estão disponíveis no site do livro, uma mais consistente que corresponderá, com retoques e acrescentos, à nossa opinião sobre o livro. Haverá é que a traduzir – e atribuir o seu a seu dono...
 
Mas o que o que o leitor/comentador Frogory escreveu sobre The Scramble for Africa não esgota aquilo de importante que eu penso que há dizer sobre o livro. O destaque que ele me merece aqui no blogue, nada tem a ver com aquilo que Thomas Pakenham me ensinou sobre a África do século XIX através da sua leitura, tem a ver com aquilo que aprendi a meu respeito à custa desses ensinamentos de Pakenham.

A verdade é que Thomas Pakenham consegue chegar ao fim das 680 páginas do livro e não falar por uma vez na perspectiva de Portugal em África. O que é surpreendente. Se, como Frogory acima condescende, o texto está um pouco enviesado em favor do Reino Unido, embora seja razoável para com as outras potências da Europa (França, Alemanha, Bélgica), no caso português, acrescento eu, a situação torna-se ridícula. Há referências aos portugueses porque na África do século XIX é difícil não tropeçar neles, mas Portugal é sempre mencionado só de raspão. Logo na página 36, há um episódio de 1877 em que Stanley é resgatado da sua expedição trans-africana por um comerciante de um entreposto comercial das margens do Congo chamado Boma. O comerciante chama-se... Motta Veiga. É ele que monta uma expedição de resgate da coluna de Stanley que saíra de Zanzibar quase três anos antes e se encontrava então nas últimas. Mais adiante, recuperado, Stanley vai embarcar de regresso à Europa em... Benguela – sem referência de que se trata de uma possessão portuguesa. Num registo diferente e num sítio muito longe de Angola, numa ocasião posterior (1891), quase 400 páginas depois (p. 415), encontra-se na narrativa duas facções a guerrearem-se na corte do rei do Buganda (actual Uganda). Uma representa os interesses dos missionários protestantes e é designada por Wa-Ingleza (sic), a outra os interesses dos missionários católicos e é conhecida por Wa-Fransa (sic). Para os que se interroguem, é claro que Portugal nunca teve qualquer influência naquela região, mas a ignorância de Pakenham sobre o assunto em concreto nunca o deve ter levado, ao relatar isto, a questionar-se que processo havia levado ao aparecimento ali daquelas duas designações das nações assim tão bem copiadas do idioma português. Há outros casos em que a influência portuguesa é perceptivel, mas em síntese, o que nunca se perceberá pela leitura do livro, é como é que um Portugal ausente da narrativa acabou por ficar com possessões correspondentes a 11% da população africana em territórios totalizando cerca de dois milhões de quilómetros quadrados. E isso é importante?

Aqui é que começa aquilo que de relevante este livro me ensinou: É que descobri que deixei de considerar isso importante. O que aconteceu, aconteceu, o Pakenham está só a tentar contar como aconteceu e, no que diz respeito ao caso português, falhou rotundamente. Posso tentar arranjar explicações para a lacuna flagrante de Thomas Pakenham. Talvez por o Portugal da época não ter meios nem dinâmica para a corrida, o comportamento do país foi essencialmente defensivo de um status quo que em muitos locais, como Boma (que veio a fazer parte da colónia belga do Congo), era mais de influência dos portugueses que de soberania de Portugal; isso não arrebata. Outra explicação mais prosaica – e quiçá mais certeira – é que o livro é limitado pela ignorância do autor a respeito de alguns temas relevantes. Mas o que aprendi a reconhecer é que a Pátria não sofre com aquelas opções e limitações de Thomas Pakenham. Nem com elas, nem com as idiossincrasias de Durão Barroso, cujo cargo que ocupou, apesar das expectativas e ao contrário das presunções, também nunca foi importante para a Pátria. E desde que não queiram recomeçar tudo de novo, como se não se tivesse aprendido nada, agora com António Guterres.

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