06 junho 2010

A UNIÃO EUROPEIA PERANTE O SÍNDROMA DO COMPLEXO DE SINES?


Antes de mais, a classificação de Síndroma de Complexo de Sines não é para levar muito a sério: é uma invenção minha. A inspiração retirei-a da história do grandioso empreendimento que lhe dá nome (acima) que, projectado e começado a construir muito antes do grande choque petrolífero de 1973, acabou por se transformar depois dessa crise que o transformou em desnecessário numa espécie de elefante branco, em fase intermédia de construção de onde era impossível desinvestir e que era economicamente proibitivo concluir. Mas a realidade da sua própria existência condicionava a liberdade das opções estratégicas quanto ao destino a dar-lhe. Quando se quer decidir, e a liberdade do que se pode optar está condicionada pelo que já existe no terreno, então estamos perante um Síndroma de Complexo de Sines.

Já se ouvem ideias mais claras mas ainda se anda a tentar perceber o que terá mudado na União Europeia desde os princípios de Maio passado. Para já, terá mudado a Alemanha. A verdade é que o seu Ministro do Interior, Thomas de Maizière, um político considerado muito próximo de Ângela Merkel, fez algum furor quando declarou que a Alemanha iria passar a defender os seus interesses nacionais como a França, o Reino Unido e a Itália o faziam até aqui com naturalidade. A escolha dos países citados por de Maizière só poderia passar por casual perante ingénuos ou diplomatas – a franqueza grosseira da Alemanha tornou-se proverbial nos seus desenhos da Europa a várias velocidades, com os estados-membros devidamente hierarquizados pela importância económica, incluindo a financeira de quem contribui e quem recebe.

Mas a franqueza grosseira pode ser recíproca, que as ficções de de Maizière não terão qualquer audiência fora da Alemanha. Desde quando é que a Alemanha alguma vez deixou de defender os seus interesses nacionais? Valerá a pena relembrar as batalhas épicas entre os ministros das finanças alemão e francês a respeito das questões monetárias quando da criação do Euro, ou o desprendimento com que a Alemanha desrespeitou o seu Pacto de Estabilidade sem dar cavaco a ninguém quando isso lhe conveio. Vale a pena mencionar também a sobranceria sistemática da Alemanha quanto à Comissão Europeia – recorde-se a mediocridade das nomeações de comissários alemães depois da longínqua figura de Walter Hallstein – ou a cumplicidade com que os interesses alemães e franceses se coligaram para sabotarem a liberalização dos mercados da energia.

O que de Maizière poderá querer dizer é que os políticos alemães se preparam para mudar de estilo quanto à forma como transmitem os problemas europeus ao seu eleitorado nacional. Se os dirigentes franceses se habituaram a vender ao seu eleitorado que os complicados processos de negociações, com os tradicionais ganhos, cedências e compromissos, se saldavam sempre em retumbantes vitórias das concepções francesas do que deveria ser o Ideal Europeu, os dirigentes alemães têm sempre preferido realçar o fardo que representam esses compromissos que têm sendo assumidos, acrescentando de seguida que apenas o fazem para o bem desse mesmo Ideal. Enfim, se os primeiros têm mentido por excesso, os segundos têm sido muito económicos com a verdade, por defeito.

Qualquer análise histórica demonstrará facilmente que, numa esmagadora maioria dos casos, as negociações acabaram por acolher o ponto de vista alemão. Até em casos em que a França é que ficou com a fama, como o da agricultura. A Política Agrícola Comum (PAC) poderia ter efeitos menos perversos – e pesaria bem menos no Orçamento da União… – se não fossem os elevados preços ao produtor que estão em vigor por causa do lóbi dos agricultores alemães. Conhecem-se alguns episódios anedóticos em que numa sala o Ministro das Finanças da Alemanha criticava ferozmente o volume elevado das despesas comunitárias enquanto algumas salas ao lado o seu homólogo da Agricultura (normalmente de origem bávara) se batia com igual ferocidade pela manutenção dos elevados preços agrícolas praticados com a PAC…

A analogia com o problema com que Portugal se defrontou com o Complexo de Sines na década de 1970 torna-se pertinente quanto se analisam as opções que se colocam aos países-membros da União quanto ao seu futuro nesta fase da construção europeia. Assim como era impossível desinvestir o que já fora investido em Sines, também a opção de desfazer o que já foi montado em termos de construção europeia parece absurdo. Com o conjunto dos países-membros a mostrar, ainda que às vezes por razões antagónicas, o seu descontentamento, manter o status quo também parece uma solução a excluir. A quem não quiser deixar a União implodir parece só restar a hipótese de se voltar à mesa das negociações e causar um enorme desgosto a José Sócrates, que as do Tratado de Lisboa, as tais para 30 anos, não terão servido para nada... – não foi assim tão porreiro, pá!...

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