Lembro-me de como, quando visitei Paris e perante o enorme sarcófago de Napoleão Bonaparte me ter perguntado se dali por 125 anos – ou seja, nos princípios do Século XXII – não haveria um memorial equivalente em Berlim dedicado a Adolf Hitler? É bastante provável que sim. Napoleão morreu em 1821 e Hitler em 1945, 124 anos depois. Foram os dois protagonistas de megaprojectos para a conquista militar do continente europeu. Falharam em circunstâncias muito semelhantes, derrotados militarmente por gigantescas coligações compostas pelas potências das periferias da Europa. Contudo, enquanto aos franceses é permitido idolatrar o seu Napoleão (abaixo, a Legião de Honra, a mais alta condecoração francesa actual, que foi criada por ele), aos alemães parece ser proibido fazerem qualquer referência elogiosa, ainda que mínima, a Adolf Hitler.
Suponho que milhares já devem ter feito a mesma pergunta (ou semelhante) tanto antes como depois de mim. Creio que quase todos os que já reflectiram sobre a situação já se terão apercebido que se tratará apenas de uma questão de tempo até que Adolf Hitler venha a ser recuperado pela historiografia alemã em termos muito mais favoráveis do que os actuais. É, aliás, o que está actualmente a acontecer connosco com a figura de Salazar. Porém, a imagem de Salazar é uma questão doméstica e a de Hitler virá a ser uma questão continental. A verdade é que a atitude oficial de contrição colectiva da Alemanha pelo período do nazismo, atitude que se mantinha há 65 anos, era uma capa cada vez mais inverosímil. A hipocrisia em excesso acabava por pagar dividendos negativos na realpolitik: convencia demasiado poucos em proporção aos que deixava desconfiados.
Penso porém que uma Alemanha assumidamente imperial será um bónus para a próxima fase de negociações que terá necessariamente de se seguir a esta crise das dívidas públicas dos países da eurozona. Apenas ficará por assumir – e não é impossível que ela venha finalmente a ser assumida… – a outra grande hipocrisia quanto à construção europeia: a posição dos britânicos que acabaram por aderir à organização quando se aperceberam que seria muito mais eficaz entravar a integração europeia fazendo parte da própria União do que combatendo-a a partir de uma organização rival, a EFTA. Devido às circunstâncias, essa incontornável fase de negociações terá que passar por quase todos aqueles assuntos que, em todas as negociações anteriores, foram deliberadamente ignorados, se solucionaram por consensos tão frágeis quanto castelos de cartas ou então se tornaram letra morta…
Exemplos destes últimos casos de intenções que não saíram do papel são o do mercado único dos serviços, popularizado pela famosa figura do canalizador polaco (parodiado acima pelos próprios polacos) que, por causa dos preços baixos da mão-de-obra, ameaçaria arrasar com todas as pequenas empresas de bricolage de França, ou a criação de uma regulamentação comum para o mercado de serviços financeiros que encalhou na má vontade alemã por causa da reputada opacidade do seu sistema bancário. As dificuldades do que é necessário solucionar e o perfil dos protagonistas para o fazer deixam-me céptico quanto ao desfecho, para mais quando as fontes de legitimação desses protagonistas são os eleitorados nacionais e se, algo terá mudado em Maio de 2010, é que se entrou numa época em que é audível que os hinos nacionais se sobrepõem à Ode à Alegria…
Suponho que milhares já devem ter feito a mesma pergunta (ou semelhante) tanto antes como depois de mim. Creio que quase todos os que já reflectiram sobre a situação já se terão apercebido que se tratará apenas de uma questão de tempo até que Adolf Hitler venha a ser recuperado pela historiografia alemã em termos muito mais favoráveis do que os actuais. É, aliás, o que está actualmente a acontecer connosco com a figura de Salazar. Porém, a imagem de Salazar é uma questão doméstica e a de Hitler virá a ser uma questão continental. A verdade é que a atitude oficial de contrição colectiva da Alemanha pelo período do nazismo, atitude que se mantinha há 65 anos, era uma capa cada vez mais inverosímil. A hipocrisia em excesso acabava por pagar dividendos negativos na realpolitik: convencia demasiado poucos em proporção aos que deixava desconfiados.
Penso porém que uma Alemanha assumidamente imperial será um bónus para a próxima fase de negociações que terá necessariamente de se seguir a esta crise das dívidas públicas dos países da eurozona. Apenas ficará por assumir – e não é impossível que ela venha finalmente a ser assumida… – a outra grande hipocrisia quanto à construção europeia: a posição dos britânicos que acabaram por aderir à organização quando se aperceberam que seria muito mais eficaz entravar a integração europeia fazendo parte da própria União do que combatendo-a a partir de uma organização rival, a EFTA. Devido às circunstâncias, essa incontornável fase de negociações terá que passar por quase todos aqueles assuntos que, em todas as negociações anteriores, foram deliberadamente ignorados, se solucionaram por consensos tão frágeis quanto castelos de cartas ou então se tornaram letra morta…
Exemplos destes últimos casos de intenções que não saíram do papel são o do mercado único dos serviços, popularizado pela famosa figura do canalizador polaco (parodiado acima pelos próprios polacos) que, por causa dos preços baixos da mão-de-obra, ameaçaria arrasar com todas as pequenas empresas de bricolage de França, ou a criação de uma regulamentação comum para o mercado de serviços financeiros que encalhou na má vontade alemã por causa da reputada opacidade do seu sistema bancário. As dificuldades do que é necessário solucionar e o perfil dos protagonistas para o fazer deixam-me céptico quanto ao desfecho, para mais quando as fontes de legitimação desses protagonistas são os eleitorados nacionais e se, algo terá mudado em Maio de 2010, é que se entrou numa época em que é audível que os hinos nacionais se sobrepõem à Ode à Alegria…
Em relação à primeira pergunta: não é provável nem eu espero que tal aconteça. A inanidade de Hitler nada tem que ver com a megalomania de Napoleão. Este deixou marcas profundas (positivas) na França e na Europa conquistada (um modo de organização administrativa, um código civil, até um amor próprio de que é reflexo o seu memorial); Hitler deixou uma Europa destruída e extenuada por uma guerra feroz. Acresce que os planos que este tinha para a sua conquista (escravidão dos povos e exploração rapace dos recursos) em nada se compara a Napoleão.
ResponderEliminarA fazer um memorial a Hitler, que o seja para as pessoas não se esquecerem dele.
É das poucas vezes que estou em desacordo consigo mas é uma vez fundamental.
Quanto ao Salazar, claro que a história vai demonstrando que não era como o PCP o pinta.
Cumprimentos.
É sempre com gosto que discordo de um desacordo fundamentado como o seu, Zé Dias da Silva.
ResponderEliminarTanto que o procurei sintetizar num poste mais acima em que chamo a atenção o que 800 anos fizeram ao ódio dedicado a uma figura execrável da História Universal como Gengis Khan...
Apenas 2 notas adicionais:
a) Pelo meu vocabulário inane corresponde a conceitos como oco, vazio ou fútil. É um qualificativo que se poderá aplicar a políticos como Pedro Santana Lopes, mas não a Adolf Hitler. Se assim fosse, é provável que pudesse ter continuada a haver Segunda Guerra Mundial mas Hitler não teria sido o dirigente supremo de uma das facções envolvidas...
b) As Guerras Napoleónicas terão causado 3,5 milhões de mortos, cerca de 2% da população europeia de então, numa percentagem equivalente às causadas pela Primeira Guerra Mundial. Por muito positivas que tenham sido as marcas que ele tenha deixado, acho que 2% da população de todo o continente foi um preço excessivo, talvez mesmo mais do que excessivo para alimentar a megalomania seja de quem for... Isso é o essencial do que se deve dizer sobre Napoleão.