
Fruto provável do condicionamento industrial destinado a proteger as indústrias nacionais, tudo o que era de origem espanhola – especialmente os brinquedos, que recordo melhor – tendia a quebrar-se, deixar de funcionar ou uma outra qualquer vicissitude a um ritmo característico – e rápido. De tal forma que sempre interiorizei que a associação da palavra qualidade com o adjectivo espanhola, faz tanto sentido como as expressões humor alemão, modéstia francesa, discrição italiana ou pontualidade portuguesa.
Já adulto, descobri que esta falta de vocação para a produção industrial de qualidade era afinal uma vocação antiga em Espanha. E o exemplo que darei mostra a Espanha que conhecemos em todo o seu espavento e esplendor, excelente na imagem geral, mas completamente desatenta aos pormenores, como se se tratasse de uma sevilhana dançando com um lindíssimo vestido vermelho garrido, ornada de jóias, penteada e pintada com esmero, mas tendo-se esquecido de rapar os sovacos ou de os lavar…
Regressemos aos princípios do Século XX e à época em que os couraçados eram um argumento de poder mundial que era levado a sério. Era o Reino Unido a potência que os possuía em maior quantidade mas todas as outras ambicionavam possuí-los, nem que fosse pelo prestígio conferido pela presença de um entre a marinha de guerra de um país em relação aos seus rivais: o Brasil comprou 2, a Argentina também quis 2, para rivalizar com os do Brasil e o Chile acabou por comprar 1, para não ficar atrás da Argentina…

Estes três navios são passíveis de nota principalmente porque foram os couraçados mais pequenos e mais vagarosos a serem jamais construídos, apesar de terem provavelmente também a pior protecção em termos de blindagem**. Foram construídos pela SECN nos estaleiros navais de El Ferrol, e uma das maiores dificuldades de construção foram as dimensões das instalações disponíveis… Seguem-se as suas características técnicas: 15.452 toneladas de deslocação, 140 metros de comprimento, 8 peças de 305 mm como armamento principal…
Além da qualidade de construção, a história dos navios também é triste: o primeiro (España) acabou num recife ao largo de Marrocos em 1923… O segundo (Alfonso XIII), que veio a ser rebaptizado com o nome de España com a proclamação da República Espanhola em 1931, ficou do lado nacionalista na Guerra Civil (1936-39), mas afundou-se em 1937, ao embater numa das suas próprias minas… O terceiro (Jaime I), que ficara na posse dos republicanos, teve uma explosão interna acidental em 1937 que o tornou irreparável…

Julgo que a globalização já muito deve ter feito pelo desaparecimento daquelas verdadeiras aberrações industriais de outrora mas, voltando a um outro exemplo alimentar, e regressando especificamente ao caso dos refrigerantes, não me canso de continuar a achar um verdadeiro mistério como o colectivo das papilas gustativas espanholas mostra preferência pela Fanta Naranja quando em comparação com o Sumol ou pela Fanta Limón quando comparada com o Trinaranjus de limão…
* WARSHIPS From 1860 to the present day, David Miller, Salamander 2002
** Teoricamente, o aumento da blindagem de protecção aumenta a tonelagem de um navio e, em consequência, prejudica-lhe a velocidade. São parâmetros antagónicos, mas neste caso, estranhamente, os navios eram vagarosos e estavam mal protegidos .
** Teoricamente, o aumento da blindagem de protecção aumenta a tonelagem de um navio e, em consequência, prejudica-lhe a velocidade. São parâmetros antagónicos, mas neste caso, estranhamente, os navios eram vagarosos e estavam mal protegidos .
“Vagarosos e mal protegidos”!
ResponderEliminarÉ caso para dizer: um azar nunca vem só...
Para desfiles, serviam!