30 janeiro 2018

«ONDE É QUE EU JÁ LI ISTO?...»


O filme O Pátio das Cantigas original tem uma cena onde, Vasco Santana, perdido de bêbado, tem um diálogo (monólogo) com um candeeiro de iluminação pública a quem ele pede lume. Perante a impassibilidade do candeeiro, Vasco Santana encrespa-se e ralha-lhe, em modos e termos que estarão muito para além do que se esperaria da cultura de um canalizador - a sua personagem, Narciso Fino. É ao terminar a sua arenga que surge a punchline do monólogo que é também uma das consagradas do filme: surpreendido com a sua própria erudição, Vasco Santana pergunta-se a si mesmo: Onde é que eu já li isto?... (ao 1:22). Hoje de manhã, não era eu que monologava, mas tive uma branca algo parecida à de Vasco Santana ao ler um dos parágrafos do artigo de opinião de Nuno Garoupa no Diário de Notícias: Onde é que eu já lera aquilo? Aquilo é um parágrafo do artigo em que se procura demarcar Passos do passismo. Passos (Coelho) é o homem político, passismo é "esse movimento orgânico (...) que ocupou o partido, as redes sociais e muita opinião publicada". De Passos exumam-se virtudes - liberal, corajoso e decidido, fair play e elegância - e é um azar dos Távoras que entre os seus seguidores do tal movimento orgânico só se consigam encontrar defeitos - conservador, mesmo reaccionário, fundamentalista e radical, truculento, caceteiro, insultuoso, quando não mesmo boçal. Em que circunstâncias do passado já eu encontrara alguém que fora também uma inspiração para que os seus seguidores tivessem adoptado o reverso dos seus predicados?... Cavaco (Silva) e o cavaquismo. Este era precisamente o mesmo discurso a respeito de Cavaco por volta de 1996, há precisamente 22 anos, quando, encerrado com uma derrota nas presidenciais esse seu primeiro ciclo de ambições, era preciso dar uns retoques ao passado recente, para que o homem tivesse ainda um futuro político: os méritos dos dez anos anteriores pertenciam-lhe, os excessos deviam-se a quem o rodeara, os cavaquistas. Enfim, creio que aos 26 anos - a idade então de Nuno Garoupa - já se devia prestar a estas coisas para depois não as repetir. É engraçado que seja um estrangeirado como Nuno Garoupa, que, como tantos outros estrangeirados desde Eça, até costuma evocar esse estatuto para nos criticar - tantas vezes com razão - por causa de algumas das nossas idiossincrasias colectivas, agora se tenha rendido ele a esta outra idiossincrasia típica de evitar culpabilizar o responsável, diluindo a responsabilidade de um período político da história recente por um colectivo cujos membros, além de receberem com as culpas do líder, não são para ser nomeados: Não se aponta que é feio. Mas tentar dissociar Passos Coelho dos quatro anos e meio em que conduziu o país também o é (feio).

Sem comentários:

Enviar um comentário