24 junho 2008

STETTIN / SZCZECIN

From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic, an iron curtain has descended across the Continent*. (…)

Winston Churchill

Esta frase, que hoje se tornou praticamente imortal, encontrava-se originalmente perdida no meio de um interminável discurso que foi pronunciado por Winston Churchill em 5 de Março de 1946 numa Universidade do Missouri, por ocasião de uma graduação honoris causa que o estadista britânico ali recebeu. Em rigor, a Cortina de Ferro a que Churchill se refere naquele discurso não começava em Stettin, mas sim um pouco mais a Ocidente, em Lubeque, uma outra antiga cidade hanseática também do Báltico, a poucos quilómetros da qual passava então a linha divisória que depois viria a ser a fronteira entre as duas Alemanhas (acima).
Mas, ao referir-se naquelas circunstâncias à cidade de Stettin pelo seu nome alemão e não pelo nome polaco (Szczecin) que ela adquirira/recuperara no fim da Segunda Guerra Mundial (que terminara precisamente no ano anterior), Churchill também aflorava o problema do novo traçado das fronteiras germano-polacas que só fora aceite com muita relutância por si na Conferência de Yalta em Fevereiro de 1945. Naqueles anos, nas regiões orientais da Alemanha, em vez do traçado das fronteiras ter em conta a nacionalidade das populações, eram as populações que tinham de ter em conta o novo traçado das fronteiras…
Como se pode perceber pelo mapa acima (que pode ser ampliado), um exemplar usado pelos norte-americanos para estudar a questão do traçado que a nova fronteira germano-polaca poderia assumir, houve regiões onde apenas os seculares direitos históricos** poderiam justificar a sua posse pela Polónia: entre 90 a 100% da população considerara-se alemã no último recenseamento efectuado***. Mas os soviéticos conseguiram que fosse aceite a hipótese de traçado mais lesiva para a Alemanha: a fronteira que, seguindo inicialmente o traçado do Rio Óder, depois continuasse para Sul, ao longo do seu afluente da margem esquerda, o Rio Neisse.

Sobre o traçado dessa nova fronteira germano-polaca (ver mais abaixo), que passou a ser conhecida pelo nome de Fronteira Óder-Neisse, o caso da cidade de Stettin, aparece como uma espécie de cereja em cima do bolo do despotismo com a Alemanha foi tratada durante esses anos: se a fronteira seguisse escrupulosamente o Rio Óder, então Stettin, que se situa na sua margem esquerda, perto da foz, pertenceria naturalmente à Alemanha… Para a fazer polaca houve que forçar a fronteira a inflectir para Ocidente (ver acima) e é assim que aparece a nova cidade de Szczecin (abaixo) que, originalmente, tinha tanto de polaco quanto a ilha de Bornéu
Uma prova de como quase houve uma completa substituição de toda a sua população é a evolução do número de habitantes da cidade que se reduziu desde os 383 000 que lá existiam antes da Guerra (em 1939) até aos 26 000 que lá restavam depois da Polónia ter tomado posse da cidade (acima, em meados de 1945) e que ainda eram apenas 73 000 no ano em que Churchill a ela se referia no seu discurso (1946). Só no quinquénio de 1976-80 é que Szczecin voltou a atingir a população que tivera 40 anos antes!… E esta história do após-Guerra de Stettin/Szczecin é quase idêntica à de outras cidades polacas como Breslau/ Wrocław ou Danzig/ Gdańsk
Oficialmente a questão da fronteira Óder-Neisse está hoje assente, depois da assinatura do Tratado Germano-Polaco sobre as Fronteiras de 1990. Cinicamente, vale a pena recordar que também havia um Pacto de Não Agressão assinado pela Polónia e a Alemanha nazi em 1934, e que ele de nada serviu em Setembro de 1939... A verdade é que as Alemanhas (especialmente a Federal) conseguiram absorver os cerca de 12 milhões de refugiados de Leste e, numa situação de estagnação demográfica desde há 50 anos****, dificilmente precisarão seriamente de qualquer Lebensraum, o tal espaço vital que se tornou um dos melhores soundbites de Adolf Hitler…

* De Stettin no Báltico a Trieste no Adriático, uma Cortina de Ferro desceu sobre o continente (europeu).
** Que agora são negados aos sérvios a propósito do Kosovo.
*** Obviamente que se o recenseamento tivesse sido realizado por polacos, seria provável que os resultados fossem diferentes e aparecessem muito mais polacos, mas não a ponto de se tornarem maioritários. Aliás, os alemães ganharam os referendos populares realizados para a definição das fronteiras em 1919 e 1920.
**** Mesmo contando com o efeito da imigração, a população alemã total passou apenas de 70 milhões em 1950 para 82 milhões em 2008.

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