Este mapa foi publicado no The Guardian e mostra-nos o programa de greves no Reino Unido para o próximo mês de Fevereiro. Logo nos primeiros três dias estão marcadas oito greves: cinco na educação, duas nos transportes e uma de funcionários públicos. O resto do mês aparece dominado por greves dos trabalhadores da saúde: dez greves em dezassete dias úteis! Afinal somos um país moderno, integrado nas grandes tendências europeias! Esqueça-se lá aquele lamento do «...só neste país».
31 janeiro 2023
A GRANDE INUNDAÇÃO DE 1953
31 de Janeiro de 1953. É o primeiro dia de uma tempestade no Mar do Norte que acabará por atingir com grande violência as costas dos Países Baixos em especial. Os holandeses deram-lhe o nome de De Watersnoodramp. O efeito conjugado dos ventos da tempestade com as marés vivas fará com que o nível do mar tenha subido 3 e 4 metros acima do que seria normal, galgando os diques de protecção e inundando os pólderes, especialmente na província da Zelândia (mapa abaixo). O desastre causou 1.836 mortos, só nos Países Baixos, para além de outras vítimas mortais no Reino Unido, na Bélgica e em embarcações que estavam no mar, para além de ter provocado danos incalculáveis nas habitações e terrenos agrícolas, alagados por causa das inundações. A única boa notícia da catástrofe foi a descoberta da capacidade de evacuação dos helicópteros, que fora até aí um equipamento relativamente pouco conhecido do grande público. Nas operações de resgate das pessoas isoladas em telhados e outros pontos elevados, operaram 38 helicópteros oriundos das mais diversas proveniências: 15 das forças norte-americanas estacionadas na Alemanha, 12 das do Reino Unido, a França enviara 4 helicópteros e a Bélgica outros 3. Para além da presença do príncipe consorte, os helicópteros são um dos poucos elementos verdadeiramente animadores das imagens acima.
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30 janeiro 2023
SOBRE A INUTILIDADE DE TROCAR O NADA POR COISA NENHUMA
António Costa não tem uma visão nem um projecto para o país e isso também se vê na incapacidade de arranjar pessoas. Não há uma pessoa que tenha credibilidade que queira ir para este governo.
Assim escrito, eu subscrevo inteiramente o diagnóstico feito acima por Paulo Rangel. O problema coloca-se a respeito da solução para o problema que ele identifica. Porque decerto ele não deve querer convencer-nos que Luís Montenegro possui a visão e o projecto para o país que falta a António Costa. Pode tentar... mas boa sorte! Luís Montenegro é uma coisa oca cujo único predicado reconhecível é... não ser António Costa. E para além disso e por causa disso, subsiste o (mesmo) problema de arranjar pessoas que tenham credibilidade bastante para o acompanhar num futuro governo que o PSD venha a formar. Para mais, quando sobre credibilidade o próprio Paulo Rangel desperdiçou uma substancial parte da que tivera, ao tentar convencer-nos, em Novembro de 2021, que era o homem ideal para encabeçar o PSD, para nos tentar fazer mudar radicalmente de opinião somente quatro meses depois, quando passara a não ser o momento para ser candidato (à liderança do PSD), em Março de 2022. Perdeu as virtudes que dissera que tinha em 4 meses... A (única) diferença é que Paulo Rangel se desdiz com um ritmo mais majestático do que os ministros actuais, como Pedro Nuno Santos: este último desdiz-se em apenas quatro semanas, enquanto Rangel precisou de quatro meses para fazer o mesmo (apostando quiçá na falta de memória da opinião publicada?). Mas a substância do problema, a falta de pessoas com credibilidade para integrar o elenco governamental, é a mesma para qualquer dos lados. Agravada com a comprovada inadequação de Luís Montenegro para vir a encabeçar um novo executivo. Que experiência governamental é que ele tem? Zero. Assim sendo, qual é a utilidade de trocar nada por coisa nenhuma?
O CENTENÁRIO DA ASSINATURA DA CONVENÇÃO DE LAUSANNE
30 de Janeiro de 1923. Assinatura da Convenção de Lausanne entre a Grécia e a Turquia. Os dois governos acordam em proceder a uma enorme transferência de populações - cerca de dois milhões de pessoas serão afectadas - por forma a que qualquer deles passasse a constituir praticamente um estado nação, com uma população homogénea e sem significativas minorias étnico religiosas. Se a maioria das populações a deslocar respeitavam o padrão étnico-religioso - os gregos eram cristãos ortodoxos e os turcos muçulmanos - havia variadíssimas comunidades - minoritárias, mas mesmo assim constituídas por dezenas de milhares de pessoas - que desrespeitavam esse padrão. Nem todos os muçulmanos que viviam dentro das fronteiras da Grécia eram de cultura turca; e nem todos os gregos que viviam dentro das fronteiras da Turquia eram de confissão cristã.
Em resultado desta Convenção que foi assinada há cem anos e como se depreende do mapa mais acima, cerca de 0,5 milhão de muçulmanos (predominantemente turcos) foram expulsos da Grécia e cerca de 1,5 milhões de cristãos ortodoxos (sobretudo gregos) foram expulsos da Turquia. Estes últimos, e como se lê também no mapa, vieram a constituir cerca de 20% da população grega - proporcionalmente, será 3 vezes mais do que os retornados de África em Portugal nos anos 70. Mas, mais do que números, mais importante será compreender os dramas humanos que esta imensa migração forçada provocou, de que este livro acima narra vários casos. Paradoxalmente, o olhar analítico, distanciado de um século, obriga-nos a reconhecer que, apesar do trauma, esta solução terá evitado inúmeros pretextos adicionais para a ocorrência de conflitos posteriores entre gregos e turcos. A nota final é para a forma como o assunto foi noticiado (abaixo): Curzon era o ministro britânico das Negócios Estrangeiros, e aos jornalistas escapou-lhes por completo o que de mais importante acontecera. É uma tradição, quase...
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A CRIAÇÃO DA MILÍCIA FRANCESA
Republicação
30 de Janeiro de 1943. Dois meses e meio antes, o governo de Vichy acabara de sofrer mais uma humilhação, com a ocupação pelos alemães da que fora até aí designada por Zona Livre. O governo cambaleara, mas, à custa de humilhações suplementares, não caíra. E há precisamente 80 anos, o colaboracionismo procurava superar-se criando uma organização paramilitar, a milícia francesa, com o objectivo de combater internamente as expressões de resistência à ordem imposta: tanto as acções armadas quanto aqueles que, requisitados, se recusavam a ir trabalhar para a Alemanha. À frente da nova organização Joseph Darnand (1897-1945), um devoto do marechal Pétain, e uma demonstração de que muitas das personagens da França destes anos de chumbo (que vão de 1940 a 1944) raramente são para analisar a preto e branco, antes gradientes de cinzento. Darnand já então era um herói de guerra, a maioria das condecorações que acima se lhe vêem no peito são por bravura, alcançadas na Primeira mas também na Segunda Guerra Mundial - em combate contra os alemães... São as suas simpatias políticas de sempre pela extrema-direita que o fazem agora prestar-se a ser usado para dar a cara por uma organização destinada a auxiliar os seus antigos inimigos de estimação. A importância da milícia foi muito mais política do que militar - mesmo que os seus efectivos tenham chegado a atingir os 35.000 homens, trata-se de um número ridículo quando comparado com os milhões que evoluíam simultaneamente noutros Teatros de Operações da Segunda Guerra Mundial. E mesmo essa importância política circunscreve-se à França. Mas a conduta da milícia também funciona como um exemplo universal daquilo que pode acontecer aos simpatizantes da direita quando se impregnam em excesso da ideologia, a ponto de perderem de vista a sua matriz nacionalista. Como escreve Pierre Giolitto na contra capa desta sua História da Milícia:
«Pretendia-se que a Milícia francesa fosse uma cavalaria que trouxesse consigo um novo desabrochar em força. Tornou-se numa falange maldita. Mais frequentemente evocada que estudada, acabou por ser considerada como uma espécie de Gestapo francesa ao serviço do inimigo. A Milícia é um testemunho extremo dos estragos que se podem exercer nos homens de acção, patriotas mas de vistas limitadas, a começar por um marechalismo excessivo e pela fobia anti-republicana, depois por um anti-comunismo obsessivo e finalmente pelas prédicas dos ultra-colaboracionistas.» Se Giolitto está hoje disposto a compreender a obtusidade que atacou os "homens de acção", a época que então se vivia não era de molde a mostras de tal tolerância: por muito valorosos que tivessem sido os serviços prestados à França nos campos de batalha, Joseph Darnand foi fuzilado por traição em 10 de Outubro de 1945, cinco meses depois do fim da guerra (na Europa).
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O ASSASSINATO DE GANDHI
30 de Janeiro de 1948. O Mahatma Gandhi - que nunca desempenhara qualquer função formal no governo da União Indiana - foi assassinado na capital Nova Deli, ao final da tarde. Como acontece com muita frequência nestes casos, em que o assassinado se destaca pela moderação quando duas comunidades se disputam violentamente (no caso, hindus e muçulmanos), o assassino foi um extremista da sua própria comunidade. (quase 50 anos depois, em 1995, aconteceria algo de muito semelhante com o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin a ser assassinado por um extremista judeu). O funeral decorreu no dia seguinte. Vários jornais não se inibiram de noticiar um milhão de pessoas presentes. Mas, mais do que o seu número, o que a fotografia abaixo destaca foram os prodígios de esforço a que alguns se dedicaram para verem a pira funerária.
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29 janeiro 2023
ACHO QUE PAULO PORTAS CONTINUA A APRECIAR UMA CAPA DE JORNAL BEM APELATIVA...
Jorge Coelho, o emblemático antecessor de Paulo Portas na administração da Mota-Engil, para lá nomeado, como Paulo Portas, por razões que se suspeita (e não se gosta...), acabou por ser mais ou menos absolvido quando abandonou o cargo. Acontecerá o mesmo com Paulo Portas?
28 janeiro 2023
HÁ QUE RECONHECER QUE HÁ CEM ANOS HAVIA QUEM TIVESSE ESPÍRITO VISIONÁRIO...
Espírito visionário não apenas técnico como também, e sobretudo, sociológico: repare-se como as duas senhoras da cena de antecipação da década de 1920 estão sentadas à mesma mesa, mas também não parecem interagir entre elas...
A SATISFAÇÃO DE TODO UM POVO
28 de Janeiro de 1953. É nestas pequenas notícias discretas que muitas vezes se encontram as verdadeiras verdades do que foi ter vivido uma certa época. Há 70 anos e apesar da Segunda Guerra Mundial ter terminado há 8, os britânicos continuavam a suportar o racionamento para um conjunto de produtos que hoje são de aquisição banal. E o que fazia a satisfação de todo um povo era a concessão adicional de maiores quantidades às rações tabeladas. Aqui conjugava-se o efeito político de ter uma população bem disposta quando das cerimónias da coroação da nova rainha Isabel II, como se as doses suplementares fossem uma graça régia. Quando hoje vemos as imagens do entusiasmo da assistência a essas cerimónias, nem nos ocorre que alguma parte daquilo se deveu a 450 gramas adicionais de açúcar e ainda a 115 gramas de margarina. São factos verdadeiros que retiram algum lirismo à mensagem...
(...meio pacote de açúcar e meia embalagem de margarina)
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27 janeiro 2023
APONTAMENTOS SOBRE A (NÃO) NEUTRALIDADE SUÍÇA DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Existe a noção que a Suíça foi um país que permaneceu estritamente neutral durante a Segunda Guerra Mundial. É uma ideia tecnicamente correcta, mas cheia de nuances, algumas das quais (1) (2) (3) já me referi aqui neste blogue. O que se tornará surpreendente para o leitor, será descobrir que a Suíça chegou a prestar apoio material à Alemanha na Frente Leste durante o conflito. Embora a iniciativa não tivesse o apoio governamental (também não foi proibido...), o coronel Eugen Bircher (que também era um médico ortopedista reputado) encabeçou uma primeira «missão especial médica suíça» que partiu para a Frente Leste alemã em 15 de Outubro de 1941. Com a publicidade que a capa da revista acima mostra. Composta por 31 médicos, 30 enfermeiros e 19 outros de pessoal de apoio, os membros da missão ficaram instalados na cidade russa de Smolensk, que constituía o ápice do dispositivo médico da Wehrmacht na Frente Leste. Os membros da missão envergavam uniformes do exército suíço, assim como utilizavam o seu equipamento de transporte, embora desprovidos de quaisquer insígnias. Para além das razões ideológicas, o interesse dos militares suíços era o de acompanhar os últimos desenvolvimentos no campo da medicina militar – os suíços foram responsáveis, por exemplo, pela instalação de um banco de sangue em Smolensk, muito necessário já que a cidade albergava nada menos do que 12 hospitais (um deles o suíço). Depois da primeira missão, uma segunda partiu para a Frente Leste em 8 de Janeiro de 1942. Uma terceira missão seguiu-se em 18 de Junho de 1942. E uma quarta em 24 de Novembro de 1942.
Para além da mudança das sortes da Guerra (a batalha de Stalinegrado ocorreu durante a quarta missão), nem todos os membros das missões suíças participavam nelas por razões ideológicas, e os relatos que traziam da Rússia a respeito do tratamento que os alemães davam aos judeus, às populações e aos prisioneiros de guerra soviéticos (os suíços estavam proibidos de os tratar), tiveram que ser activamente abafados pelas autoridades governamentais antes que chegassem à comunicação social suíça (um livro contando a experiência de um dos membros de uma das missões só veio a ser publicado... em 1967). E paradoxalmente, o pessoal médico que fora destacado para apoiar o esforço de guerra alemão, estava também a fazer falta nos inúmeros campos de refugiados que a guerra fizera aparecer na própria Suíça. Não houve mais missões comandadas pelo coronel Bircher a partir de Março de 1943. Quando do fim da Segunda Guerra Mundial, e por muita discrição que se terá posto em não as mencionar, estas missões militares de apoio ao esforço de guerra alemão não puderam desaparecer dos registos, mas o que se notou foi um esforço oficial em distorcê-las, realçando o seu carácter humanitário, para que se esquecesse o ideológico. O que é mais uma daquelas grandes mistificações que alguns países conseguem injectar na História. Apesar da Suíça ser, não esqueçamos, o país sede da Cruz Vermelha Internacional, o que a Suíça tem para apresentar como acções de apoio humanitário à União Soviética em todos estes anos de guerra que acabámos de cobrir (1941/1942/1943), foi... nada. O que não é lá muito neutral.
Nestas duas últimas fotografias vemos o indispensável coronel-médico Bircher (reconhecível pelo quépi) com os seus anfitriões alemães em visita a Narva e à frente de Leninegrado em Agosto e Setembro de 1942.
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26 janeiro 2023
AS VIRTUDES DA VERDADEIRA DEMOCRACIA E OS ERROS DE QUEM NÃO SABE ESTAR À ALTURA DAS REGRAS
Por esta altura, admito que será desnecessário perder tempo a explicar quem é George Santos. O episódio é ridículo, mas torna-se incómodo assistir a toda a pressão mediática para que o congressista se demita. O que as notícias não dizem é que George Santos acabou de ser eleito em Novembro passado por 142.472 votos contra os 120.737 recebidos pelo seu oponente democrata numa eleição nominal. (Ou seja, Santos foi eleito pessoalmente, não chegou ao congresso misturado no meio de uma lista mais votada, como acontece com os deputados portugueses) E tratando-se de eleições livres, houve toda uma fase de campanha eleitoral para que, entre aqueles que então o apoiaram e aqueles que se lhe opuseram, descobrir e expor ao eleitorado tudo isto - mentiras, fraudes, apropriação de dinheiros - que agora veio a ser revelado para ultraje da opinião pública. Se não o foi (revelado), foi-o por incompetência daquelas duas partes intervenientes (e interessadas). Não tentem disfarçar essa incompetência tentando agora alterar as regras do jogo democrático, pretendendo instalar sentimentos de honra e vergonha em alguém que, consabidamente, nunca as terá tido. Por outro lado, pragmaticamente, há que reconhecer que o impacto da presença de uma figura como George Santos no congresso é algo menor: ele é um de 435 e o seu mandato será por dois anos. Porque, se estamos a referir-nos a alguém sem quaisquer laivos de honra e vergonha, convém lembrar que os americanos acabaram de passar pela experiência traumática de terem eleito um presidente, que é só um, e pelo período de quatro anos. Depois de Donald Trump (que era só 1) na Casa Branca, os problemas de um George Santos (entre 435) no Capitólio são trocos... Aguentem-no, assumam as vossas responsabilidades e deixem-se de mariquices.
...COM TODOS OS DENTES QUE TEM NA BOCA...
Republicação
26 de Janeiro de 1998.« - ...But I want to say one thing to the American people. I want you to listen to me. I'm going to say this again: I did not have sexual relations with that woman, Miss Lewinsky. I never told anybody to lie, not a single time; never. These allegations are false. And I need to go back to work for the American people. Thank you.» (Mas eu quero dizer uma coisa ao povo americano. Quero que me ouçam. Vou dizê-lo mais uma vez: eu não tive relações sexuais com aquela mulher, Miss Lewinsky. Nunca disse a ninguém para mentir, por uma vez que fosse; nunca. Essas alegações são falsas. E eu preciso de regressar ao trabalho em prol do povo americano. Obrigado.) Há circunstâncias em que não interessa ouvir o que as pessoas tenham para dizer. Elas só podem dizer uma coisa, seja verdade ou não. Se é assim, porque é que, quando as vemos nessas circunstâncias, se perde tempo a prestar-lhes atenção?
Adenda: O que não é o caso imediatamente abaixo do primeiro-ministro António Costa. Esse podia ter adoptado muitas outras atitudes para além da de fingir-se ultrajado.
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25 janeiro 2023
DO PROCESSO POR DECLARAÇÕES OFENSIVAS AO CONTACTO INFORMAL, LEAL E DIRECTO
Se recuarmos dois meses e meio no tempo, as divergências entre o primeiro-ministro (António Costa) e o ex-governador do Banco de Portugal (Carlos Costa) eram tais que, perante o facto de o segundo «não pedir desculpa» nem se «retractar» por «declarações ofensivas» num livro que ainda não fora editado, o primeiro manifestava a intenção de processá-lo, tendo até anunciado o nome do advogado que escolhera para o representar. Lendo as notícias, sentia-se a indignação fervente de António Costa por alguma coisa que constava do livro e a que o público ainda não tivera acesso. Dois meses e meio depois, já com o livro publicado e, quase ousaríamos dizes, esquecido, deparamo-nos com uma «admissão» por parte do primeiro-ministro de que, a respeito do que terá sido o pomo da discórdia, terá tomado a iniciativa de ter tido uma conversa telefónica «leal, directa e informal(...)» com o governador, conversa essa que, a deduzir pelos eufemismos escolhidos pelo texto de António Costa, terá decorrido nuns termos tais que Carlos Costa não terá apreciado sobremaneira. E que este último terá interpretado da maneira que António Costa agora faz imensa questão em desmentir: que nunca fizera qualquer diligência (...) em favor de Isabel dos Santos. Eu, pelo meu lado, sinto-me esclarecido sobre as razões e explicações de ambos, embora tenha tido que esperar dois meses e meio. Sinto-me tão esclarecido que creio que nem vale a pena inquirir em que grau de adiantamento estará o processo que fora entregue com tanta pompa e circunstância ao «Dr. Manuel Magalhães e Silva».
A DESVALORIZAÇÃO DO FRANCO FRANCÊS
Domingo, 25 de Janeiro de 1948. O governo francês, presidido por Robert Schuman, escolhe o dia para anunciar uma significativa desvalorização de 44,4% do Franco francês em relação do Dólar norte-americano. Este último passa a valer 214,392 francos contra os 119,1 que valia anteriormente. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial que a França se debatia com o problema de uma inflação galopante que os sucessivos governos não conseguiam controlar (como já aqui se deu conta neste blogue). Um outro aspecto, também aqui já mencionado, e que nesse dia também se tentou pôr cobro, liberalizando o seu comércio, foi ao contrabando de ouro. Mas o aspecto a que aqui pretendemos dar mais relevo é ao formato como se pretendeu apresentar, tanto interna quanto externamente, essas medidas. A notícia que o Diário de Lisboa publicava, puxava para título a questão semântica de que o governo francês se socorrera: o franco não era desvalorizado, mas sim estabilizado. O pior é que a iniciativa incomodara os seus homólogos do outro lado da Mancha, e Londres reagia negativamente à iniciativa despojada dos cuidados terminológicos de Paris. Não sei se valerá a pena acrescentar o óbvio: era perante este cenário cambial europeu que a reputação do escudo português (e Salazar) fazia(m) figura.
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24 janeiro 2023
O ANTIGO SIGNIFICADO DE «EX-OFICIAL DO EXÉRCITO COM ANTECEDENTES CRIMINAIS»
Eu venho de um mundo já muito antigo em que a expressão «ex-oficial do Exército com antecedentes criminais» era uma referência codificada ao ex-capitão Valentim Loureiro, expulso da instituição por causa de uma enorme trafulhice com a aquisição de batatas em Angola, episódio que lhe granjeara, de resto, a alcunha de capitão batata. Depois veio o 25 de Abril e passaram uma esponja sobre as batatas e o capitão passou a major. Apesar de Valentim Loureiro ter continuado o mesmo escroque de sempre, ver agora este episódio, com um ex-oficial do Exército a tentar praticar o racketeering com o presidente da República, é verdadeiramente constatar o colapso da reputação da classe dos oficiais do exército.
A PRETENSA RECONCILIAÇÃO FRANCO-FRANCESA DE CASABLANCA
Republicação
24 de Janeiro de 1943. Há oitenta anos decorria o último dia da Conferência de Casablanca e, no final das negociações entre britânicos e norte-americanos, entre Churchill e Roosevelt, vinha interpor-se a questão francesa. Era uma questão que tinha o condão de enervar Roosevelt. A sua administração negociara com Vichy até à entrada na Guerra em Dezembro de 1941, atraíra para a órbita dos Estados Unidos personalidades francesas que eram dedicadas ao marechal e todavia as inclinações pessoais do presidente apartavam-no daquilo que o Estado Francês representava. Por outro lado, em relação a de Gaulle, a antipatia de Roosevelt era visceral, detectava-lhe no estilo veleidades totalitárias e uma pose negocial que as circunstâncias apenas tornavam ridícula. A um e outro lado Roosevelt criticava o facto de representarem uma França imperialista e colonialista, a que não antevia grande futuro na formatação que concebia para o Mundo depois do fim da Guerra. Quanto à forma como as diferentes facções francesas se procuravam entender entre si, depois do assassinato de Darlan no mês anterior, de Gaulle telegrafara a Giraud propondo que se encontrassem. Giraud porém, desconfiado de que os gaulistas estivessem por detrás da autoria do atentado que vitimara o predecessor, ignorara o contacto. Porque o percurso de cada uma das facções - os franceses de Argel e os de Londres - fora completamente distinto entre 1940 e 1942 (com os primeiros a permanecerem nesses dois anos fiéis a Pétain e a Vichy), de Gaulle continuava banido de entrar na África colonial francesa do Magrebe.
Mas, embora sempre difícil de controlar, de Gaulle era também o francês dos britânicos. Como justificava Harold MacMillan (que virá a ser um futuro primeiro-ministro britânico, mas nesta altura estava apenas encarregue da tarefa - sempre - ingrata de controlar le Grand Charles), «é um homem difícil, mas custou-nos setenta milhões de libras e não podemos esquecer que esteve ao nosso lado nas horas mais negras. É uma questão de interesse, de prestígio e honra apoiá-lo nas suas aspirações políticas". A Conferência de Casablanca, albergando a presença simultânea de Churchill e Roosevelt, apadrinhando cada um o seu francês, parecia o local ideal para a criação uma solução de compromisso entre os dois Comités de Libertação sedeados cada um na sua capital (Argel e Londres). Convidado, o general Giraud, que representava Argel mais a ruptura recente com Pétain e Vichy, chegou sem demoras e sem malícia. Mas o general de Gaulle recusou-se a vir. Churchill insistiu, precisando que o convite era conjunto, dele e do presidente dos Estados Unidos. De Gaulle manteve a recusa, alegando que as suas questões com Giraud eram um assunto exclusivamente francês. Por essa vez, quem se terá divertido com o ridículo da situação terá sido Roosevelt, mas Churchill ter-se-á enfurecido e mandou-lhe um telegrama em forma de ultimato: «Se persistir em rejeitar esta última oportunidade que lhe é oferecida, arranjar-nos-emos para passar sem si».
Com um sentido cénico ímpar, de Gaulle percebeu quando era a sua deixa e a 22 de Janeiro, nono dia da Conferência, lá chegava ele, transportado por um bombardeiro da RAF. É verdade que cedera mas, ao fazer-se esperar, ganhara alguns pontos antes de se sentar sequer à mesa das negociações. Sentou-se, mas continuou intratável. Lançou alguns comentários deselegantes sobre o facto de se encontrar numa terra francesa (não era bem assim, Marrocos era apenas um protectorado francês...), mas rodeado de um dispositivo de segurança formado por exércitos estrangeiros. E quanto à substância do que se pretendia dele, algum género de associação entre os dois Comités nada se lhe conseguiu arrancar. Nem as ameaças de Churchill, nem o encanto de Roosevelt surtiram efeito. De Gaulle explicava-lhes que viera porque haviam insistido para que viesse (é o mínimo que se pode dizer!), mas tencionava partir livre de qualquer compromisso que lhe quisessem impor. É assim que chegamos a este último dia da Conferência, um domingo, há precisamente 80 anos. O dia começou por uma última pega monumental entre Churchill e de Gaulle. Os dois foram depois encontrar-se com Roosevelt, junto de quem estava Giraud. Registou-se ainda um último fracasso para a redacção de um comunicado conjunto dizendo as trivialidades que se escrevem quando não há nada para dizer. Foi então aí que Roosevelt, em último recurso, ainda perguntou a de Gaulle se consentiria em deixar-se fotografar com Giraud ao lado do primeiro-ministro e de si próprio.
A isso de Gaulle disse que sim. E, não perdendo a embalagem, prosseguiu Roosevelt «Iria ao ponto de apertar a mão do general Giraud em frente aos fotógrafos?» E de Gaulle respondeu-lhe, usando o inglês por cortesia: «I shall do that for you» (fá-lo-ei por si). Foi assim que foi montado o cenário com o pátio soalheiro e as quatro cadeiras que se pode apreciar nesta sequência de fotografias feitas diante um colectivo de fotógrafos de guerra. Não tendo o 1,93 de Charles de Gaulle (que o favorecia naturalmente nas fotografias), Henri Giraud também era muito alto (Eisenhower descreve-o nas suas memórias como tendo bem mais de 1,80) e suporta bem o embate visual cumprimentando o seu rival, mas a linguagem corporal dos dois franceses afigura-se inequívoca do quanto o gesto é forçado (veja-se mais abaixo o vídeo com os diversos encores em que isso ainda se torna mais evidente). Na verdade e apesar de parecer internamente que nada cedera e externamente que tudo parecia estar como se eles se dessem como Deus com os Anjos, de Gaulle acabara por consentir em permutar representantes com o Comité de Argel, assim se estabelecendo uma ligação funcional com os rivais. Mas o último comentário à ocasião, de Gaulle guardou-o para as suas memórias como legenda da fotografia da ocasião: «Os quatro actores mostram o seus sorriso. Adoptaram-se as atitudes convencionais, Tudo corria bem. A América do Norte dava-se por satisfeita, julgando ver, nas fotografias, que o problema francês encontrava o seu «deus ex machina» na pessoa do presidente.» Foi há 80 anos e bem pode continuar a ser hoje.
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50 ANOS DE UMA GRANDE ALDRABICE
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Edição de 24 de Janeiro de 1973 do Diário de Lisboa onde o destaque vai, inteirinho, para o anúncio do Cessar-Fogo no Vietname. A História virá demonstrar que se trata de uma gigantesca fraude de onde qualquer uma das três partes envolvidas não se sai bem. O Vietname do Norte que intimamente não tem intenção de cumprir o acordo. Os Estados Unidos que, sabendo disso, estão-se marimbando para que o Vietname do Norte queira prosseguir a sua guerra em data posterior, desde que, para já, possam sair de um conflito a que hajam dado a aparência de ter terminado, para que se cumprisse a promessa eleitoral que Richard Nixon fizera em 1968. E o Vietname do Sul que, sabendo de uma coisa e de outra, e que em vez de procurar meios para conseguir subsistir autonomamente frente à agressão do seu vizinho, apenas se queixa da duplicidade de inimigos e de aliados, feito um Calimero (então na moda). Clímax de toda a encenação: no final desse ano de 1973, o Comité Nobel Norueguês atribuiu o Prémio Nobel da Paz aos dois negociadores principais que aparecem na fotografia acima, o norte-vietnamita Lê Đức Thọ e o norte-americano Henry Kissinger. Fossem quais fossem as razões que invocou, o primeiro teve a decência de o recusar enquanto o segundo, mesmo tido como o brilhante analista estratégico do Ocidente, ao aceitar o prémio, acabou por fazer figura de cínico, sem escrúpulos, ou de ingénuo, desmentido a sua craveira intelectual.
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23 janeiro 2023
O ESPIÃO BRITÂNICO KIM PHILBY DESERTA DISCRETAMENTE PARA A UNIÃO SOVIÉTICA
23 de Janeiro de 1963. O agente britânico do MI5 Kim Philby (acima, a ser entrevistado em 1955), que trabalhara secretamente para a União Soviética como agente duplo por quase 30 anos, desapareceu após ter tomado uns copos com um colega - Nicholas Elliot - num hotel de Beirute, cidade onde então morava. Contudo, esta discreta deserção de Philby que ocorreu há precisamente 60 anos só veio a tornar-se conhecida do grande público dali por mais de cinco meses, em 1 de Julho (abaixo, a primeira página da edição de um dos jornais ingleses, o Daily Herald).
Nessa altura, a imprensa britânica perguntava-se se, como acontecera com outros espiões britânicos em casos precedentes, também Philby fora avisado de que o iam prender para que ele pudesse fugir. Aquilo que se lê a esse respeito, escrito décadas depois (abaixo), indicia fortemente que sim. Kim Philby era um embaraço ambulante, já que anteriormente (em 1955) fora alvo das mesmas suspeitas de ser espião e fora absolvido delas pelas conclusões uma comissão presidida por... Harold Macmillan, que se tornara depois, e era ainda nessa altura de 1963, o primeiro-ministro britânico!
Nós já tivemos muitos episódios ridículos envolvendo primeiros-ministros na nossa História. Ainda agora temos em curso um (ex-primeiro-ministro) que ainda não foi condenado por corrupção porque... na verdade não se sabe bem porquê, já que o processo corre há oito anos sem ainda ter chegado a Tribunal! Mas, no domínio da incompetência patética, um episódio envolvendo um primeiro-ministro que é encarregado de encabeçar uma comissão para descobrir se um espião é espião (e ele é mesmo espião!) e depois que não o descobre!... - esse pináculo de incompetência ainda não tivemos...
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22 janeiro 2023
EPISÓDIOS DO DESLUMBRAMENTO COM AQUILO QUE «ELES» DIZEM LÁ NO «ESTRANGEIRO»
22 de Janeiro de 2018. A comunicação social portuguesa dava uma grande ressonância (1) (2) (3) a uma escolha da revista Forbes que prognosticava um grande futuro para o Chicão:
Hoje pode acrescentar-se cautelosamente que, se o futuro de Francisco Rodrigues dos Santos se vier a revelar mesmo brilhante, como o antecipavam os analistas da revista americana, esse mesmo futuro vai ser feito de altos e baixos e agora estamos num fundo... E essa será a conclusão mais benigna. Há quem seja mais severo quanto ao futuro político de Francisco Rodrigues dos Santos, depois do CDS/PP ter perdido por completo a representação parlamentar, sob a sua liderança, o ano passado. Demitiu-se, saiu de debaixo dos holofotes mediáticos, agora ninguém ouve falar dele. Mas a questão que eu quero ressalvar, passado estes cinco anos, é que, ao mesmo tempo que a Forbes previa o que previa, havia muitos outros analistas que, por cá, que se mostravam, ao contrário, muito mais reservados ao que o futuro reservaria ao então presidente do CDS/PP. E afinal parece que esses é que tinham razão, por muito que fosse o deslumbramento da comunicação social com o que «eles» diziam lá no «estrangeiro»... Convém sermos mais comedidos com o acolhimento e valoração que damos ao que se diz lá fora, já que tendemos a valorizá-los desmesurada e estupidamente, só por ter sido dito lá fora.
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UMA EXPLICAÇÃO SUCINTA PARA A FALTA DE MÉDICOS EM PORTUGAL
Este quadro acima, publicado em Outubro de 1963, informava o leitor da população universítária do ano lectivo que terminara, o de 1962/63. O Diário de Lisboa não fazia muitas contas, mas o total era de 22.659 estudantes, a maioria concentrava-se nas Universidades de Lisboa (12.607 - 55,6%), seguia-se a de Coimbra (5.843 - 25,8%) e finalmente a do Porto (4.209 - 18,6%). Mas o que me chamou a atenção para este quadro foi uma outra forma de trabalhar a informação publicada, dando uma panorâmica a respeito de um tema que tem sido ultimamente objecto de grande discussão em Portugal: o número de médicos. Pelos dados que então eram fornecidos, podia ficar-se a saber que há sessenta anos havia 2.763 (1.040+863+860) estudantes de cursos de medicina em Portugal. O que quer dizer que, tomando os seis anos de duração do curso (creio que já então era assim), existiriam então em média nas três universidades, 460 alunos de medicina por ano (2.763:6). O número é mais indicativo do que rigoroso, já que não há garantia que todos os alunos concluam o curso e que, mesmo que o façam, depois sigam a carreira, mas isso é irrelevante para a comparação que a seguir quero fazer.
E a comparação que quero fazer é a daquela referência dos 460 alunos/ano com o número de admissões às faculdades de Medicina portuguesas que se processaram, ao abrigo dos numerus clausus, entre 1977 e 2008. Como se lê no quadro acima, as admissões foram de cerca de 1.000 em 1977 e voltaram a ser superiores a 1.600 em 2008. Mas o que se pode perceber, interpretando o gráfico, é que entre os anos de 1983 e 1999 (ou seja, ao longo de 16 anos!), o número de estudantes de medicina admitidos por ano foi sempre inferior ao número médio acima apurado para 1963!E a escolha de um número de admissões tão baixo, terá acontecido não por incapacidade de meios de formação, mas pelo cálculo (supostamente científico) das necessidades futuras de quadros médicos em Portugal. É difícil acreditar que os responsáveis de então concluíssem que o número anual de quadros médicos necessários para formar em Portugal naquele final do século XX fossem menos do que o ritmo daqueles que eram já formados em 1963!... Mas, por inacreditável que seja, foi mesmo assim...
E terá sido assim durante 16 anos, um período que se traduziu na diminuição e carência de profissionais naquela que é a actual faixa etária de médicos com idades entre os 40 e os 55 anos. Responsáveis para esta situação, o governo PS/PSD do Bloco Central de Mário Soares (1983/85), todos os governos PSD de Cavaco Silva (1985/95) e ainda o primeiro governo PS de Guterres (1995/99). Há responsabilidades políticas a pedir a muita gente (no caso - improvável - de as quererem pedir...). O que é desnecessário é, nas actuais circunstâncias, andar a prestar atenção a partes interessadas e cúmplices neste estado de coisas, como é o caso da Ordem dos Médicos, entidade que tem sempre a opinião que nunca há falta de médicos. É que esses, para fundamentar o argumento, aldrabam os números, contando médicos reformados para fazer crescer o número de médicos existentes e diminuir as carências de que também foram co-responsáveis. Ora o problema que se vive não é uma questão de contar médicos a granel, como se fossem todos iguais uns aos outros. Como se percebe, há um hiato e uma carência de experiência na estrutura actual. Concluído isto, o que também é dispensável é a ligeireza das soluções apresentadas pelo poder político (acima, o actual ministro da Saúde). Não se ponha com tretas e não se espere resolver em dois a três anos uma deficiência estrutural que a incúria criou durante mais de quinze anos.
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21 janeiro 2023
VOCÊ AINDA SE LEMBRA DO «BULLYING» DE JEROEN DIJSSELBLOEM?
21 de Janeiro de 2013. O Eurogrupo era - e continua a ser - um organismo informal composto pelos ministros das Finanças dos países membros da zona Euro e que opera baseado em reuniões regulares, normalmente mensais, tendo em vista a coordenação das respectivas políticas económicas. Fundado em 1997, fora assim durante os seus primeiros 16 anos de existência. Entretanto, em 2005, os ministros haviam decidido nomear um presidente para dirigir os trabalhos - Jean-Claude Juncker do Luxemburgo, que o ocupou por 8 anos (2005-2013). Há precisamente dez anos - e é esta a efeméride que assinalo - foi eleito para lhe suceder o holandês Jeroen Dijsselbloem (acima, à direita na imagem, a contemplar o seu homólogo alemão). O que se pode dizer é que... houve uma significativa mudança de estilo, para um estilo muito mais confrontacional entre países membros. Considerado inicialmente uma marioneta alemã (daí a plenitude da fotografia acima), foi mais um daqueles casos em que a criatura escapou ao controle do criador. Dijsselbloem implicava com quem devia... e com quem não devia. E, com todo o pragmatismo que se reconhece às políticas europeias fracassadas, a operação (de promoção de um polícia mau para as finanças europeias...) foi revertida e discretamente descartada. Depois disso e nos dias que correm, ninguém presta grande atenção a quem é o presidente do Eurogrupo. Nem se dá a mesma atenção de outrora ao Eurogrupo propriamente dito, convirá acrescentar, que a sua reunião deste mês teve lugar há cinco dias sem qualquer destaque noticioso significativo. Quanto a Jeroen Dijsselbloem, de que hoje assinalo o decénio deste seu catapultar para a exposição mediática, hoje é burgomestre de Eindhoven, a quinta maior cidade dos Países Baixos. Comparativamente, Carlos Moedas, que também se mostrava à época muito disciplinado e subserviente destas figuras tutelares, parece estar melhor, já que também é burgomestre, mas ao menos é da maior cidade portuguesa. Eu não me esqueço. Posso perdoar, mas io nun mo scordo...
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20 janeiro 2023
O TACTEAR DAS NOTÍCIAS DE GUERRA DURANTE A GUERRA
20 de Janeiro de 1943. A edição de há oitenta anos do Diário de Lisboa dá.nos dois excelentes exemplos de como aquilo que se noticia sobre a guerra durante a guerra pode ser muito ilusório. Por um lado (do lado esquerdo da imagem acima), em Londres descobrira-se que ninguém via o primeiro-ministro Winston Churchill há já algum tempo... Onde estaria ele? Em Estocolmo especulava-se... que ele estaria em Washington a conferenciar com Franklin Roosevelt «sobre o problema da África do Norte». Só que ninguém na capital americana dera pela falta... do presidente americano, já que, como se virá a saber dali por dias, os dois estavam de facto a conferenciar sobre esse preciso «problema da África do Norte», mas instalados na própria África do Norte, em Marrocos! Por outro lado (o lado direito da imagem acima), a mesma edição do jornal apresentava aos seus leitores um «mapa do sector sul da frente leste» que se revelava completamente desactualizado. As unidades alemãs que se haviam batido desde há meses pela conquista de Stalinegrado estavam agora, não só completamente cercadas pelos soviéticos, como no final da sua capacidade de resistência e a pouco mais de uma semana da sua rendição (veja-se abaixo, para comparação, os verdadeiros mapas do que acontecera).
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OS CINQUENTA ANOS DO ASSASSINATO DE AMÍLCAR CABRAL
Se foi a 20 de Janeiro de 1973 que Amílcar Cabral foi assassinado em Conakry, foi só dois dias depois que o acontecimento veio a ser noticiado em Lisboa (acima). Diga-se que o problema do seu assassinato é que, como o jornalista português José Pedro Castanheira veio a explicar mais de 20 anos depois (abaixo), o líder do PAIGC possuiria muitos mais inimigos do que apenas as autoridades coloniais portuguesas que combatia, e tornou-se depois praticamente impossível identificar com segurança quem teria estado por detrás dos autores materiais do assassinato, autores esses que foram dissidentes internos do próprio PAIGC. Na senda do assassinato, sucedeu-se uma sangrenta - mas duvidosamente eficaz - purga interna dentro da organização, com um número indeterminado de executados, e o que de melhor se faz nos dias que correm é falar o mínimo a respeito desse assunto - como acontece com a página da wikipedia em português respeitante a Amílcar Cabral. É óbvio que o regime português é - continua a ser - o principal suspeito de ter estado por detrás do seu assassinato. É estranho que o tivessem organizado com tal mestria que, depois de Abril de 1974 e apesar dos esforços para tal, não se tivesse encontrado nenhuma comprovação sequer credível dessa autoria.
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19 janeiro 2023
QUANDO, DELIBERADAMENTE, SE QUER CONFUNDIR A CAUSA E O EFEITO...
Para mim, o problema destas audições parlamentares é que há responsáveis que vão para lá dizer não importa o quê, sem que haja contraditório - ou, pelo menos, não é dado destaque a esse contraditório com muito poucas excepções (o tratamento a Zeinal Bava foi uma dessas excepções). Esta outra CEO, da TAP, nesta passagem das suas declarações, por coincidência aproveitada para destaque noticioso, parece não ter compreendido a diferença entre a causa do que «não está a ajudar (a empresa)» e aquilo que é o seu efeito. O que se soube que aconteceu na TAP foi grave. E é por isso que os «ataques e comentários» são tão negativos. A responsabilidade do que não está a ajudar é dela e da sua equipa, não de quem comenta. Espero bem que algum deputado lho tivesse explicado...
«...AND NOW FOR SOMETHING POLITICALLY DIFFERENT»
«Estou a entrar no meu sexto ano como primeira-ministra. Em todos esses anos, dei tudo de mim.» «Não posso e não devo fazer o trabalho a menos que tenha um tanque cheio e um pouco de reserva para os desafios não planeados e inesperados que inevitavelmente surgem. Tendo reflectido no Verão, sei que já não tenho aquele pouco extra no tanque para fazer justiça ao trabalho. É simples».
Em contraste, e talvez porque em Portugal estamos do outro lado do Mundo, mantemos um primeiro-ministro a quem sentimos todo um alento reformador, quando ele está a entrar no seu oitavo ano no cargo... Falando agora a sério: Jacinda Ardern tem carisma; António Costa já teve.
HÁ QUARENTA ANOS JÁ SE PUNHA A QUESTÃO DOS GASODUTOS RUSSOS
A 19 de Janeiro de 1983, o Diário de Lisboa publicava um «exclusivo» da agência de notícias soviética Novosti explicando em que consistiria «o gasoduto euro-siberiano» que transportaria gás natural desde o campo de Urengoy no Norte da Sibéria, próximo do Círculo Polar Ártico, até Uzhhorod na fronteira (actual) entre a Ucrânia e a Eslováquia. O exclusivo procurava enfatizar a contribuição que o projecto teria para a maior integração das economias da Europa Ocidental e da Europa de Leste. A redacção que é dada ao artigo pelos autores russos - com um capítulo intitulado Troca por Troca - pretende dar uma impressão que se trata de uma obra comparticipada pelos dois lados da Cortina de Ferro. Na verdade, os capitais para a construção do gasoduto foram todos mobilizados por um consórcio bancário liderado pelo Deutsch Bank e a tecnologia, pela sua sofisticação, era praticamente quase toda também de origem ocidental. Omisso da notícia, o facto de os Estados Unidos se mostrarem veementemente contra o projecto. Abaixo temos um selo soviético emitido em homenagem ao gasoduto.
18 janeiro 2023
GRAÇA FREITAS: UM RECONHECIMENTO MERECIDO, EMOTIVO... MAS DECEPCIONANTE
O que aconteceu sintetiza-se por um qualquer título ou subtítulo de uma das notícias de ontem: «Graça Freitas foi condecorada por Marcelo Rebelo de Sousa pelo seu trabalho na Direção-Geral da Saúde durante a pandemia». Outros órgãos de informação resolveram dar um realce adicional (acima) à emoção da cerimónia. Mas o que nenhum deles terá feito foi a verificação em que grau o gesto do presidente da República corresponderia às suas palavras laudatórias proferidas para a ocasião:
«Uma capacidade para tudo aguentar quase sem limite. E era uma provação diária. Todos os dias, a horas que eram conhecidas - às vezes variavam para se ter os últimos dados da situação -, os portugueses esperavam as notícias dadas pela Dra. Graça Freitas. Passou a ser um elemento da família, de todas as famílias portuguesas. (...) É por isso que vou entregar-lhe as insígnias da grã-cruz da Ordem do Mérito, como agradecimento de Portugal, dos portugueses, todos eles, por uma dedicação à causa pública de muitos anos, mas, sobretudo, uma dedicação em dois anos que valeram por uma eternidade.»
Aparentemente não. Ainda há cinco anos, o mesmo presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, entregou a mesma condecoração - Ordem do Mérito - no mesmo grau - grã-cruz - ao antecessor imediato de Graça Freitas no cargo de director geral de Saúde, Francisco George, quando ele abandonou o cargo, o que também acontece agora com Graça Freitas. Avaliando a decisão da presidência e por detrás da retórica, parece existir uma tabela burocrática de condecorações a atribuir aos funcionários públicos que, e ao contrário do proclamado no discurso, nem mesmo o combate com sucesso à eclosão de uma pandemia parece ter podido alterar. Para directores-gerais a chapa parece ser a grã-cruz da Ordem do Mérito e não haverá razão válida para mais. Só nos últimos 20 anos foram concedidas cerca de 200 condecorações desta mesma ordem neste mesmo grau. Eu, pessoalmente, reconheço-lhe mais. Claro que, como grão-mestre de todas as ordens honoríficas nacionais, Marcelo Rebelo de Sousa é soberano na decisão. Mas, em minha opinião, esteve mal. Assim como esteve mal, como de costume, a comunicação social portuguesa que, sobre estes assuntos de condecorações, anda completamente a Leste... Como escreve José Pacheco Pereira, só come do que lhe põem no prato; sobre isto, ninguém tem interesse em chatear Marcelo.
«HAPPENINGS» COMO ESTE SÓ DESCREDIBILIZAM AS CAUSAS QUE DIZEM DEFENDER
Já se perdeu de memória aqueles tempos em que ser-se detido/preso era algo deveras aborrecido, era um estigma para quem fosse preso. Depois passou a ser socialmente aceite, mas apenas nos casos em que a causa merecesse esse sacrifício. Agora a coisa parece ter-se banalizado até ao limite ridículo de se ter tornado um happening artístico, tanto melhor se fotografado e filmado. Arrisco profetizar que já não seria considerado chocante ver a Lili Caneças a ir na ramona com as putas. Quanto a este caso mais acima de Greta Thunberg, é notória a sua perda de notoriedade mediática depois da pandemia e mais do plausível a explicação de que esta detenção/prisão numa coisa-qualquer-de-protesto-na-Alemanha foi tão provocada quanto desejada. Afinal, cada qual escolhe o estilo de auto-promoção que prefere. A Madonna publicita fotografias (antigas!) da própria descascada e adopta (mais) duas crianças do Malawi. A Greta ainda é só assim.
AS PRIORIDADES DE BENJAMIN NETANYAHU
No passado Sábado, cerca de 80.000 pessoas manifestaram-se contra a intenção do recém empossado governo israelita de Benjamin Netanyahu. Muito mais do que a composição (extrema direita religiosa) do novo governo, o que é estranho é a prioridade alocada pelo primeiro-ministro e pelo ministro da Justiça, Yariv Levin, a uma profunda reforma do sistema judicial israelita. Trata-se de uma reforma que procura reduzir os poderes do Supremo Tribunal de Israel e, através dela, alterar necessariamente os equilíbrios que estão estabelecidos entre os poderes executivo, legislativo e judicial. É evidente que este género de disputas não são exclusivas de Israel, embora este mesmo género de iniciativas tenham sido conotados mais recentemente com países com outros governos de extrema direita, como serão os casos da Hungria de Viktor Orbán e da Polónia de Mateusz Morawiecki. Só que ao contrário desses outros países, Israel, apesar dos seus quase 75 anos de existência, não possui uma Constituição. E nesses 75 anos, o Supremo Tribunal e o ramo judiciário de Israel já deram mostras de decisões de uma coragem política que o executivo e o legislativo nunca ousariam: um ex-primeiro-ministro (Ehud Olmert) foi condenado - e cumpriu pena - por corrupção; um ex-presidente (Moshe Katsav) foi condenado - e cumpriu pena - por abuso sexual. A corrupção é um problema recorrente da política israelita, mas os tribunais em Israel têm pelo menos a reputação de não brincar em serviço, mesmo se o réu for um político de destaque (o que não se pode dizer de outros países...).
Associemos agora esta prioridade governamental e a reacção que ela está a suscitar com o facto de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem vindo a estar envolvido nos últimos anos num conjunto de inquéritos criminais a casos de corrupção de que o visado não tem conseguido desembaraçar-se. Ou melhor, desembaraça-se de um e embrulha-se no próximo. Objectivamente, aquilo que parece estar em discussão - em 12 de Janeiro, Esther Hayut, a presidente do Supremo Tribunal, tomou a iniciativa inédita de criticar publicamente o plano do governo, classificando-o de “uma ferida mortal na independência do judicial” - não afectaria directamente os inquéritos criminais que correm sobre os casos em que Netanyahu está envolvido. Mas é difícil evitar a impressão de que neste regresso ao poder ele traz contas pessoais para acertar com o aparelho judicial. No passado, Benjamin Netanyahu havia-se apresentado como um defensor da independência e dos poderes do Supremo Tribunal. Andando nestas andanças políticas há tantos (30!) anos, também é muito possível ele tenha mudado genuinamente de ideias, mas esta sofreguidão em promover esta reforma judicial, apesar de esbarrar com protestos de rua desta dimensão e visibilidade, indicia, pelo menos, muito pouca sageza. Outro aspecto interessante em tudo o que está a acontecer em Israel, é o relativo desinteresse como esta fractura está a ser coberta em termos mediáticos, que foi precisamente a razão que me levou a destacar o assunto aqui no Herdeiro de Aécio.
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