31 outubro 2022

O SAMBA DELES

Este samba data de 1976. Sempre me impressionou na letra a aparência de que tem um conteúdo muito significativo, porém cada vez menos explícito, e que depois se realimenta dos versos já proferidos sem se chegar a conclusão alguma. Faz-me lembrar o Brasil neste dia seguinte às eleições presidenciais, com esta capacidade tão brasileira de dizer imensas coisas e não chegar às conclusões que se impõem. Durante a campanha, todos os versos foram proferidos e repetidos, devia ser hora de chegar ao desfecho, mas continua por se saber qual o comportamento de Jair Bolsonaro, o candidato que perdeu as eleições nas urnas. Provavelmente anda a contar as espingardas... Nesta publicação, só se admitem comentários em portunhol.

A COROAÇÃO DO REI LETSIE III DO LESOTO

31 de Outubro de 1997. Cerimónia de coroação do soberano do Lesoto, Letsie III, então com 34 anos. À cerimónia compareceram o presidente da África do Sul, Nelson Mandela, e o príncipe herdeiro britânico, Carlos, actual Carlos III. Segue-se a pergunta embaraçosa para o leitor: onde é que fica o Lesoto? Deixo uma sugestão: não procure a resposta nas capas das revistas de mexericos, do género da ¡Hola! espanhola. Quiçá por uma questão cromática, são raríssimas as aparições de negros nas suas capas, por muito tradicionais e monárquicas que sejam as cerimónias que eles protagonizam. Letsie III até é católico, mas as revistas como a ¡Hola! sabem que, para os seus leitores, ele há monarquias... e monarquias.

30 outubro 2022

QUANDO A VITÓRIA GLORIOSA DE EL ALAMEIN NÃO PARECIA NADA GLORIOSA

Lançada desde 23 de Outubro de 1942, uma semana depois, a batalha de El Alamein não parecia estar a correr nada bem para os Aliados. O ataque sobre as linhas inimigas prosseguia, mas a esperada ruptura da frente teimava em não se concretizar. Tanto assim que a 27 de Outubro Montgomery havia decidido remontar a manobra inicial. Para isso, algumas das divisões envolvidas (algumas destinadas a tornarem-se míticas como a 7ª Blindada ou a 2ª Neozelandesa) tiveram que ser reposicionadas, provocando o afrouxamento do ritmo dos combates e a impressão nas retaguardas que a ofensiva nas quais tantos olhares se concentravam se arriscaria a fracassar. Em Londres, o primeiro-ministro Churchill explodiu furioso: «Nunca conseguiremos descobrir um general que seja capaz de ganhar uma batalha?» No balanço, redige ali mesmo um telegrama pedindo ao general Alexander (o superior de Montgomery) a substituição de um general que já lhe parecia destinado ao fracasso.

Há precisamente oitenta anos a carreira militar de Montgomery não se afigurava propriamente destinada aos grandes sucessos que ele depois veio a alcançar. Na ocasião, foi o general Alan Brooke, o Chefe de Estado Maior, seu amigo, que o defendeu diante de Churchill, conseguindo-lhe um novo prazo para apresentar resultados. Na página da Wikipedia (em inglês) dedicada à batalha, os sucessos aliados só se começam a consolidar a partir daquilo que se designa por Fase Quatro, a partir de 2 de Novembro. Depois, veio a confirmação da vitória e o esquecimento de tudo o que acontecera nos momentos difíceis como o demonstra este vídeo acima. Muito melhor prosador do que Comandante em Chefe, Churchill acaba por sair-se de todo o episódio com a reputação de ter guardado para si as palavras históricas que a ocasião mereceria: «Isto não é o fim. Isto nem é sequer o princípio do fim. Mas será talvez o fim do princípio

Melhor. Uma das grandes máximas militares que se costuma citar em abundância é: «Nunca reforce um fracasso» (Never reinforce failure). Soa erudito quando dito em conversa de salão, mas, El Alamein, uma das vitórias mais simbólicas da Grã-Bretanha na Segunda Guerra Mundial resultou, como se descreveu acima, da insistência em reforçar o que se estava a revelar um completo fiasco.

29 outubro 2022

A «CALDEIRADA» PUTINISTA

O governo francês sobreviveu, no princípio da semana que agora termina, a duas moções de censura, a que se decidiu não prestar qualquer espécie de atenção. A aposta revelou-se certa, já que o governo não foi derrubado. E contudo, registou-se a novidade dos deputados da extrema direita de Marine Le Pen terem votado em conjunto com os deputados da extrema esquerda de Jean-Luc Mélenchon (...aquele senhor que o José Manuel Fernandes não sabe pronunciar o apelido...). E depois disso, sucedem-se os apelos - acima - à amizade facho-comunista. Ora tanto abraço fraterno e tanto beijo na boca entre inimigos políticos que se odiaram desde 1941, fazem-me lembrar a cordialidade tácita que, cá por Portugal, temos visto grassar entre os putinistas, que os há originários tanto da extrema esquerda como também da extrema direita. Ao ouvi-los e descoladas as etiquetas de origem, é sempre difícil descobrirmos em que ponta os sentaríamos num hemiciclo virtual. Se outra virtude não lhe ficar da História, Vladimir Putin ficará certamente com a fama de ter sido o catalisador de tal «caldeirada».

TÍTULO DE "RATAZANA"

A referência a níveis considerados "lixo" é evidentemente extemporânea e apenas se compreende por se tratar de um daqueles descarados expedientes jornalísticos usados para tentar atrair a atenção dos leitores. Apropriadamente, e porque o seu tópico foi o "lixo", o autor desta notícia deve ser classificado como uma "ratazana" do jornalismo.

A RESOLUÇÃO ESTRANHAMENTE RÁPIDA DO SEQUESTRO DE UM BOEING 727 DA LUFTHANSA

29 de Outubro de 1972. O episódio começou de manhãzinha (cerca das 06H00 locais) pelo sequestro de um Boeing 727 da companhia aérea alemã Lufthansa, acabado de descolar de Beirute, no Líbano, e acabou à noitinha (cerca das 21H00 locais) com a libertação do avião, tripulantes e passageiros, depois de aterrarem em Tripoli, na Líbia. No entretanto, através desse périplo que havia levado o avião a Nicosia, em Chipre, e ainda a Zagreb, na Croácia, as autoridades alemãs haviam satisfeito com uma rapidez muito suspeita as exigências dos sequestradores, e libertado os três sobreviventes do comando palestiniano que havia cometido o atentado que ocorrera nos Jogos Olímpicos de Munique, menos de dois meses antes. Em escassas 16 horas, tudo terá decorrido de acordo com a cenografia desejada pelos alemães. Acima é a conferência de imprensa satisfeita, abaixo é o teor da notícia, também satisfeita, que chegou aos jornais no dia seguinte. Os alemães desembaraçavam-se dos terroristas sobrevivos de Munique e do aborrecimento político de os julgar - e condenar - sem irritarem os países árabes. Teria sido um final que teria deixado todos felizes, se a prontidão e disponibilidade excessiva demonstrada pelos alemães em se descartarem do assunto, não tivesse irritado profundamente os israelitas.

28 outubro 2022

NEM TODOS OS ERROS NA VIDA TÊM A IRRELEVÂNCIA DE UMA PINTURA ABSTRACTA PENDURADA DE CABEÇA PARA BAIXO

Esta é apenas mais uma história recente e engraçada, a troçar de todo aquela intelectualidade entendida e especializada em pintura contemporânea que, neste caso, terá permitido deixar passar impune por 75 anos a exibição desta obra de Piet Mondrian de cabeça para baixo. O teste do tempo comprovou que o erro não é grave: nem se deu por ele. Podemos (e devemos) até mostrar uma condescendência irónica para com a substância onde assentará o rigor da tal intelectualidade referida mais acima. Mas vivemos tempos em que o problema que se coloca, ao contrário do passado, não é do excesso de rigor, mas do excesso de condescendência. Nem tudo o que nos aparece de errado tem a irrelevância de uma pintura abstracta de que se perdeu a noção da orientação que o autor lhe queria dar. Há condescendências que, ao contrario desta, para mim são perfeitamente incompreensíveis. Nos Estados Unidos andam há dois anos em manobras para admitir algo óbvio: Donald Trump não sabe respeitar as regras da Democracia; e quem é conhecido por não respeitar as regras de um jogo, qualquer jogo, é banido de o jogar, seja o jogo que for. Por maioria de razão e de seriedade das consequências, essa sanção deve ser aplicada a quem não aceita jogar pelas regras admitidas o jogo eleitoral em que se fundamentam as sociedades democráticas. É que me parece tão óbvio proscrever Donald Trump dos actos eleitorais, quando me parece óbvio caçoar desta deficiente exposição por tantos anos da obra do famoso pintor holandês.

«TOUS LES GARÇONS ET LES FILLES»

Republicação de um texto originalmente postado em Outubro de 2013
A emissão televisiva da RTF de 28 de Outubro de 1962 destacou-se por ter dado início ao primeiro grande sucesso musical de Françoise Hardy, Tous les garçons et les filles. Mas as atenções da emissão, de que a canção não passava de um simples interlúdio recreativo, concentravam-se no acompanhamento do – lento – escrutínio do referendo que tivera lugar nesse Domingo. Tratava-se de um referendo envolto numa enorme controvérsia: o presidente Charles de Gaulle pretendia alterar a forma de eleição do cargo que ocupava, para que passasse a ser eleito directamente por sufrágio universal em vez de o ser por um colégio eleitoral alargado de 80.000 grandes eleitores como aquele que o elegera em 1958.
Porém, para que a Constituição fosse alterada havia que contar com a concordância de uma maioria absoluta das duas câmaras (Senado e Assembleia Nacional) do parlamento francês, maioria absoluta essa que os gaulistas não dispunham. Por isso de Gaulle optou pela ideia de submeter a alteração a referendo, numa iniciativa que o próprio conselho constitucional e a maioria que se lhe opunha no parlamento considerava… inconstitucional. Com o agudizar da tensão política, o governo acabou por ser derrubado através de uma moção de censura no princípio de Outubro de 1962. Inabalável, de Gaulle dissolveu a Assembleia e marcou novas eleições, mas manteve a realização do referendo, prevista para final daquele mês.
Por isso, quando Françoise Hardy cantava Tous les garçons et les filles na televisão existia uma espécie de duplo sentido no refrão da canção, associado à ocasião em que todos os rapazes e raparigas haviam sido convocados a pronunciar-se sobre um embate maior dentro da própria classe política, com os gaulistas a apresentarem-se praticamente isolados contra todas as outras correntes históricas – comunistas, socialistas, radicais. A vitória de de Gaulle e a aprovação da emenda foi bastante convincente, recolhendo 62,25% dos votos com uma maioria superior a cinco milhões. A classe política clássica francesa encaixou a derrota como se consegue subentender neste cabeçalho do Le Monde de um dos dias seguintes¹.
A crise política prosseguiu, mas o que nos interessa é que os problemas da constitucionalidade formal ou não foram ultrapassados, para colocar a questão como o presidente do Senado o fez, quando se considerou incompetente para apreciar a conformidade constitucional de uma lei que fora aprovada directamente pelo povo francês. O episódio ensina-nos que, ao contrário do que se possa temer por aí, há sempre possibilidades de, em democracia e de forma democrática, implementar soluções que podem ser formalmente inconstitucionais antes de aceites. O que é decisivo para isso, como de Gaulle o fez, é tentar obter a concordância do eleitorado… algo que até agora não vi ninguém disposto a tentar sequer.

Adenda: E vale a pena acrescentar que o verdadeiro problema político dos juízes do tribunal constitucional português não é o facto deles gozarem de um estatuto sacerdotal como ironiza Vítor Bento, mas o de as suas posições contra as reformas apresentadas pelo governo reflectirem as predominantes na opinião pública. Se em França em 1962 foram as esquerdas que levaram uma lição de humildade democrática, em Portugal em 2013 é a direita liberal a precisar de levar uma.

¹ No título superior o anúncio da vitória do Sim é a redacção mais sóbria e factual que pode existir enquanto no título inferior o destaque dado ao anúncio à vitória do Não em 14 departamentos encobre o facto de que houve uma vitória do Sim nos 76 departamentos restantes.

A MARCHA SOBRE ROMA

28 de Outubro de 1922. Início da Marcha sobre Roma. Na época, foi considerada uma exibição de força dos fascistas italianos. 100 anos passados e pelos padrões actuais, assemelhar-se-á mais a um desfile coreografado com requintes a lembrar o carnavalesco (vídeo abaixo), aprecie-se acima Benito Mussolini desfilando à cabeça (à civil!) acompanhado dos quadrúnviros, heróis de guerra, com os peitos ornados de medalhas: Italo Balbo, Emílio De Bono, Cesare De Vecchi e Michele Bianchi. Mas a grande contribuição para a Ciência Política naquele momento histórico, em que um regime parlamentar aparentemente sólido não pôde ou não se quis defender, foi a frase produzida pelo general Emanuele Pugliese, quando questionado sobre a lealdade das tropas sob o seu comando, encarregues de defender Roma: «Posso assegurar a V. Ex.ª que as unidades sob o meu comando permanecem leais ao regime mas será de toda a conveniência política que não se teste essa lealdade...» Benito Mussolini foi encarregado pelo rei Vítor Emanuel III de formar governo. Para o apoio parlamentar, havia apenas 37 deputados fascistas numa Câmara de 535 (7%), mas isso deixara de interessar na política italiana.

A PROPÓSITO DE REUNIÕES DE «VELHOS AMIGOS»

Um dos aspectos acabrunhantes daquelas reuniões de velhos amigos que já não se vêem há muito tempo, são as ocasiões repetidas em que os convivas não reconhecem os outros, nem são reconhecidos pelos outros. A cena é dos preâmbulos do filme «Os Amigos de Alex» (The Big Chill).

27 outubro 2022

TORNAR-SE NOTÍCIA DA LUSA MESMO SEM TER DINHEIRO PARA MANDAR CANTAR UM CEGO

As notícias "normais" que se publicam em Portugal sobre a Guiné-Bissau é que por lá não se consegue pagar os ordenados aos professores, que estarão com sete meses de atraso, como noticiava a Lusa ainda no princípio deste mês. Agora vai o presidente daquele mesmo país à Rússia mostrar interesse em «comprar fragatas e helicópteros russos», sistemas militares complexos, que precisam de ser operados por quadros qualificados, esqueça-se até quanto custam. A Guiné-Bissau não só não tem dinheiro para comprar tal tipo de equipamentos, como não tem quadros com qualificação suficiente para os operar. A única coisa que aquele país terá, é um presidente sem o mínimo sentido da realidade. O que constrange é que a mesma agência noticiosa Lusa da notícia inicial, difunde esta outra notícia como se tudo aquilo das fragatas fosse para levar a sério... Mas isso é apenas a mediocridade da Lusa. A mediocridade da CNN é retransmitir os disparates da Lusa (abaixo).

...E INCLUIU O PRIMEIRO PRÉMIO PARA CIBERPLÁGIO?!

Estas autopromoções congratulatórias são sempre ridículas. Mas, quando se seguem de tão perto a um episódio vergonhoso como foi o da cobertura institucional propiciada à descoberta do(s) plágio(s) do jornalista Vítor Belanciano, esta atitude, esta promoção adquire um travo ainda mais caricato, pois os leitores têm de memória a quietude e discrição como aqueloutro assunto teve que ser tratado no jornal. Com pinças, como se costuma dizer. As pinças do outro caso contrasta com a fanfarra deste. E se os dois assuntos tivessem sido tratados com igual sobriedade? Isso é que o Público mostraria ser um grande jornal!

A DETONAÇÃO NUCLEAR QUE ESTEVE QUASE PARA ACONTECER

27 de Outubro de 1962. Um dos quatro submarinos soviéticos que estava a tentar furar o bloqueio a Cuba, bloqueio esse que fora imposto há cinco dias pelos Estados Unidos, foi detectado em pleno Atlântico e, para o fazer vir à superfície, foi atacado por cargas de profundidade de exercício por um dos navios norte-americanos que guarnecia o perímetro naval à volta da ilha. Contudo, não fora o facto de o comandante da flotilha de submarinos seguir embarcado nesse submarino, e o submarino atacado, um submarino da classe Foxtrot (acima), teria ripostado com o torpedo armado com uma ogiva nuclear de 10 kton que fazia parte do seu armamento standard. Sob o ataque, tanto o capitão do próprio submarino como o imediato estavam de acordo em utilizar a arma atómica, porém as regras impunham que a presença a bordo de um oficial que lhes era superior obrigasse à concordância dos três. Vasili Arkhipov opôs-se, o submarino acabou por vir à superfície, o torpedo com a ogiva nuclear não foi lançado, e a História seguiu o seu curso. E foi só passados cerca de 40 anos, que se tornou conhecimento comum o quão perto se havia estado de uma nova explosão nuclear em cenário de guerra. Abençoada ignorância! Poderia não ter sido a eclosão da III Guerra Mundial, mas...

26 outubro 2022

SERÁ QUE ANTÓNIO SALA TERÁ AUTORIDADE MORAL PARA «PUXAR AS ORELHAS» A JOANA MARQUES?...

Por regra, normalmente passo ao lado, ignorando, este género de programas e declarações como a que acima é destacada, atribuída a António Sala, a respeito de Joana Marques. Apesar de estar na crista da onda, a humorista merece a sua quota parte de críticas. A minha questão aqui não é a visada, é o autor das críticas, e a condescendência injusta que rodeia este último. Tomemos a última frase do texto acima que o dá como «apresentador (d)o mítico programa "Despertar", ao lado de Olga Cardoso» (na rádio Renascença). Ora isso foi no século XX, o programa acabou em Janeiro de 2000. O que é que tem acontecido com António Sala no século XXI (já lá vão 22 anos)?...
Porventura o maior destaque, a seguir à sua carreira como radialista, foi a sua associação como vice-presidente à passagem de João Vale e Azevedo pela presidência do Benfica, uma passagem, recorde-se, repleta de escândalos, vigarices e falcatruas que vieram, aliás, a custar a cadeia - a reputação há muito se fora... - a Vale e Azevedo . Mas, mais do que essa associação, o que verdadeiramente descredibilizou António Sala foi ter deixado uma impressão de alguém pusilânime, incapaz de confrontar o presidente do clube ou de se dissociar dele assim como de todas as notícias escabrosas que iam surgindo e o iam incriminando. Como se percebe pela última notícia acima, António Sala acabou incompatibilizado e acusado por uns e outros.
De então para cá, aquilo que eu tenho dado por ele  é a protagonizar publicidade (acima e abaixo), algo de que lhe terá ficado o gosto do tempo em que promovia umas pulseiras benfazejas, daquelas que provocavam a nossa transigência muda por aqueles a quem víamos a usá-las, ridículos e crédulos das suas virtudes... António Sala consolidou-se como aquela pessoa de ar simpático que publicita sorridentemente coisas tontas a pessoas tontas já de uma certa idade, trate-se de aparelhos auditivos, seja investimentos em ouro, amanhã podem ser dentaduras... Ou seja, para um programa popular (o de Joana Marques) que tem por protagonistas regulares vendedores de banha da cobra, por detrás do tal «puxão de orelhas» de Sala parece-me estar a consciência que, em ela querendo, António Sala poderia ter um alvo desenhado no rabo para uma crónica sardónica de Joana Marques a seu respeito... 

REVER - uma vez mais - «O CANDIDATO»

O Candidato estreou-se no cinema Império em 26 de Outubro de 1972, durante a longa noite fascista que afinal, constata-se, até permitia estes rasgos de claridade. Não é um filme muito popular nem que o tempo tivesse feito despertar os seus fãs e o seu um culto. Porventura porque o filme não é, como obra, do melhor que nos tem sido permitido apreciar no género dos filmes políticos, mas também porque a mensagem que encerra não é das mais positivas, nem das mais elogiosas quanto às motivações de quem se candidata e ao discernimento de quem vota. Mas é interessante revê-lo.
Em O Candidato o que vai melhorando ao longo do filme é a forma como aquele dissemina a sua mensagem política, o que vai piorando é a substância desta última, cada vez mais vaga para que possa conseguir agradar a cada vez mais destinatários.

25 outubro 2022

A COMPOSIÇÃO DO NOVO GOVERNO BRITÂNICO

Mas atenção, não se trata do novo governo do novo primeiro-ministro Rishi Sunak, antes o governo do seu antecessor de há precisamente cem anos, Bonar Law, acabado de tomar posse. A notícia é de 25 de Outubro de 1922. Ambos pertencentes ao partido conservador. E, como se tornou quase tradicional no Herdeiro de Aécio, as aparências iludem: Rishi Sunak é que tem o aspecto exótico (o primeiro do género), mas Bonar Law é que era o estrangeiro - nascera no Canadá. Uma nota final ainda, sobre a duração da passagem de Bonar Law pelo nº 10 de Downing Street, que durará apenas sete meses, até Maio de 1923, no que virá a constituir o mandato mais curto de todos os primeiros-ministros britânicos do século XX. No século XXI, Liz Truss, a antecessora de Sunak, acabou de pulverizar essa marca com um mês e meio!

24 outubro 2022

A NOTÍCIA DOS 60 MILHÕES

24 de Outubro de 1947. O que torna significativa esta notícia de há 75 anos, é o continente onde as «crianças est(ar)ão em perigo de morrer de fome»: a Europa. Quase dois anos e meio depois do fim da Segunda Guerra Mundial, muitas cidades do continente e muito do seu circuito produtivo e distributivo ainda se encontravam em escombros.

23 outubro 2022

O COMEÇO DA CRISE DOS REFÉNS DO TEATRO DE DUBROVKA EM MOSCOVO

23 de Outubro de 2002. Passava um pouco das 9 da noite em Moscovo quando um comando composto por cerca de 40 terroristas chechenos armados ocupou um teatro daquela cidade onde estava a decorrer uma representação teatral, fazendo um total de, entre artistas e espectadores, mais de 900 reféns. Quanto à reivindicação principal dos assaltantes, que veio a ser apresentada no dia seguinte pelos terroristas via canal de TV Al-Jazeera, era para que o exército russo começasse a evacuar, no prazo máximo de uma semana, a Chechénia ocupada por tropas russas. A partir dessa data iriam começar a executar os reféns. Seguiram-se dois dias de negociações, ao longo dos quais os terroristas foram libertando diversas categorias de reféns (crianças e acompanhantes, muçulmanos, alguns estrangeiros), reduzindo-os a um total aproximado de 700. Mas ao terceiro dia (26 de Outubro) deu-se o assalto. Fora previsto que este decorresse ao mesmo tempo que um gás entorpecente era injectado no sistema de ventilação da sala para dificultar a reacção dos terroristas. Porém, a inalação desse gás (até hoje os russos nunca revelaram a sua composição) veio a revelar-se, mais do que negativa para a reacção dos 40 terroristas, lesiva para os reféns e mesmo fatal para 130 deles. A acção de resgate acabou por saldar-se pelo preço de 170 mortos (os 40 terroristas e mais 130 reféns) e pelo internamento hospitalar de quase todos os restantes reféns. Em termos de imagem pública da eficiência do governo russo (já então presidido por Vladimir Putin), o episódio foi um desastre, mas apenas fora da Rússia. Em termos domésticos, a imagem de firmeza de Vladimir Putin reforçou-o, embora uma sondagem posterior tivesse mostrado que a maioria dos russos não acreditava na versão oficial do que acontecera. A Rússia profunda alicerça-se nestas contradições: aldrabem-na; se for para uma causa que ela considere justa, ela não se importa.

«QUALIDADE» ESPANHOLA

23 de Outubro de 1972. Se há uma opinião bem precisa que retenho desde a infância é da falta de qualidade, em geral, dos produtos alimentares de origem espanhola. E conhecia-os bem, já que o meu pai era originário de uma região raiana. Conhecia vários produtos que se comercializavam em Espanha que seriam inaceitáveis consumidos cá. Era a consequência de uma política de autarcia industrial imposta pelo regime franquista: ou eles consumiam daquilo que lá era produzido, ou então não consumiam nada. Um caso exemplar daqueles produtos alimentares industriais que só mesmo os espanhóis é que conseguiam consumir, era esta gaseosa (gasosa) La Casera (acima à direita), que era absolutamente imbebível, mas que era comercializada numas muito práticas garrafas vedadas. O resultado é que apareciam lá em casa na esperança que eu bebesse o conteúdo. O conteúdo desaparecia, mas não era por eu o beber... Esta notícia, publicada há 50 anos, anuncia a rejeição de um primeiro lote de leite espanhol que havia sido importado para suprir as carências domésticas. «O leite que veio de Espanha não podia, de forma alguma, passar por bom; leite deste também cá existe e não permitimos que ele seja vendido ao público». Provavelmente nem terei lido a notícia na época, mas esta chancela do técnico da nossa Junta Nacional de Produtos Pecuários representa a validação de tanta gasosa e laranjada que eu havia despejado discretamente para a pia do lava-louças... 50 anos passados, há muitos produtos alimentares de origem espanhola de que gosto mas, ainda hoje, qualquer produto alimentar daquela origem que eu não conheça de antemão, é suspeito até - literalmente - prova em contrário...

22 outubro 2022

TRUQUES DE «SPIN DOCTOR» PARA QUE SE FALE DA «GENEROSIDADE» DO GOVERNO

Ao ler este género de esclarecimento, as pessoas devem ter presente que, todos os anos, o serviço de Finanças processa milhões de reembolsos de IRS - imposto que é pago em excesso! - para os IBANs das contas bancárias de milhões de contribuintes. (não me surpreendeu não ter encontrado números concretos do número de contribuintes que recebem reembolsos em comparação com o número dos que pagam...) E esses milhões de reembolsos, muitas vezes de importâncias que teriam dado muito jeito ao contribuinte se recebidas mais cedo, foram processados repetida e naturalmente sem que nunca tivéssemos dado por qualquer necessidade desta preocupação súbita com a verificação do rigor do IBAN que os contribuintes têm no portal das Finanças. Não há necessidade. É nitidamente despropositado. E só faz sentido se se tratar de mais um daqueles expedientes dos especialistas de comunicação do governo (spin doctors), para que todo este desvelo seja pretexto para dar notoriedade à distribuição dos 125 euros. O primeiro-ministro e o PS querem que lhes fiquemos agradecidos.

O DISCURSO DE JOHN F. KENNEDY SOBRE A CRISE DOS MÍSSEIS DE CUBA

22 de Outubro de 1962. Mais de uma semana depois da Crise dos Misseis de Cuba ter começado, o presidente John F. Kennedy informa os norte-americanos da situação. Fá-lo através de um discurso televisivo ao país, a partir das 07H00 da tarde daquela segunda feira. O discurso completo tem uma duração de 18 minutos e, na opinião de quem os costumava escrever (Ted Sorensen) terá sido, não o mais bem escrito, nem sequer o mais significativo, mas, do ponto de vista histórico, foi o mais importante dos discursos que John Kennedy terá proferido durante o seu mandato. Neste discurso, o presidente comunica aos seus compatriotas aquilo que se sabia até então sobre as intenções soviéticas em instalar mísseis em Cuba, assim como aquilo que ele decidira implementar para as contrariar, nomeadamente o bloqueio naval da ilha. Tratava-se de um enfrentamento directo entre Estados Unidos e União Soviética, de consequências imprevisíveis, senão mesmo uma possível guerra nuclear, e o panorama noticioso depois disso reflectia a gravidade da situação. A edição seguinte do Diário de Lisboa dedicava 4 das suas 20 páginas ao assunto, com o destaque que se pode apreciar abaixo. E mais uma vez, demonstrando como, em informação, os problemas não têm um valor absoluto, as notícias têm apenas um valor relativo, a guerra que, dois dias antes, acabara de eclodir entre a China e a Índia (por sinal, os dois maiores países do Mundo em população...), essa guerra não tem direito a uma linha sequer nesta edição abaixo do Diário de Lisboa.

21 outubro 2022

OS KAMOVS

Durante anos a fio - a primeira notícia é de 2015, a segunda de 2019 - foi uma tradição publicar notícias a respeito da ineficácia da exploração destes helicópteros Kamov de fabricação russa. A imagem que a comunicação social persistia em dar deles é que se tratava de uns monos que não serviam para nada. Só que agora, que os vemos finalmente a ser entregues - e bem! - à Ucrânia, é essa mesma comunicação social que agora quer fazer notícia da atitude russa, uma atitude que vai em contrário de tudo o que - durante anos! - se noticiou a respeito da funcionalidade e utilidade de tais aparelhos. A Rússia reclama e sente-se ameaçada por um punhado de helicópteros que se tornaram famosos por nunca voarem?!...

A REVOLTA DOS MAU-MAU

21 de Outubro de 1952. A notícia que era oriunda de Nairobi, capital da então colónia britânica do Quénia, informava detalhadamente o leitor português do teor da alocução que fora proferida naquele dia pela rádio pelo governador da colónia, com excepção do detalhe mais importante: que nessa alocução Sir Evelyn Baring (o governador) proclamara o estado de emergência naquela colónia (...assim se detectam as teias da censura em Portugal). Começara uma espécie de semi-guerra colonial que virá a ficar conhecida como «a Revolta dos Mau-Mau» (1952-1960) A primeira fase deste estado de emergência acabado de proclamar há 70 anos será a detenção dos 180 líderes nacionalistas mais proeminentes (foto acima), incluindo aquele aquele que virá a ser o primeiro presidente do país: Jomo Kenyatta. A consequência é que a revolta virá a ser conduzida predominantemente pela ala militar (e menos sofisticada) do movimento nacionalista queniano. Outra característica é que esta revolta, ao contrário de praticamente todas as outras ocorridas em África contra o domínio colonial depois da Segunda Guerra Mundial, não recebeu apoio material significativo de nenhuma potência externa - nomeadamente os suspeitos do costume, a União Soviética e a China. Os rebeldes Mau-Mau bateram-se contra as autoridades britânicas com equipamento primitivíssimo (abaixo). No seu computo global, a operação de contra subversão revestiu-se, do ponto de vista estritamente militar, da simplicidade de uma operação policial, dada a discrepância dos meios de combate em presença. E no entanto, de maneira ridícula, os britânicos adoram enumerar este episódio menor como um dos seus sucessos numa guerra contra-subversiva, colocando-o em contraponto a fracassos dos seus aliados, como o dos franceses na Argélia ou o dos americanos no Vietname.

20 outubro 2022

O NOVO ACORDO COMERCIAL DO REINO UNIDO COM O LIECHTENSTEIN (REPUBLICAÇÃO)

Num enquadramento que julgo adequado à notícia da demissão de Liz Truss como primeira-ministra do Reino Unido, parece-me curial republicar o poste com o qual ela fez a sua aparição nestas páginas do Herdeiro de Aécio, vai para 16 meses e meio. Estava-se a 4 de Junho de 2021 e Liz Truss ainda era apenas a secretária do Comércio Externo do governo de Boris Johnson, mas já era capaz de produzir afirmações muito estúpidas, em jeito de tentar iludir a opinião pública das consequências para o Reino Unido do Brexit. Pretendia que se equivalesse o impacto das 3 economias abaixo nomeadas (Noruega, Islândia e... Liechtenstein) com as economias agregadas dos 27 países da União Europeia! Era estúpido demais para passar sem ser assinalado! Mas que que não se esqueça as devidas lições da conduta dela e do antecessor e aquilo que pode ser aprendido para a realidade portuguesa: Liz Truss e, antes dela, Boris Jonhson, foram eleitos em eleições internas do seu partido; constatada as consequências da expressão da lucidez dos militantes políticos em escolher os dirigentes mais adequados para o país, talvez possa, a partir de agora, tornar-se admissível dizer em voz alta que Luís Montenegro é um completo desastre como líder do PSD. E se chegar ao poder, então, é uma catástrofe. Deixem-se de coisas: ponham lá o Moedas!
Há qualquer coisa de intrigante no comércio externo britânico pós-Brexit quando o estabelecimento de acordos comerciais com países poderosos como a Noruega (5,367 milhões de habitantes), a Islândia (340 mil habitantes) e o Liechtenstein (38 mil habitantes) é saudado na forma profusa que podemos apreciar na notícia acima. A secretária do Comércio Externo não se exime a qualificar o acontecimento de um «enorme impulso» (massive boost). O assunto chamou-me a atenção porque, apreciado do meu ponto de vista pessoal, antecipam-se dias difíceis para o meu comércio externo com o Reino Unido: uma encomenda que fora feita à Amazon.co.uk encalhou na alfândega e encareceu exorbitantemente devido aos direitos cobrados; é o fim das encomendas àquele entreposto da Amazon, da mesma maneira que as não colocava - pela mesma razão - a produtos constantes do site norte-americano. Ainda bem que em Londres eles estão a criar estas oportunidades de compensar, fortalecendo os laços comerciais com a Noruega, a Islândia e o Liechtenstein... Se calhar, ainda se irá descobrir que eles tiraram Portugal da sua famigerada «lista verde», porque o famoso Sol da Noruega e da Islândia combina melhor com o tom de pele deles...

A GUERRA SINO-INDIANA

20 de Outubro de 1962. Depois de semanas de um agudizar progressivo da tensão nas regiões fronteiriças do Himalaia entre chineses e indianos, eclode finalmente o conflito militar assumido entre os dois lados, a ofensiva, como se lê acima, foi desencadeada pelo exército chinês. Estes haviam transferido previamente tropas para as regiões disputadas - de muito fraca densidade populacional e situadas todas a mais de 4.000 metros de altitude - e gozavam de uma superioridade patente. No entanto, apesar dos sinais, os indianos viviam iludidos na húbris da superioridade militar de que haviam gozado quando da sua invasão dos territórios da Índia portuguesa, menos de um ano antes. A guerra, que durou um mês, já foi objecto de tratamento aqui neste blogue. O cessar-fogo foi uma situação satisfatória mas não uma solução de fundo para as divergências entre as duas partes. Também já foi objecto de tratamento alguns episódios que se lhe seguiram. Eram as duas potências mais populosas do Mundo em conflito militar directo mas, devido às circunstâncias e ao encadeamento noticioso, a atenção mediática dispensada ao acontecimento foi quase nenhuma. É a diferença entre o que é importante para a História e o que é importante para a informação. E um jornalista há-de ser sempre apenas um jornalista.

19 outubro 2022

DEPOIS DO PORCO QUE MORREU, TEMOS O COMPLICADO PÓS OPERATÓRIO DO CÃO...

O cão chama-se Kai e vai ter uma convalescência de dois meses depois de «operado ao joelho». Este, ao menos, não joga futebol profissional, e, por isso, a notícia nem tem a aquela importância (diminuta) de ele deixar de fazer parte de um plantel de um qualquer clube... O significado da palavra logística (e tudo por causa de 20 comprimidos!) é que se vê arremessado para terrenos que nunca dantes foram trilhados pelos nossos linguistas.

O REI CAIU DO CAVALO

O que a notícia de 19 de Outubro de 1942 não pode transmitir é o simbolismo destes passeios habituais e matinais a cavalo do rei da Dinamarca, numa Copenhaga que estava ocupada (pelos alemães) desde 1940. Cristiano X, já com 72 anos, saía regularmente para o seu passeio equestre sem qualquer escolta, ocasião em que costumava ser saudado efusivamente pelos seus súbditos. Os passeios a cavalo do rei eram uma exibição de soberania numa Dinamarca ocupada. E o contraste não podia ser maior com a indiferença como os dinamarqueses em geral reagiam à presença das autoridades de ocupação.

18 outubro 2022

O ACORDO DE REEMBOLSO DO EQUIPAMENTO FORNECIDO AOS SOVIÉTICOS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

18 de Outubro de 1972. Por inacreditável que o facto possa parecer, foi só nesta data, passados mais de 27 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, que norte-americanos e soviéticos chegaram a um acordo quanto ao montante que os segundos deviam reembolsar aos primeiros à conta de todas as exportações que haviam sido enviadas para a União Soviética de 1941 a 1945 ao abrigo da Lei de Empréstimo e Arrendamento. Já aqui me referi à importância indispensável dessa operação de Lend-Lease para os sucessos militares registados pelo Exércitos Vermelho. Mas não se pode dizer que os soviéticos se mostraram de boas contas: se as negociações se arrastaram por 27 anos, o plano que foi alcançado há precisamente 50, previa um prazo de pagamento de 30 anos, e o montante a reembolsar era de 722 milhões de dólares, o que representava aproximadamente 25% da factura originalmente apresentada pelos americanos que fora de 2.600 milhões. Mas, mesmo esta, os soviéticos só pagaram a primeira prestação das 30... Foi preciso passarem-se mais 18 anos (1990) para que outro acordo fosse assinado sobre o mesmo assunto, mas agora pelas canetas mais solenes de George H. W. Bush e de Mikhail Gorbachev. O montante foi reduzido para 674 milhões de dólares e o prazo prolongado ainda mais, agora para 40 anos! Depois, com o colapso da União Soviética em 1991, tornou-se a levantar um problema: quem é que herdava a dívida? Foi a Rússia, e vale a pena assinalar, agora elogiosamente, que a pagou toda até 2006! (As fotografias escolhidas mostram cenas da Segunda Guerra Mundial em que o Exército Vermelho está a utilizar equipamento de transporte fornecido pelos americanos - jeeps e camiões Studebaker).
Ligando o que acima se narrou com o que está a acontecer na Ucrânia, diverte-me a indignação dos pró-russos com a capacidade dos norte-americanos em alimentar e municiar a máquina de guerra ucraniana contra a Rússia. É ignorância daqueles indignados, que isto está muito longe de ser a primeira vez que acontece por aquelas paragens. Só que os russos agora estão onde estiveram os alemães: do outro lado.

17 outubro 2022

A MORTE DE UM PORCO, NUM EXCLUSIVO JORNALÍSTICO DO CORREIO DA MANHÃ

Tanto o leitor quanto a Rita Monteiro, a jornalista que escreve o artigo acima, não deverão ter consciência que, durante o minuto que este artigo lhes demorará a ler, são abatidos, em média, 36 porcos em Portugal (para além de 11 leitões...). É essa outra realidade que torna, por assim dizer, inexplicável de exótica, a notícia - que é um exclusivo jornalístico do Correio da Manhã - que houve um porco, por sinal vietnamita, que morreu nove horas depois de uma intervenção cirúrgica «num hospital veterinário em Lisboa». Se estamos habituados a algum exotismo vindo do Oriente na sua relação com os animais - por exemplo, a relação muito protocolada dos indianos com as vacas, animais sagrados - é novidade para mim estas mesuras para com porcos vindos do Vietname (apesar de se ficar a saber que o porco respondia pelo nome muito pouco vietnamita de Toy...). E confesso que - talvez por causa do croissant com fiambre que comi ao pequeno almoço - não fico com qualquer empatia com os donos do malogrado Toy (foto acima) que, naturalmente insatisfeitos com o malogrado desfecho da cirurgia, apresentaram «queixa-crime contra a unidade (de saúde) e dois veterinários». Definitivamente, eu e eles temos diferentes prioridades sociais. Aqui, trata-se de um animal, não estaremos a falar da seriedade de um hipotético bypass às coronárias de um parente que correu mal. Quanto a este género de notícias, elas fazem parte dos disparates do infotainement (informação + entretenimento), convém que sejam assinaladas como tal, porque há leitores suficientemente estúpidos para não saber distinguir notícias a sério disto. E, enquanto o leitor leu isto tudo, lá foram despachados mais 36 porcos (...e 11 leitões) sem que qualquer desses 36 outros porcos suscitasse uma outra história interessante que a Rita Monteiro nos queira contar...

MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA PERCEBER QUE MONTENEGRO É UM GRANDE LÍDER DA OPOSIÇÃO

Cem dias depois de chegar ao poder e, para poder percebermos o contraste com o antecessor Rui Rio (que não fazia nada), temos a imprensa a explicar aos leitores, em jeito de manual de instruções, em que é que Luís Montenegro faz toda a diferença. Pode ser num registo mais sintético e imaginativo («da água para o vinho»), ao estilo da jornalista Liliana Borges no Público ou então noutro registo mais analíticonão tem números muito diferentes dos de Rui Rio (mas) está definitivamente(?) a encurtar a diferença para António Costa»), que esse é o estilo mais intelectual de Miguel Santos Carrapatoso no Observador. Portanto, não se vêem quaisquer resultados nas sondagens, mas o homem é bom, é promissor, pode ser um grande líder da oposição. Não comecem já a dizer mal do homem, que ele ainda agora chegou

Começo, sim. Porque foi o clã que agora apoia Luís Montenegro que é responsável por ter trazido para a vida política este ambiente de crítica ao treinador de clube de futebol do fundo da tabela classificativa, sempre passível de uma chicotada psicológica. Não gostam? Não tivessem feito o mesmo ao(s) outro(s).

16 outubro 2022

A AMEAÇA DA EXTREMA-CERVEJA

No passado Domingo, 9 de Outubro, houve eleições presidenciais na Áustria. O presidente Alexander van der Bellen foi reeleito logo à primeira volta. O candidato apresentado pelo FPÖ, formação normalmente conotada com a extrema direita, que havia estado quase prestes a conquistar a presidência em 2016, recebeu uns desapontadores 717 mil votos (17,7%). A surpresa do acto eleitoral foi o senhor da fotografia. Chama-se Dominik Wlazny, tem 35 anos (a idade mínima para concorrer às eleições presidenciais austríacas) e é um genuíno artista de variedades. É o líder - com o nome artístico de Marco Pogo - de uma banda de punk rock denominada Turbobier. Até aqui este episódio assemelhar-se-á às candidaturas presidenciais de Manuel João Vieira e os Ena Pá 2000, mas depois a coisa começa a sofisticar-se. Porque o candidato Wlazny (que é licenciado em medicina) acumula a liderança da banda rock com a dum partido satírico denominado Partido da Cerveja (Bierpartei). Este último havia recolhido uns míseros 5 mil votos nas últimas eleições legislativas austríacas de 2019, mas o candidato conseguiu reunir 6 mil assinaturas para se apresentar nestas eleições presidenciais de 2022. Onde - e, mais uma vez, a comparação com os casos portugueses fazem sentido - ao estilo Marcelo 2021, a reeleição do presidente van der Bellen estava praticamente garantida à partida e à primeira volta. E é assim que, concluído o escrutínio, aparece em terceiro lugar o candidato Dominik Wlazny do Partido da Cerveja, que recebeu 337 mil votos (8,3%)! Tratasse-se de uma formação de extrema direita e o desfecho eleitoral seria oportunidade para que se ouvissem pela enésima vez as vozes ultrajadas com mais esta ascensão da extrema direita... Mas desta vez não se deu mediaticamente por nada, porque neste caso se tratará da ascensão da extrema cerveja, uma ocasião em que se percebe que, mais do que a força da extrema direita, o que pareceu evidente foi a fraqueza do sistema democrático quando insiste em convocar actos eleitorais em que o eleitorado compreende bem demais que não há nada em disputa. E a reacção, quando não é de alheamento e abstenção, manifesta-se em votações significativas nestas formações políticas satíricas. No caso português: que é que os dois grandes partidos estão à espera para que desapareça aquela eleição intercalar, a brincar, do presidente português?...

O RACIONAMENTO ATÉ PARA OS SUÍÇOS

16 de Outubro de 1942. Há oitenta anos e como se podia ler neste jornal de Neuchatel, na Suíça impunha-se o racionamento do pão e do leite. Não se pode dizer que a medida tivesse colhido os suíços de surpresa. Cercada por países em guerra e pelo impacto que isso tivera no comércio internacional, a Suíça evidenciava as fragilidades de quem sempre contara com o exterior para se alimentar. Como acontecia em Portugal, também por lá houve medidas de propaganda para aumentar a produção agrícola, aproveitando inclusive as superfícies urbanas: acima, na notícia ao lado da do anúncio do racionamento, o tema era a plantação de batatas nos jardins do Palácio Federal;
e nesta outra procede-se à colheita de cereal numa das praças centrais de Zurique (notem-se os basbaques - quem diria que na Suíça também há basbaques? - e o eléctrico em fundo). Todas essas iniciativas eram mais simbólicas que substantivas e não podiam, contudo, esconder a fraca produtividade dos terrenos agrícolas suíços e a consequente escassez de alguns produtos alimentares. O racionamento de outros produtos porém, caso do leite, surgia como uma enorme surpresa, a atender à tradicional imagem bucólica suíça das vacas e dos seus badalos, nos seus pastos de altitude. Em tempos de guerra, porém, os mitos e os bilhetes postais não serviam para alimentar a população.

UM PRESIDENTE DE CÂMARA «INCENDIÁRIO»

16 de Outubro de 1972. Durante uma daquelas inaugurações tradicionais de cortar-a-fita, mas em que, em vez da tesoura, se usou uma soldadora, acabou por ter o desfecho que o instantâneo acima exibe, quando algumas das fagulhas largadas pelo instrumento aterraram no cabelo da entidade que presidia à cerimónia - o presidente da câmara da cidade norte-americana de Cleveland. No dia seguinte o, de outro modo, anonimíssimo acontecimento aparecia assinalado em todos os jornais do país, e o protagonista catapultado para o estrelato, apodado de ser um «presidente de câmara "incendiário"». A narrativa do episódio não se concluiu sem a sua mentirazita ou tudo isto não fosse política, ainda que política do trivial anedótico: na explicação oficial, as chamas haviam-se propagado ao cabelo devido a um produto (não especificado...) que o barbeiro ali pusera; contudo, as versões mais informadas sabiam que o presidente da câmara lutava abnegadamente contra a (a exibição da) calvice, e que fora a armação que a escondia, e não o cabelo, que se tornara rapidamente pasto das chamas (abaixo, o vídeo).

15 outubro 2022

E MAIS UMA VEZ: «AND NOW FOR SOMETHING COMPLETELY DIFFERENT»

A expressão que, à letra, quer dizer «E agora, para algo completamente diferente», foi popularizada nos finais da década de 1960 pelo programa humorístico dos Monty Python para separar os sketches do seu programa. Ironicamente, a frase fora-se inspirar num outro programa da BBC onde ela era utilizada com a maior seriedade... Mas tornou-se uma referencia inultrapassável quando alguém pretende dar uma guinada brusca e despropositada a um tema que não quer mais abordado. Como o faz abaixo hoje o provedor do leitor do Público, José Manuel Barata-Feyo, para se descartar do pequeno escândalo dos plágios de um dos jornalistas daquele jornal, e da tentativa de abafamento que se lhe seguiu, em que o comportamento daquele provedor do leitor se cobriu de ridículo. Temo-lo aqui abaixo, então, a mudar completamente de assunto, e a endereçar os parabéns - nem de propósito - à BBC que - segundo Barata-Feyo - completa «100 anos», anos que, nas suas próprias palavras, terão sido «um combate pela independência do jornalismo». (Admita-se que, com o seu comportamento recente neste episódio dos plágios, ficámos bem mais longe de podermos escrever o mesmo sobre os 32 anos do Público...) Só que quem foi fundada há cem anos foi uma outra BBC (British Broadcasting Company), entidade privada que se viu substituída ao fim de 4 anos, em 1926, por aquela outra BBC (British Broadcasting Corporation) pública, que, essa sim, o leitor conhecerá e terá erigido a reputação que o provedor do leitor tanto saúda nesta sua crónica «completely different». Assinalada a nota, fica a pergunta: a que provedor do leitor se envia a nota por esta falta de esclarecimento do provedor do leitor?... Quem é que vai abafar a inconveniência desta vez?...

A PARTIDA DO NOVO ADIDO MILITAR E AERONÁUTICO EM WASHINGTON

15 de Outubro de 1952. Uma pequena notícia dava conta da partida, a bordo de um paquete italiano, do novo adido militar e aeronáutico português na embaixada portuguesa em Washington, o oficial fadado a dar que falar dali por meia dúzia de anos: Humberto Delgado. Indício da importância da personagem, à cerimónia de apresentação de cumprimentos de despedida havia comparecido dois ministros e um punhado de oficiais generais. Delgado permanecerá nos Estados Unidos por cinco anos, e essa estadia no estrangeiro granjear-lhe-á uma aura... de estrangeirado, o que se tornava atributo numa sociedade predisposta a acolher respeituosamente quem estivera lá fora. Eram outras as mentalidades: não se deixe de notar, por exemplo, a ironia de que o adido aeronáutico... viajava de barco.

O MEU ESFORÇO DE EMPATIA

Pensando melhor, e procurando pôr-me nos sapatos de quem mantido a atitude de argumentar (da maneira que pode...) a favor da conduta política-militar da Rússia e de Vladimir Putin de há sete meses e meio para cá, tenho que reconhecer que ele há aspectos em que a vida de palhaço não é mesmo fácil...

14 outubro 2022

O PRINCÍPIO DA CRISE DOS MÍSSEIS DE CUBA

14 de Outubro de 1962. Um avião espião U-2, pilotado pelo major Richard S. Heyser da USAF, fotografa os sítios em Cuba onde os soviéticos se preparavam para instalar mísseis MRBM SS-4 e IRBM SS-5 com capacidade para atingir o território dos Estados Unidos. A fotografia havia sido tomada a uma altitude de quase 22 quilómetros (!) (o dobro da altitude de um voo de um avião comercial), mas a fotografia continha os detalhes suficientes (acima) para que os analistas norte-americanos ajuizassem com alguma precisão quais eram as intenções soviéticas: a instalação de sites de lançamento de mísseis com capacidade de transportar ogivas nucleares e alcance suficiente para atingir os Estados Unidos. E queriam-no fazer subrepticiamente, para confrontar os Estados Unidos com o dispositivo instalado. É o início do que virá a ser a Crise dos Mísseis de Cuba, tópico que voltaremos a abordar nestas evocações e que costumava ser considerado o momento histórico em que mais próximo se teria estado de uma confrontação nuclear entre as duas super-potências. Esse momento-expoente do belicismo nuclear foi recentemente levado ainda mais além por Vladimir Putin e por outros responsáveis do Kremlin, que ultrapassaram em declarações tudo aquilo que os seus antecessores de há 50 anos se haviam permitido dizer. Mas, tirando talvez o presidente dos Estados Unidos, mais ninguém proeminente quis conferir seriedade às ameaças do presidente russo. É por estes casos que se percebe que, apesar de ter a fama, Joe Biden não tem o proveito de gerir a agenda mediática mundial. Em registo mais ligeiro e numa daquelas coincidências irónicas em que a história é fértil, o jornal britânico «Observer» desse mesmo dia 14, havia escolhido criticar os Estados Unidos pela sua obsessão no que respeita a Cuba.