31 agosto 2020

TEMPOS EM QUE ALGUNS ALEMÃES SE MOSTRAVAM PARTICULARMENTE PRESTÁVEIS

31 de Agosto de 1945. Lendo-se as pequenas notícias de jornal, parecia que uma onda de disponibilidade atacara por toda a Europa as antigas autoridades alemãs do III Reich. Em Roma fora o antigo embaixador alemão acreditado junto da Santa Sé, em Hamburgo fora o antigo responsável das SS pela comunicação social, um rival mais discreto e menos conhecido do ministro Goebbels. As notícias vendem-nos o gesto pelo preço facial (ou seja, pela versão do próprio), mas está-se perante dois consumados sabichões que haviam estado à espera que os ânimos anti-nazis se acalmassem para se apresentarem, quando a guerra terminara já há uns bons quatro meses. Que afazeres é que poderiam ter ocupado o embaixador durante todo esse tempo, representando um país que até deixara de existir?... Mostrarem-se tão prestáveis não lhes terá servido de muito. Os Aliados parecem ter agradecido tanta disponibilidade manifesta, mas, como se pode depreender pelas fotografias adjacentes, tanto Ernst von Weizsaecker (1882-1951) como Otto Dietrich (1897-1952) foram presos e levados a julgamento no tribunal de Nuremberga onde, por coincidência (julgamentos distintos), ambos receberam uma pena de sete anos. Mas não foi coincidência que ambos tivessem cumprido apenas um ou dois anos desses sete: aconteceu a quase todos os condenados naquelas circunstâncias.

30 agosto 2020

EU NÃO ERA ASSIM...

...mas a experiência demonstrou-me que vale mais a pena prestar atenção às intuições de um realizador de cinema meio maluco (acima) do que a uma catrefa de sondagens feitas por não-sei-bem-quem e que costumam concluir aquilo que as televisões imaginam que os seus espectadores querem confirmar.

O PRENÚNCIO DE UM «SETEMBRO NEGRO»

30 de Agosto de 1970. Apesar de perdida numa página bem interior (25), esta notícia, oriunda de Amã, capital da Jordânia, seria a notícia mais preocupante da edição daquele dia do Diário de Lisboa. Com a sua leitura ficava-se a saber que o rei Hussein proferira no dia anterior um discurso na rádio e televisão locais, onde fizera uma espécie de ultimato aos guerrilheiros palestinianos da OLP que se acantonavam na Jordânia e um aviso às tropas iraquianas que estavam lá estacionadas desde 1967 para ajudar... os jordanos. Para além do conflito israelo-árabe, há um outro conflito prestes a eclodir entre as facções árabes mais moderadas, protagonizada pela Jordânia, e mais radicais, protagonizada pela OLP e pelos seus vizinhos sírio e iraquiano. Ao conjunto de combates, que se prolongarão por quase todo o mês seguinte, e que irão opor o exército jordano aos guerrilheiros palestinianos apoiados de forma descarada pelo exército sírio, ir-se-á dar o nome de «Setembro Negro». Os militares jordanos, que haviam sofrido quase 700 mortos durante a Guerra dos Seis Dias contra Israel, irão suportar agora cerca de 540 neste conflito para expulsar os palestinianos armados do seu território - são números que não dá muito jeito à propaganda da causa árabe que apareçam comparados...

29 agosto 2020

O PRIMEIRO VOO DO DC-10

29 de Agosto de 1970. Primeiro voo do DC-10. Depois do Boeing 747, este era o segundo avião comercial de grande capacidade de transporte de passageiros (250 a 380 pessoas). Abaixo pode ver-se um video da cerimónia, que contou com a presença do então vice-presidente Spiro Agnew e do então governador da Califórnia, Ronald Reagan. O DC-10 iria revelar-se um concorrente sério do Boeing 747 até começar a adquirir a reputação de uma aeronave não tão fiável.

CABRÕES INGRATOS

Neste mundo das redes sociais deparamo-nos, por vezes, com episódios que incomodam. Este cabrão abaixo (não tem outro nome), acaba de publicar um texto com uma referência displicente a José Pacheco Pereira, enquanto se esquece que o mesmo lhe serviu há onze anos para lhe promover o livro que ele publicara, apresentando-o. Pelos vistos, nessa altura ainda não houvera «recrutamentos», nem ainda havia «chalaças». Ou, se calhar, havia-as. Não me interessa tomar as dores - se as houver - de Pacheco Pereira, contudo isto é penoso de assistir, porque pior do que a mediocridade destes cromos (estou a referir-me ao outro, não a Pacheco Pereira), é a sua patente falta de escrúpulos - os outros estarem no «mainstream» é virtude ou defeito conforme as circunstâncias.

O SEGUNDO ATENTADO CONTRA EDUARD SHEVARDNADZE

29 de Agosto de 1995. Em Tbilisi, na Geórgia, Eduard Shevardnadze, que fora o ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética desde 1985 até à sua dissolução em 1991, é vítima de um atentado quando se deslocava de automóvel. Desempenhando então o cargo de presidente da Geórgia, Shevarnadze era então conhecido em todo o Mundo por ter sido o ministro dos estrangeiros de Gorbachev e este já era o segundo atentado que sofria. Virá a sofrer um terceiro em 1998. As lutas políticas em alguns dos países resultantes do desmembramento da URSS podiam revestir-se de uma violência digna de um conflito entre mafiosos. E a constatação de episódios como este era considerado no Ocidente como um retrocesso em relação à era soviética, mesmo ao período do estalinismo, onde a eliminação dos adversários políticos se revestira sempre de uma capa - ainda que muito ténue - de legalidade jurídica. Vinte e cinco anos depois, comprova-se que esse retrocesso de tratar dos assuntos extra-judicialmente se consolidou: a Rússia, e provavelmente os regimes aparentados, são os únicos países do Mundo conhecidos por, actualmente, envenenar os seus adversários políticos.

28 agosto 2020

O EXEMPLO DA JOACINE PARA O «TRATAMENTO» DA COVID

Eu bem sei que os leitores não estarão habituados a ver estes dois números comparados, mas peço-vos que me acompanhem na constatação que o número de infectados por covid-19 até hoje em Portugal (56.671) é, ainda assim e apesar dos mais de cinco meses de pandemia e confinamento entretanto decorridos, inferior aos 57.172 votos obtidos pelo Livre nas eleições de Outubro do ano passado. Trata-de de duas ínfimas minorias (0,6% da população portuguesa) e não nos cansamos de ouvir falar nelas. Confesso-vos que só muito recentemente me apercebi da extrema raridade em que consiste essa figura do infectado pela covid - há em média apenas 1 infectado para 180 portugueses; a grande maioria das pessoas não conhece pessoalmente ninguém que tivesse estado naquelas condições. Explicando esta ligação entre a covid e o Livre, e como aconteceu com a deputada Joacine, que, apesar de ser só 1 em 230, passou de um dia para o outro do anonimato para as parangonas da comunicação social, concorde-se que tem sido mais o constante alarme da comunicação social e não as experiências pessoais das pessoas comuns, a contribuírem para manter o interesse social no tema da pandemia. Ao fazê-lo, os abusos, exageros, até mesmo mentiras, têm sido mais do que muitos, e as consequências disso também muito perversas - assista-se ao desabafo a esse respeito de Luís Aguiar-Conraria em plena emissão da RTP3. Por outro lado, foi evidente constatar, precisamente com o exemplo de Joacine Katar Moreira, que estes processos de gerir aquilo de que se fala podem ser controlados: mal Joacine saiu do Livre, ela desapareceu de todo da comunicação social; hoje ninguém fala nela. Eu não sei a quem me estou a dirigir, mas estes episódios são demasiado artificiais para não serem comandados. Também não vou ao exagero de lhes pedir que se faça desaparecer a covid da agenda mediática, já que reconheço que o valor noticioso de uma pandemia não é o mesmo do de uma deputada exótica. Mas o meu apelo vai para que esses poderes ocultos actuem por forma a que os seus comandados não continuem a assustar metodicamente as audiências e para que façam um esforço para regressar à normalidade, por muito medíocre que ela seja: ele há os incêndios, o futebol, o Trump, tanta coisa irrelevante e estúpida para destacar nas notícias... em vez de crises prospectivas de faltas de seringas para a aplicação de vacinas que ainda não foram inventadas!

TV NOSTALGIA - 90

E também 28 de Agosto de 1970. Ao contrário do último poste aqui publicado desta série de evocações nostálgicas de programas televisivos de outrora, eu não me lembro nada desta série televisiva que há 50 anos passava por cá à hora de almoço sob o título «Casamento de Conveniência». Nostalgia talvez seja uma palavra demasiado forte do que eu possa pensar a seu respeito O genérico dá logo para perceber que não se está perante uma das mais memoráveis obras daquele género: séries televisivas em episódios de meia hora, só para entretenimento. Por alguma razão só terá durado uma temporada.

27 agosto 2020

UM CONTEXTO PARA SETE DISPAROS

Esta é uma das fotografias mais famosas da Guerra do Vietname. Há uma história por detrás dela - um contexto. Já aqui contei essa história, ainda que resumidamente, no Herdeiro de Aécio. Mas a grande maioria das pessoas, mesmo que conheçam a fotografia, não estão interessadas nessa história, nesse tal de contexto. Até o autor da fotografia, o fotógrafo Eddie Adams, só terá vindo a conhecer o contexto muito anos depois, já a fotografia correra mundo e fora premiada. Para além da fotografia há um filme dos instantes que precedem o momento da foto (abaixo).
É muito menos conhecido que a fotografia e percebe-se porquê, limita-se a reproduzir de forma animada a mesma execução sumária do civil vietnamita, batido, descalço, sem acrescentar valor e perdendo-se, ainda por cima, o valor da síntese artística. Os vídeos podem ser assim: obtusos. O que nos trás a conversa até aonde a quero, a um outro vídeo que agora corre mundo, o de um transeunte americano, negro, que é alvejado com sete disparos nas costas quando se aprestava para entrar no seu carro. Logo sete, o número dos mentirosos, mas estes tiros até se conseguem contar...
Há quem tente esmiuçar o que se terá passado até àquele desfecho (caso da BBC), para perceber o tal de contexto. Há quem nem precise de o conhecer, ao contexto, e tente fazer perguntas moldadas por forma a desculpabilizar de antemão e implicitamente a polícia, como o faz o senador Lindsey Graham. Mas a opinião pública americana, mesmo que já não seja da mesma ingenuidade que possuía em 1968, continua a ser de uma superficialidade chã, na forma como aceita o que lhe é apresentado no ecrã. Se calhar, e porque agora os acontecimentos são dentro de portas, não dará é tanto jeito aos poderes estabelecidos, como acontecia enquanto as coisas eram lá no Vietname...

MANIFESTANTES EM SOFIA DEITAM FOGO À SEDE DO ANTIGO PARTIDO COMUNISTA BÚLGARO

27 de Agosto de 1990. A notícia original dizia tudo. E, por sinal, o partido comunista búlgaro fora o mais inteligente dos partidos comunistas do Leste europeu. Olhando para o colapso que os rodeava, os seus dirigentes menos comprometidos haviam-se livrado rapidamente da velha guarda instalado sob a égide de Todor Jivkov (35 anos no poder!). Depois, o próprio aparelho do partido procedera a uma operação de restyling, mudando-lhe o nome de partido comunista búlgaro para partido socialista búlgaro. Por fim e porque elas se afiguravam inevitáveis para se (re)legitimar, precipitara as primeiras eleições democráticas da Bulgária, em Junho de 1990. Em vez de tentarem adiar o inevitável, como os seus camaradas dos países vizinhos, os comunistas búlgaros haviam aproado ao problema, e disputado eleições razoavelmente livres antes que as organizações rivais tivessem tido tempo de se organizarem. Resultado: venceram-nas e com uma maioria absoluta da Assembleia Constituinte*. A manobra fora extremamente hábil. Mas, como se poderia ler no Avante! se o disco tocasse do outro lado, «o povo búlgaro estivera submetido a uma ditadura comunista durante 45 longos anos, marcados pela repressão, a exploração, o obscurantismo, a miséria e a opressão.» E era todo esse mal estar social que despontava à superfície em 27 de Agosto de 1990, dois meses depois das eleições que antecipavam uma reviravolta política de... 360º. Para o leitor comum do Diário de Lisboa de então (e não nos esqueçamos que o jornal estivera, nos últimos 15 anos fortemente conotado com o partido comunista), o incêndio da antiga sede dos comunistas búlgaros tinha indiscutíveis semelhanças com o que acontecera em Portugal durante o Verão quente do PREC de 1975. O ambiente em terras comunistas, onde estivera o Sol da Terra na conhecida expressão de Álvaro Cunhal, esse ambiente era agora crepuscular. Resta dizer, a quem interesse, que o governo comunista/socialista búlgaro acabou por ser derrubado 4 meses depois, de muita agitação social e mesmo de uma greve geral.

* Deixo à imaginação do leitor que resultados eleitorais teriam resultado de umas eleições para a Assembleia Constituinte portuguesa que tivessem sido realizadas em Outubro de 1974, seis meses depois do 25 de Abril. Uma coisa é certa: apenas o PCP, e sobretudo a versão dulcificada dos mesmos comunistas, o MDP/CDE, teriam estruturas nacionais capazes de promover uma campanha política nacional com um mínimo de eficácia. Se em Abril de 1975 foi a improvisação que se viu, imagine-se seis meses antes, e quem beneficiaria eleitoralmente com isso.

O COMBATE AO «NUDISMO» NAS PRAIAS PORTUGUESAS

27 de Agosto de 1940. O Diário de Lisboa dava conta do combate que as autoridades desenvolviam contra o nudismo nas nossas praias, em plena época balnear. A notícia desse combate ia parar às páginas centrais, mesmo ao lado de uma outra, que dava conta da captura de uma quadrilha de assaltantes de residências. Enfim, tudo combates em que a polícia não gostava de aparecer como vencida... Começava a notícia: «Continuou hoje a fiscalização nas praias sobre os trajos impróprios para tomar banho». Afinal, nudismo talvez fosse uma expressão excessiva para designar o que estaria em causa... Seria mais uma questão de indumentárias, do que elas cobriam e do que elas exporiam. Haviam estado envolvidos na operação «cerca de sessenta agentes, auxiliados por alguns guardas cívicos» e as brigadas haviam percorrido as praias do Guincho, Cascais, Estoril, São Pedro do Estoril, Santo Amaro de Oeiras, Paço de Arcos e Caxias na margem direita do Tejo e as da Trafaria, Costa da Caparica, Mar da Lage e Cova do Vapor na outra banda. Como se destacava no título, no Estoril (ao lado direito, uma fotografia do Tamariz desses anos), haviam sido presos dois banhistas, embora a notícia não dê mais detalhes quanto às razões da detenção. «Pictoresca» (sic) era como era classificada a atitude de «um rapaz novo» que, numa dessas praias, se havia apresentado «à hora do banho de chapéu alto, sobrecasaca, e calças arregaçadas», e que, tendo cumprimentado «gravemente os circunstantes», se lançou depois à água assim vestido. Como se vê, já há oitenta anos a prática da ironia podia revelar-se um exercício ingrato que esbarrava com a incompreensão dos destinatários. A Lisboa de Agosto de 1940 tornara-se uma cidade anormalmente cosmopolita, com as praias em redor repletas de refugiados de guerra, a aproveitar o Verão ameno que as circunstâncias lhes havia proporcionado, aguardando a evolução da guerra e que destino dar à sua vida. Esses seriam os inimigos do «senhor comandante Sales Henriques da Polícia Marítima».

26 agosto 2020

PARA ESTE PEDITÓRIO, JÁ DEI... HÁ QUATRO ANOS

Ei-las que recomeçam, as sondagens nos estados marginais para as eleições presidenciais americanas. Se estas sondagens tivessem alguma consistência, a vitória de Donald Trump não teria sido o terramoto político que foi em 2016. Agora, ei-los que recomeçam como se nada de errado tivesse acontecido. Por alguma razão, o Pedro Magalhães, uma das raras pessoas em quem eu fazia fé nestas coisas das sondagens pré-eleitorais, mudou entretanto de ramo - investiga a «área da opinião pública, atitudes e comportamentos políticos». E fez muito bem. Não lhes vale de nada aos media americanos insistirem outra vez no mesmo figurino de procurarem criar emoção com informação que os acontecimentos de 2016 comprovaram que não era fiável.. Estou como dizia aquela senhora no fim da cerimónia da eleição da costureirinha do bairro no filme A Canção de Lisboa: - Oh Ernestina! Vamos embora que isto foi tudo uma grande aldrabice!...

O JOGO DE BASEBOL NO PÓLO NORTE

26 de Agosto de 1960. Numa operação de relações públicas, um submarino nuclear norte-americano, o USS Seadragon, emerge no Pólo Norte, onde a tripulação disputa um jogo de basebol e se dedica a um conjunto de outras actividades igualmente fúteis. Por se tratar do mês de Agosto, a história consegue, ainda assim, o destaque da primeira página do Diário de Lisboa. E o aspecto pueril daquilo que se notícia, não pretende sequer esconder a seriedade dos aspectos de superioridade militar e naval que estão subjacentes à publicidade dada ao episódio.

25 agosto 2020

«REDESCOBERTAS» A PROPÓSITO DA NUVEM DE HIROXIMA

Um dos segredos de polichinelo a respeito da detonação da primeira bomba atómica é que as fotografias que foram recolhidas da nuvem que então se formou sobre Hiroxima são muito desapontadoras. Conclusão: para que os artigos a propósito fiquem mais apelativos é muito frequente ilustrá-los recorrendo a outras nuvem mais bonitas, com o formato de cogumelo mais acentuado. E o rigor noticioso submete-se ao imperativo da atractividade da notícia. Recorrente também é redescobrir a malandrice. Hoje foi no jornal francês Le Monde (acima), citando um jornalista alemão, que terá assim redescoberto a pólvora. Mas não me foi preciso procurar muito para encontrar a mesma descoberta já há quatro anos no The New York Times (abaixo). Não fui procurar mais para trás. Que é que se pode dizer?... Estamos em Agosto.

INGENUIDADES COLECTIVAS E RETROSPECTIVAS

Numa sondagem conduzida há quatro anos pela CNN concluía-se que uma maioria de americanos achava que o candidato republicano Donald Trump lidaria melhor com o terrorismo do que a candidata rival, Hillary Clinton. Entretanto, passaram-se quatro anos. Aquilo que se deve concluir do episódio nada terá a ver com a resposta colectiva, antes com a pertinência da pergunta, se alguma vez terá feito sentido fazê-la, se alguma fez sentido questionar se Donald Trump é capaz de lidar seja com o que for, para além das suas mais prementes necessidades.

A BATALHA DE VARSÓVIA OU O MILAGRE NO VÍSTULA

25 de Agosto de 1920. É a data convencionada para o fim da batalha de Varsóvia. Assumindo a derrota, os russos, reencarnados desde 1917 em soviéticos, renunciam com o gesto à ambição de reanexarem a Polónia e de restabelecerem aquela que fora por um século a fronteira ocidental do império dos czares.
Se, do ponto de vista estratégico, as consequências da batalha são límpidas como poucas, do ponto de vista táctico, explicar o que aconteceu, porque aconteceu e as razões para o desfecho, permanecem para mim um busilis que a leitura dos dois livros acima não resolveram. Muito menos este filme abaixo.
A solução, num país profundamente católico, foi atribuir o desfecho à Virgem Maria e denominá-lo por Milagre no Vístula. Em termos internacionais atribuir esse mesmo desfecho ao aconselhamento do general francês Maxime Weygand - o que não era propriamente verdade, mas lisonjeava os franceses.

24 agosto 2020

O BICENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO LIBERAL

24 de Agosto de 1820. Mesmo que tenha lido o que aconteceu nesta data nas obras de Oliveira Marques e de Veríssimo Serrão, acompanhado das explicações para o que aconteceu, confesso que nunca me senti agarrado pelas descrições e explicações. Falta-me a empatia para perceber o porquê da iniciativa, e compreender a saturação da sociedade portuguesa para com os quadros britânicos que detinham o poder militar. Afinal, se formos ler a biografia (na Wikipedia em inglês) de William Beresford, aquele que terá provocado a insurreição, apenas dois parágrafos (e não muito extensos...) são dedicados aos cerca de oito anos (1812-20) que ele passou em Portugal. Desnecessário acrescentar que as páginas da wikipedia escritas nos outros idiomas sobre o mesmo tópico ainda são mais parcas em informação. O facto é tanto mais curioso quanto esse período está muito bem estudado noutros países, caso, por exemplo e já por mim aqui tratado, da Restauração em França. Mas ainda falta quem escreva uma História melhor deste período que vai de 1815 a 1820 em Portugal.

23 agosto 2020

E VOCÊ: SABE QUEM É MRS. OLIVER?...

A reboque da publicação da classificação dos álbuns de Astérix, acabada aqui de publicar, e de como o assunto se deve cingir a uma minoria já de si minoritária daqueles que sabem quem é aquele herói da BD, ocorreu-me uma história sobre uma conversa social (que não presenciei...) tida por três pessoas a respeito da literatura policial de Agatha Christie, de que as três se confessavam grandes apreciadoras, tendo já todas lido uma apreciável parcela da obra. A conversa alcandorara-se a tal consenso, quando uma delas faz uma referência a Mrs. Oliver... que foi acolhido pelo silêncio das interlocutoras. Não sabiam de quem se tratava, aquela que aparece na imagem acima personalizada por Zoë Wanamaker ao lado do mais convincente Hercule Poirot, David Suchet. O alter ego que Agatha Christie empregou para aparecer em alguns dos seus livros não lhes dizia nada(!). E, diante da verdadeira e entusiasmada fã de Agatha Christie, assim se desmoronou, com um fragor ignorante, a pretensão das outras duas «apreciadoras» da autora britânica... Foi a pretexto disso que se me ocorreu um par de perguntas igualmente eliminatórias, para triar a quem possa aproveitar a classificação dos álbuns de Astérix, fingimentos à parte: a) como se chama o cãozinho que acompanha Astérix e Obélix? b) qual é a primeira aventura em que ele aparece?

SADDAM HUSSEIN E OS REFÉNS OCIDENTAIS

23 de Agosto de 1990. Na sequência da invasão iraquiana do Koweit, e do impasse diplomático que se segue, Saddam Hussein adopta uma incompreensível manobra mediática: aparece na televisão iraquiana em companhia de um conjunto de expatriados britânicos que impedia de regressar ao seu país (acima). O episódio, uma acção de intimidação ainda hoje difícil de compreender nos seus objectivos e sobre que tipo de avaliação se fizera em Bagdade às suas consequências, foi rapidamente utilizado nos países ocidentais - Estados Unidos... - para mobilizar as respectivas opiniões públicas a favor de uma acção militar contra o Iraque. A antipatia por Saddam tornou-se tão disseminada, que o problema depois da Guerra do Golfo será o de justificar a essas mesmas opiniões públicas as razões porque não se eliminava política e pessoalmente o mesmo Saddam.

22 agosto 2020

UMA AVALIAÇÃO DAS AVENTURAS DE ASTÉRIX

Esta é uma avaliação comparativa das 25 primeiras aventuras de Astérix. A classificação não é a minha opinião, mas as diferenças serão mínimas e é uma opinião que respeito e endosso. Penso que o quadro se auto explica quanto ao processo adoptado e quanto aos resultados.

RELEMBRANDO O ANTECESSOR DE ANDRÉ VENTURA

22 de Agosto de 1980. Por ser comunista, o Diário de Lisboa mal esconde a satisfação como publica a notícia da conferência de imprensa que fora dada no dia anterior pelo general Kaúlza de Arriaga. Este último, arrogara-se como o dirigente da extrema-direita portuguesa, a que se reclamava da herança do regime que fora deposto em 25 de Abril, uma direita que orgulhosamente se posicionava à direita da coligação AD (PSD, CDS e PPM) que se encontrava então no poder. Vale a pena poder ler-se a notícia original*, para se perceber porque um jornal comunista não se incomodara nada em promover assim as declarações de Kaúlza. Com tudo aquilo que dizia, Kaúlza conseguia tornar Spínola, que fora um seu antigo rival, num exemplo de ponderação - e não apenas pelo facto do segundo se manter calado... Como aqueles antigos aristocratas franceses que, em 1814, regressaram a França e pretendiam, delirantemente, reinstalar a sociedade que existira antes de 1789, também Kaúlza de Arriaga queria voltar ao que fora no 24 de Abril e parecia que não tinha vivido em Portugal depois disso. É que, por acaso, e ao contrário de Américo Thomaz e de Marcello Caetano e de vários outros que permaneciam exilados no Brasil, Kaúlza de Arriaga até ficara em Portugal em situação previligiada para assistir ao que acontecia à sua volta. O que só agravava e tornava indesculpável certas passagens das suas declarações, como as referências sobranceiras tanto a Ramalho Eanes, quanto a Soares Carneiro. Quanto à sua análise e previsões da conjuntura política, elas virão a ser desmentidas pelos factos, com uma única excepção. Em destaque: a AD NÃO perderá a maioria parlamentar em 5 de Outubro. Reforçá-la-á mesmo (por acaso, no Diário de Lisboa ficarão com uma cachola tão grande quanto a de Kaúlza...). Mas o PDC, que conseguira recolher 72.500 votos nas eleições anteriores, há-de arrepender-se amargamente de se ter deixado arrastar para esta coligação com o partido de Kaúlza de Arriaga, pois perderá quase 50.000 votos (a coligação PDC-MIRN/PDP-FN recebeu uns míseros 23.800 apesar de ter todas aquelas letras...), quiçá por causa de tanto disparate proferido pelo general. Por outro lado, quando Kaúlza se considera «cem por cento multirracial», presume-se que se esteja ao modelo de multirracialidade que se pode apreciar no vídeo abaixo, colhido por ocasião de uma visita sua a Angola em 1962... E esse havia passado completamente de moda.
A excepção ao resto das previsões falhadas é aquela que antecipa que Adriano Moreira virá a presidir ao CDS. O que virá a acontecer em 1985. Mas vale a pena complementar com a informação que foi precisamente com Adriano Moreira que o CDS se viu confinado à situação de partido do táxi (1987). O que parece comprovar que a associação nostálgica ao Estado Novo serve para a subsistência de um semanário, mas nunca se revelou um grande trunfo eleitoral em Portugal. A verdade é que, depois de Kaúlza de Arriaga, nunca mais apareceu um vulto na extrema direita portuguesa com pretensões de a reagrupar à sua volta. É verdade que tem vultos que se fartam de aparecer na televisão, mas esses vultos são intelectuais - quase todos sempre muito elogiados como tal por espontâneos da plateia - como serão os casos de Jaime Nogueira Pinto, José Miguel Júdice ou Nuno Rogeiro. Lembro-me, de um outro exemplo: Paulo Teixeira Pinto, que até teve oportunidade de declamar a sua poesia - por sinal, atroz! - aos telespectadores. Mas, até à aparição de André Ventura, que nem era nascido na altura da esclarecedora conferência de imprensa de Kaúlza de Arriaga, não se descortinava ninguém oriundo daquela área política com pretensões mussolinianas. Agora há. Um dos segredos de André Ventura é ser reconhecidamente um anti-marxista: enquanto Groucho Marx ficou conhecido por ter princípios, mas arranjar outros se aqueles não agradassem ao interlocutor, André Ventura parece-me pessoa que se preocupa quais em saber são os princípios que os interlocutores querem que ele adopte. Como se percebeu pelo episódio da discrepância entre o que consta nas teses académicas que escreve e aquilo que tem de opinar no dia a dia como dirigente do Chega. As suas convicções políticas não serão propriamente profundas, mas terá a grande vantagem sobre Kaúlza de conhecer como é o país, quarenta anos passados.

*«AD perderá em 5 de Outubro a maioria parlamentar

Kaúlza de Arriaga, presidente do MIRN/PDP, qualificou ontem de «erro político terrível» o facto de a AD ter recusado a proposta da formação de uma frente não-marxista e anti-extremista. «Se amanhã o marxismo voltar ao poder a responsabilidade não é nossa e cabe inteiramente à AD» - declarou em conferência de imprensa. O insucesso de tal projecto deve-se, segundo o MIRN/PDP, à «cúpula do CDS e ao silêncio possivelmente calculado dos líderes do PSD». Quanto ao êxito alcançado pela AD nas últimas eleições, o presidente do MIRN/PDP considerou-o «marginal», mostrando-se convicto que «a AD, por si só, perderá, com acentuada probabilidade, a maioria parlamentar, em 5 de Outubro.» «Evitar a catástrofe do regresso ao poder do marxismo» e conseguir a eleição de deputados da direita no Parlamento são os objectivos fundamentais da campanha eleitoral que o MIRN/PDP fará, integrado na coligação com o Partido da Democracia Cristã e a Frente Nacional.

Adriano Moreira presidirá ao CDS

Kaúlza de Arriaga afirmou não se ter decidido ainda quanto à sua possível candidatura à presidência, afirmando que se apresentará «se a maioria marxista ganhar as próximas legislativas». Três personalidades políticas mereceram ao longo da conferência de imprensa considerações do presidente daquele partido da direita: Ramalho Eanes, Soares Carneiro e Adriano Moreira. Quanto ao actual presidente da República, Kaúlza de Arriaga mostrou-se favorável à sua não recandidatura, afirmando que o general Eanes «devia regressar ao exército, ao posto de tenente-coronel», discordando, contudo, das «fórmulas de ataques que lhe têm sido dirigidas», uma vez que são ataques ao presidente da República de Portugal. Sobre Soares Carneiro, o dirigente do MIRN/PDP considerou-o um «homem sério», mas não escondeu a sua «perplexidade e expectativa» por algumas das suas afirmações. «O professor Adriano Moreira foi o mais acérrimo defensor do ultramar português: É uma pessoa inteligente e, estando agora no CDS, dentro de pouco tempo será o presidente do CDS» - declarou. No plano internacional, o general Kaúlza de Arriaga afirmou-se «cem por cento multirracial» e adepto dos regimes democráticos presidencialistas. O MIRN foi fundado, como movimento político em 23 de Dezembro de 1976, adoptando a designação e Partido da Direita Portuguesa a partir de 3 de Agosto de 1979. Concorre às eleições legislativas em coligação com o PDC e a FN.»

21 agosto 2020

O ASSASSINATO DE TROTSKY

21 de Agosto de 1940. Morte de Trotsky, na cidade do México, em consequência de um atentado que tivera lugar no dia anterior. Depois da sua deportação da União Soviética em 1929, Trotsky tornara-se uma irrelevância entre os grandes actores políticos. E quanto às questões de doutrina ideológica, só mesmo Ferreira Fernandes ou Francisco Louçã para as abraçar em todo o exotismo... Executar Trotsky naquelas circunstâncias só se consegue compreender como um gesto de vingança pessoal da parte de Stalin e, por isso, é que escolhi para a evocar esta cena pouco conhecida acima do filme O Padrinho II, em que Michael Corleone faz questão de assassinar numa cidade esquecida do Texas, o seu antigo guarda-costas Fabrizio, que outrora o havido traído em O Padrinho I. O processo - uma bomba no automóvel - é precisamente o mesmo que havia sido escolhido para si e que custara a vida à primeira mulher de Michael Corleone.

OS ESTADOS UNIDOS DEIXAM DE ABASTECER OS ALIADOS AO ABRIGO DO PROGRAMA «LEND LEASE»

21 de Agosto de 1945. O presidente Harry Truman anuncia a cessação de fornecimentos ao abrigo do programa «Lend Lease», conhecido em português como «empréstimo e arrendamento». Surgido em Março de 1941, ainda antes da entrada na guerra dos Estados Unidos, o programa permitia que os seus (futuros) aliados se pudessem abastecer de armamento e outros equipamentos industriais sem ter que os pagar de imediato. Ao longo dos quatro anos que o sistema perdurara, o maior beneficiário fora o Reino Unido, que recebera a maioria, cerca de 63% dos fornecimentos prestados ao abrigo deste regime muito favorável, seguido da União Soviética que fora o destino de cerca de 23% deles. Os outros aliados dos americanos (França, China, etc. ) haviam ficado com os 14% restantes. Enquanto perdurou, o sistema permitiu que os co-beligerantes com os Estados Unidos se preocupassem com a guerra agora, e só se preocupassem com as contas depois. O gesto de Harry Truman de há 75 anos, suscitado apenas alguns dias depois do Japão ter assumido a derrota, obrigou-os a preocuparem-se com as contas agora. Ironicamente, a razão para a atitude nem fora condicionar o comportamento do maior beneficiário, os britânicos, que, compreensivelmente, queriam atrasar o mais possível a revogação do regime excepcional; os principais visados por este «tirar de tapete» abrupto eram os soviéticos, que progrediam conquistando no Extremo Oriente sem que os americanos agora precisassem deles. Os imperativos da política às vezes impõem-se, por muito que os aliados mais próximos saiam lesados: a verdade é que os britânicos ficaram completamente entalados e, poucos dias passados, o primeiro-ministro britânico Clement Attlee foi ao Parlamento admitir que assim (a pagar) não ia dar... Dias depois, a notícia do Diário de Lisboa não falava dessa admissão de Attlee, falava do que se escrevia no Daily Herald, o jornal trabalhista que tinha uns redactores, muito engajados, convictos e que até ameaçavam com «represálias», mas que nitidamente não estavam a ver bem o filme... (abaixo): os Estados Unidos tinham a faca e o queijo na mão. O resto da imprensa britânica até se mostrava lucidamente resignada, mas o jornalismo pode ser isto mesmo, é ir buscar «a única nota combativa» e dar-lhe relevo, em vez de elucidar o leitor... Escrever história, evidentemente, sempre foi outra coisa. 

20 agosto 2020

O HOMEM QUE NÃO COLECCIONA BORBOLETAS...

Há coisa de uns anos, já não posso precisar quantos (depois certamente de Março de 2010), comprei este livro. O que me levou a fazê-lo foi a curiosidade a respeito de um nome de que ouvira falar - Alfredo Pimenta - mas, a respeito do qual, quase nada sabia. Uma daquelas figuras da extrema-direita durante o Estado Novo que, mais pelo verbo do que pela acção (Francisco Rolão Preto é outra delas, entre várias mas poucas), conseguem conferir a Salazar, por comparação de discursos, um cunho de razoabilidade pragmática. Diga-se ainda que, ainda a respeito de Alfredo Pimenta, a sua figura não será propriamente daquelas cuidadosamente acarinhadas: a página da wikipedia a seu respeito conta logo com dois erros grosseiros, ao torná-lo director da Torre do Tombo e sócio fundador do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia depois de ter morrido*. Reconheça-se que Riccardo Marchi, o autor do livro acima, trata-o muito melhor do que isso. Mas a narrativa não cativa e os radicais de extrema direita de meados do século passado é assunto do interesse de muito poucos. Mas o pior é mesmo o estilo, embora, sobre isso, acredito facilmente que não me sairia melhor se me propusesse escrever um livro em italiano. Mas a realidade pragmática, salazarista, é que não recomendo o livro (e não o recomendei) a ninguém. Não fiquei com o autor por referência. Reparei depois que os temas da sua predilecção são sempre a extrema direita política (há quem coleccione borboletas...), mas não fiquei seu leitor pelas duas razões supra citadas. E o episódio estaria agora perfeitamente esquecido não fosse a ressurgência - mediática - recente do autor, ao publicar um livro sobre André Ventura e o Chega, que suscitou uma «polémica com 67 intelectuais». Sobre André Ventura, ao contrário de Alfredo Pimenta, tenho umas ideias sobre a pessoa, tenho até uma opinião, acrescentaria mesmo. Qual é, não interessa para o caso. Só interessa que dispenso os contributos de Riccardo Marchi. E mantenho a opinião que formara de não valer a pena comprar mais livros seus, mesmo que, ou sobretudo por, se mostrar agora oportuno, mesmo chique, escrever recensões críticas sobre aquilo que ele escreve.

*«A partir deste ano exerceu funções no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, do qual seria o 2.° director de 1949 a 1951. (...) Foi sócio fundador do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia, em 1953 e da Academia Portuguesa da História, em 1937.» Alfredo Pimenta faleceu em 1950.

O SENEGAL PROCLAMA A SECESSÃO DA FEDERAÇÃO DO MALI

20 de Agosto de 1960. Colapsava o projecto de constituição na África Ocidental de uma Federação de duas antigas colónias francesas, o Senegal e o Sudão (francês). A página da wikipedia que explica o processo político que levou à constituição da federação e as fracturas, também políticas (e pessoais), que levaram a este seu posterior colapso, menciona apenas as duas partes directamente intervenientes, mas esquece-se de se referir ao patrocínio francês, sem o qual o projecto, evidentemente, nunca teria sido sequer tentado. Na realidade, o fracasso tem de ser atribuído à responsabilidade das três capitais: Bamako, Dakar e Paris. Durara dois meses precisos, desde 20 de Junho a 20 de Agosto de 1960. Com a secessão, o antigo Sudão ficou com a propriedade do nome histórico de Mali, pelo qual o país ainda hoje é conhecido. Uma das consequências do episódio foi a de servir de lição para que se refreassem os entusiasmos pan-africanistas de muitos dirigentes africanos da época, quanto à viabilidade da fundação de estruturas políticas mais alargadas, resultantes da junção de antigas colónias recém independentes: tanto quanto as enormes fragilidades das instituições que existiam, os egos dos políticos acabados de chegar ao poder podiam revelar-se obstáculos ainda mais difíceis de superar. Mas, quem à época se apercebesse disto, também se aperceberia o quanto Salazar, e Portugal com ele, estavam completamente fora do seu tempo.

19 agosto 2020

O ELIXIR DO DOUTOR DOXEY: EVOLUÇÃO DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XXI

A história e o folclore do Oeste dos Estados Unidos também contam com a sua dose de vendedores de poções, elixires e outros produtos de cura miraculosa que por cá se denominam por «banha da cobra». O que os americanos conseguiram quando elegeram um imbecil encartado como Donald Trump para presidente, foi fazer com que tais figurões passassem a revestir-se de novo de uma importância que a evolução educativa, cultural e científica da sociedade fazia depreender que se tomara marginal. Este senhor que, abaixo, assegura que descobriu a cura para a covid, conseguiu receber um magnífico tempo de antena para se promover nos Estados Unidos (e no resto do Mundo) através da CNN. Os objectivos de Anderson Cooper e os do entrevistado complementam-se, apesar do conflito: o primeiro demonstra que o segundo é um vigarista. Não sei se o conseguirá demonstrar à totalidade da audiência. O segundo só está preocupado em receber publicidade. E acaba por consegui-la (22 minutos de tempo de antena da CNN!), ainda que seja um sucesso parcial - mas, desconfio que mais algumas vendas ele conseguirá à conta da aparição e da figura de parvo que fez. Para os que o conseguirem acompanhar no original, o diálogo(?) vale a pena...

COMO EVOLUÍRAM AS «BAIXAS» DAS «OPERAÇÕES GNR NA ESTRADA»

Em Agosto de 1980, o feriado de dia 15 calhou a uma Sexta-Feira, ocasionando assim um fim-de-semana prolongado. Dia 19 de Agosto de 1980, fazia-se o balanço dos acidentes de viação durante a «ponte», e o resultado cifrava-se em 40 ou 50 mortes (o título contradiz o desenvolvimento) e 595 feridos. 40 mortos em quatro dias tratava-se, de facto, de uma tragédia. Só que, de então para cá, vários factores se conjugaram ao longo destes quarenta anos para que a mortalidade rodoviária se tivesse reduzido de forma muito substantiva: da última vez em que se conjugou este mesmo fim-de-semana prolongado a meio de Agosto foi em 2014, quando o resultado se cifrou - felizmente! - em apenas 5 mortos e 256 feridos. O que não terá evoluído apropriadamente com essa redução enorme do número de vítimas é o ar grave e trágico como o seu número continua a ser anunciado pelos protagonistas - o ênfase costuma ser muito mais animado quando «este ano» morreu mais gente do que no ano passado!

18 agosto 2020

OS DA GERAÇÃO QUE NÃO SE ENXERGA: ONDE É QUE ELES ESTAVAM NO 25 DE NOVEMBRO?

Comecemos pelo óbvio: constatar que a opinião acima expressa é defensável. É discutível, mas não se trata de nenhum absurdo. Se, por exemplo, tivesse lido a afirmação acima escrita por Catarina Martins, não teria havido razão para este poste. O que me incomoda na afirmação é a identidade de quem a profere, não apenas o autor, mas também a geração a que pertence, a classe social onde se insere, o percurso político que tomou, que são semelhantes aos de vários outros comentadores que aparecem depois a endossar a opinião. Quase todos os que posso identificar com passados como simpatizantes, senão mesmo militantes, de organizações de extrema-esquerda. O que, parece-me elementar, lhes retirará objectividade na comparação entre os dois extremos políticos, na crítica a um e absolvição ao outro. Além disso, como acontece geralmente quando as coisas são assim apresentadas por «simples», consegue-se simplificar as coisas de outra maneira: onde é que o autor da simplificação acima estava no 25 de Novembro? Ou será que o que aconteceu em 25 de Novembro simplesmente não conta, só porque naquela altura ainda não se concluíra a Constituição?... Valia tudo nessa altura? É que vale a pena relembrar o que é que a organização das simpatias de Francisco Seixas da Costa - o MES - defendia a respeito do respeito dos princípios depois consagrados na Constituição (abaixo). E, já que se colocam estas coisas simples em bases geracionais, criticando a «insuportável arrogância» da geração presente: essa geração que esteve do outro lado (da Democracia) no 25 de Novembro que se enxergue de uma vez por todas, e admita que pertencem a uma geração sem qualquer moral para avaliar da bondade ou não dos extremismos políticos. E já agora: que esta crítica não seja interpretada como uma absolvição das ideias fascistas e de André Ventura. Não é.

A BATALHA DE GRAVELOTTE

18 de Agosto de 1870. Trava-se outra das grandes batalhas da Guerra Franco-Prussiana, a de Gravelotte (mais uma vez uso a denominação germânica), nos arredores da cidade de Metz, como se pode perceber pelo mapa acima. Esse mesmo mapa também permite compreender que dois dias antes se havia travado uma outra batalha prévia, menor, a de Vionville (ou Mars-la-Tour), de desfecho indeciso. Mas esta, a de Gravelotte (também conhecida por Saint-Privat), revestiu-se da importância estratégica de impedir a coordenação do Exército do Reno, comandado pelo marechal Bazaine, com o resto das forças francesas sob o comando nominal do imperador Napoleão III, então posicionadas em Châlons. As razões tácticas para a vitória alemã e a derrota francesa continuam a ser as mesmas das batalhas anteriores, já aqui por mim citadas: a superioridade dos efectivos - os alemães alinharam quase 190.000 efectivos contra os 130.000 franceses. As baixas de cada lado, 20.000 do lado alemão e 12.000 do lado francês, equivalem a cerca de 10% dos efectivos engajados na batalha. Os detalhes técnicos - a superioridade revelada pela artilharia alemã versus a superioridade da arma individual da infantaria francesa - revelam-se apenas considerações acessórias depois da constatação essencial, a de que a vitória foi para o beligerante que tinha mais batalhões... A densidade do fogo durante a batalha é que não parecia comparável àquilo que fora costume até então: as expressões cair como em Gravelotte, ou chover como em Gravelotte, entraram no léxico da língua francesa. Abaixo, a  fotografia do Museu da batalha. 

17 agosto 2020

A EDIÇÃO ORIGINAL DE «QUINTA DOS ANIMAIS» DE GEORGE ORWELL

17 de Agosto de 1945. Edição original de Animal Farm, de George Orwell, um pequeno/grande conto que exibia de forma imaginativa o contraste entre o que o comunismo invocava ser e aquilo que o comunismo era. Ao contrário dos seus homólogos continentais, os expoentes da esquerda democrática britânica nunca tiveram quaisquer complexos em chamar os bois pelos nomes ou, neste caso, os porcos por aquilo em que se haviam tornado. Até aos finais do século passado a alusão à imortal obra de Orwell era uma chateação para os camaradas do PCP por nela se explicar que tudo aquilo que eles propagandeavam era uma fraude; hoje ter-se-á tornado outra chateação, mas para a malta do PAN, por nela se estereotipar os comportamentos dos animais... 
A propósito do quanto a obra ainda pode ser tabu e incómoda nos dias que correm, aprecie-se a proeza de se conseguir escrever uma avaliação do livro que contorna o que de principal ele contém e leia-se a apresentação abaixo da editora Antígona da sua própria edição deste livro, em que as críticas se concentram nos «títulos panfletários» de edições anteriores da mesma obra («O Porco Triunfante» ou o «O Triunfo dos Porcos»), sem que na avaliação se aflore, sequer, que a conclusão fulcral do livro é uma denúncia da grande falácia do século XX que foi o comunismo.

«Esta nova tradução de Animal Farm recupera o título original, contrariamente às edições anteriores, que adoptaram os títulos panfletários O Porco Triunfante e – o mais conhecido – O Triunfo dos Porcos. À primeira vista, este livro situa-se na linhagem dos contos de Esopo, de La Fontaine e de outros que nos encantaram a infância. Tal como os seus predecessores, Orwell escreveu uma fábula, uma história personificada por animais.

Mas há nesta fábula algo de inquietante. Classicamente, atribuir aos animais os defeitos e os ridículos dos humanos, se servia para censurar a sociedade, servia igualmente para nos tranquilizar, pois ficavam colocados à distância, «no tempo em que os animais falavam», os vícios de todos nós e as suas funestas consequências. Em A Quinta dos Animais o enredo inverte-se. É a fábula merecida por uma época − a nossa época − em que são os homens e as mulheres a comportar-se como animais.»

UM AGOSTO DE SONHO PARA QUEM GOSTAVA DE CONHECER E RECONHECER BANDEIRAS

17 de Agosto de 1960. A França concede a independência ao Gabão. A ocasião é apenas mais uma de um frenesim gaulês que começara logo no princípio daquele mês, em dias alternados, e que começara pela independência do Daomé em 1 de Agosto, a que se seguira a do Níger no dia 3, a do Alto Volta no dia 5, a da Costa do Marfim no dia 7, a do Chade no dia 11, a da República Centro Africana no dia 13, a do Congo no dia 15 e esta, do Gabão, há precisamente sessenta anos. Para rematar, no dia 20 de Agosto, o Senegal, que se tornara independente da França numa federação conjuntamente com o Mali havia precisamente dois meses(!), resolve romper aquela estrutura e assumir-se como uma nação independente (voltaremos a este último episódio na respectiva data). Entretanto este querido mês de Agosto de 1960, e apenas à conta da França, produzirá nove novas bandeiras(!), que aparecem dispostas acima no sentido tradicional da leitura pela data da acessão dos respectivos países à independência. Concorde-se que o conjunto é assaz colorido, não se tratassem elas de novas nações africanas... Nestes 60 anos, algumas delas mudaram de nome, o Daomé para Benim, o Alto Volta para Burkina Faso. Ambos esses países mudaram de bandeira, conjuntamente com o Congo, mas tanto o Benim quanto o Congo retornaram às originais de 1960 e só o Burkina Faso adopta actualmente uma diferente.

16 agosto 2020

O CASO DO FAX DE MACAU

16 de Agosto de 1990. O caso do fax de Macau está ao rubro. Tornara-se conhecido um ano antes, quando uma empresa alemã, a Weidleplan, pressionara o governador de Macau, Carlos Melancia, exigindo-lhe a devolução de 50 mil contos que adiantara. O escândalo, porque o pedido fora feito através de um fax, ganhara o título de Caso do fax de Macau. Todo o processo começara ainda no mês de Março de 1988, quando o socialista Rui Mateus recebera uma proposta de negócio por parte do representante da empresa alemã em Portugal. A empresa Emaudio estaria a ganhar influência naqueles tempos e Mateus era uma figura incontornável daquele novo agente de comunicação e lobbying, após o sucesso de Mário Soares nas eleições presidenciais de 1986. Carlos Melancia também era um das pessoas associadas à Emaudio, acessoriamente também governador de Macau desde Julho de 1987, e a empresa de consultadoria alemã pretendia ficar como consultora do novo aeroporto internacional a construir no território português no Oriente. Rui Mateus terá conseguiu juntar as partes interessadas em Lisboa, para conversarem sobre o negócio. Em 1989, a empresa concorrera para conseguir a construção do aeroporto de Macau. Confiantes, transferiram dinheiro para o representante português da empresa alemã, que, em nome da Weidleplan, o entregou à Emaudio, 50 mil contos na época, 653 mil euros aos valores actuais, corrupção de alto calibre. A 12 de maio de 1989, a empresa é desclassificada do concurso público para a construção do aeroporto. Indignados, os alemães enviam o famoso fax a pressionar o governador, que os ignora. Através das investigações da Polícia Judiciária, percebeu-se que realmente houve um pagamento por parte da Weidleplan à Emaudio, só que daí para diante tudo se torna obscuro: para além de não se saber quem foi o autor do fax, apesar de ter sido confirmado que proviera da empresa alemã, não se chega a perceber o contexto em que o dinheiro é exigido especificamente ao governador Melancia. Entregaram-lho ou os da Emaudio disseram que o tinham entregue?... Porém, politicamente, as revelações eram demasiado pesadas e causaram a demissão de Carlos Melancia em Abril de 1991, antes que os efeitos do escândalo se propagasse à presidência da República. O conjunto de julgamentos suscitados pelo caso acabou por produzir um desfecho algo complexo em que saiu absolvido o próprio Carlos Melancia, mas condenados quatro intervenientes portugueses associados à Emaudio e dois intervenientes alemães associados à Weidleplan. Ironicamente, e se consultarmos as páginas da wikipedia a eles respeitantes, a de Rui Mateus, o hoje confesso detonador do escândalo, é bem mais desenvolvida do que a de Carlos Melancia, a sua figura mais proeminente.

15 agosto 2020

O JAPÃO RECONHECE A DERROTA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

«A 15 de Agosto de 1945, pelas 16H00, todo o Japão se reúne em volta de altifalantes. Nunca ninguém ouviu a voz do imperador. Ninguém sabe por que convocou todo o seu povo. A maioria pensará que que vai lançar um apelo à luta a todo o transe. A voz ergue-se, muito estranha, surda, fatigada. (Em muitos sítios, há quem se prostre, atendendo à solenidade do momento.) A linguagem formalista, arcaica, é quase ininteligível. Mas o sentido da mensagem não escapa a ninguém. O imperador quer que a luta termine, que se aceite o inconcebível, a derrota, a humilhação, a ocupação.» Abaixo, podemos ver a edição daquele dia do Diário de Lisboa com a transcrição do discurso do imperador. Acessoriamente, a notícia ao lado é a da sentença do julgamento em França do marechal Pétain, condenado à morte, uma condenação em que a própria notícia que a noticia se interroga se irá ser executada. Como aqui se tem dado conta no Herdeiro de Aécio, esta sentença representa sobretudo, politicamente, a desforra final do general de Gaulle, que havia sido, por sua vez, condenado à morte cinco anos antes pelo regime de Vichy. 15 de Agosto de 1945 foi um grande dia do ponto de vista noticioso.

«THE TIMES» CRÍTICA A FRANÇA

15 de Agosto de 1970. Que o The Times criticasse a França não parece ser assunto a que se deva dar relevo. As críticas daquele jornal, a quintessência da britishness, aos seus parceiros e rivais do outro lado do canal da Mancha são uma constante histórica. Todavia, neste caso, vale a pena perceber por que razão aparece a crítica e essa, lendo a notícia que a assinala, dever-se-á à «responsabilidade» francesa pela «lentidão que caracteriza o avanço da integração política europeia»! Isto sim, conhecendo nós o historial dos cinquenta anos posteriores da presença britânica no seio da CEE, esta crítica merece ser assinalada em todo o seu esplendor irónico, por ocasião deste cinquentenário!

14 agosto 2020

QUINZE SEGUNDOS DE FAMA

- Sr. presidente, depois de três anos e meio (de presidência), não se arrepende de todas as mentiras que tem vindo a pregar ao povo americano? 
- Todas as quê? 
- Todas as mentiras, todas as desonestidades. 
 - Quem as pregou? 
- O senhor. Dezenas de milha... 

Trump corta a pergunta fazendo sinal a um outro jornalista, que lhe faz uma pergunta sobre impostos. Deu jeito, como dá sempre jeito nestas sessões saber-se de antemão quem são (e onde estão) os jornalistas malignos e os jornalistas benignos s vezes Trump não se prepara devidamente...). Porém, constata-se que estas sessões com Trump na Casa Branca são enfadonhas. Ainda ontem, a CNN reproduziu sessões distintas em que Donald Trump repete em qualquer delas precisamente a mesma frase, ao mesmo ritmo e com a mesma entoação (abaixo). As excepções a essa absoluta falta de interesse são as que se vêm acima, quando o jornalista foge ao script das perguntas programadas ou então não se fica com mais uma das respostas mentirosas do presidente (no Washington Post, que as conta, escreve-se que o contador de mentiras está em 20.000 desde o princípio do mandato...). Contudo, para o fazer, o jornalista tem frequentemente que se esquecer que o presidente é o presidente. Porém, até isso se afigura cada vez mais fácil, quando se toma em conta que o presidente é apenas Donald Trump. Foi Andy Warhol que, há mais de cinquenta anos, popularizou a expressão quinze minutos de fama; hoje, nem isso: o repórter que colocou a questão a Trump (S.V. Dáte) tornou-se, ele próprio, notícia. E precisou de apenas quinze segundos...