07 agosto 2020

O «INCIDENTE» DO TRIBUNAL DO CONDADO DE MARIN NA CALIFÓRNIA

7 de Agosto de 1970. O preâmbulo deste «incidente» tivera lugar em 16 de Janeiro de 1970, quando três presos negros da cadeia de Soledad (Califórnia) haviam assassinado um dos guardas (branco) em retaliação pelo assassinato de três outros presos negros por um outro guarda prisional (branco) dois dias antes.O caso adquirira contornos político-raciais. O «incidente» desencadeou-se há precisamente 50 anos, quando um irmão de um dos envolvidos no assassinato acima, atacou armado o tribunal de São Rafael no condado de Marin (ainda na Califórnia), e tomou como reféns um juiz (em destaque na fotografia acima), um procurador e ainda mais três membros de um júri. A ele associaram-se três réus (também negros) que estavam presentes no tribunal. As suas exigências eram a libertação do trio que estivera envolvido no assassinato do guarda prisional, que ficara entretanto conhecido por «Soledad Brothers» (brothers no sentido afro da expressão...). Entretanto pediram também um transporte para abandonarem as instalações do tribunal. A fotografia acima foi tirada nessa altura, quando se vê o juiz a sair do tribunal com uma caçadeira de canos serrados apontada à cabeça do juiz. Como seria de prever, a viatura que os transportava foi interceptada pela polícia mais adiante, a que se seguiu uma viva troca de tiros, onde foram abatidos três dos quatro sequestradores... acompanhados da morte do juiz e de ferimentos em mais dois reféns (o procurador não mais voltaria a andar). Não terá sido propriamente o episódio mais brilhante de resgates de reféns. O «incidente» durara 34 minutos. O sequestrador sobrevivente foi condenado a prisão perpétua. Ainda hoje continua a cumprir pena.
Ninguém dúvida que os Estados Unidos são uma Democracia e que por lá todos podem escrever tudo acerca de tudo. Mas há uns certos tópicos, sobre os quais existe um certo «consenso» - e esse consenso vai da comunicação social mais conservadora à mais liberal (da Fox News à CNN) - que os leitores ou espectadores não estarão interessados em saber muita coisa sobre assuntos desses. Destes. Um dos axiomas em que assenta a imagem que os Estados Unidos pretendem vender de si mesmos é que as (múltiplas) acções violentas domésticas não podem ter motivação política. Ou então, quando a têm, é porque essas acções são protagonizadas por estrangeiros como foi o caso do 11 de Setembro de 2001. É um aborrecimento para o establishment ter que explicar quais foram as motivações políticas radicais de - por exemplo - um Timothy McVeigh, quando ele fez explodir um edifício em Oklahoma, causando a morte de 168 pessoas. E quando, como neste caso, a comunicação social se depara com episódios de terrorismo e de verdadeira guerrilha urbana desencadeada por questões político-raciais, o melhor é minorá-los, denominando-os por «incidentes». E sobretudo, não lhes dar muita visibilidade... não se vá pensar por aí que os negros na América se sentem discriminados e que estão dispostos a pegar em armas para o combater... Voltando a 1970, cá em Portugal, o problema de ser notícia que os pretos americanos se portavam mal nem se punha: nesse mesmo dia 7 de Agosto de 1970 não havia nenhuma notícia a respeito do «incidente»; em contrapartida, ficava-se a saber que, ainda e sempre na mesma Califórnia, os «Hippies» haviam invadido a Disneylândia... e isso, sim, apesar de não ter morrido ninguém, afigurava-se grave.

Sem comentários:

Enviar um comentário