16 abril 2021

AS COMPLICADAS FRONTEIRAS DE BENGALA

Foi a província de Bengala que serviu de núcleo para a agregação do Império Britânico das Índias. A sua capital, Calcutá (actualmente designada por Kolkata), foi também a capital do Império até 1911. Dentro do Raj, os bengalis concebiam-se e assumiam-se como uma vanguarda entre as várias culturas indianas: em 1913 foi um dos seus, o poeta Rabindranath Tagore, a receber o primeiro Prémio Nobel da Literatura atribuído a um não-europeu. Também representavam exemplarmente o que era a sociedade indiana na forma como, debaixo da identidade cultural, as confissões religiosas se misturavam. De acordo com o censo de 1931, 54,4% da população da província era muçulmana – nos dois mapas acima estão assinaladas a cinzento as regiões onde os muçulmanos estavam em maioria. Trata-se porém de uma representação que não mostrará toda a realidade: é que 25% da população de Calcutá também era muçulmana. Esses detalhes tornaram-se muito importantes em 1947, quando do fim do domínio britânico e da Partição do Império entre a Índia e o Paquistão. Separada geograficamente do resto dos territórios de maioria muçulmana da Índia (abaixo), também se traçaram fronteiras em Bengala (acima). As fronteiras então traçadas sob pressão, separando a Índia do que então se tornou o Paquistão Oriental, tornaram-se não só nas mais extensas como também nas mais complexas fronteiras do subcontinente. Na actualidade e como se vê acima, a Índia tem 3.400 km de fronteiras com a China, 2.900 com o Paquistão, 1.700 com o Nepal, 1.500 com a Birmânia e ainda 600 com o Butão. Porém, apesar das aparências geográficas, a fronteira mais extensa da Índia, por causa do seu formato sinuoso (mais de 4.000 km) é com o Bangladesh, o país que resultou da secessão do Paquistão Oriental em 1971.
O senso comum indicar-nos-ia que o traçado de fronteira tenderia a separar as regiões de maioria muçulmana das regiões onde a maioria da população pertencesse a outra confissão – predominantemente os hindus. As realidades do terreno obrigaram a que o traçado da fronteira tivesse que se ajustar e a realidade, bem diferente, pode ser apreciada no mapa acima. Metade da extensão da fronteira (51%) atravessa regiões onde há uma mesma maioria religiosa dos dois lados: 20% muçulmana, 16% hindu e 15% outras confissões¹. E em 120 km há até uma maioria hindu do lado do Bangladesh e muçulmana do da Índia!
À esta questão do traçado da fronteira junta-se ainda a existência de 197 enclaves – são 74 bangladeshis em território indiano e 123 indianos no do Bangladesh!… Numa fronteira tão complexa e, por isso, propensa a incidentes, o que será de surpreender é a ausência deles. Hoje completam-se vinte anos sobre o início do único grande incidente fronteiriço envolvendo a Índia e o Bangladesh (acima e abaixo: um soldado, respectivamente, indiano e bangladeshi, de sentinela numa atitude quase idêntica), e que custou a vida a 81 guardas indianos e a 2 soldados bangladeshis. Tendo em conta as rivalidades do subcontinente, sobretudo as entre a Índia e o Paquistão, este registo quase parece ser um verdadeiro milagre considerando a complexidade do traçado...
¹ Budistas, cristãs ou animistas.

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