02 março 2011

UMA HISTÓRIA DA LÍBIA… DE HÁ 1650 ANOS ATRÀS

Léptis Magna foi uma próspera cidade da Líbia, localizada a 130 km a Leste da actual capital do país, Tripoli, e célebre na Antiguidade por ter sido o berço do Imperador romano Septímio Severo (146-211 d.C.). Ainda hoje, se encontram no local algumas das ruínas mais impressionantes da Antiguidade (acima). A nossa história começa 150 anos depois da morte do mais ilustre filho da terra quando, ao longo da década de 360, os arredores da cidade, já então protegida por muralhas, se viram repetidamente alvo de ataques e pilhagens de tribos nómadas oriundas das regiões desérticas do interior.

A Administração local, os Conselheiros municipais de Léptis Magna, pediram auxílio a Romano, o Comandante Militar da província. Este reuniu um contingente para o efeito e pediu que o município contribuísse com 4.000 camelos. Embora fosse prática da época que os municípios contribuíssem logisticamente para este tipo de operações, é muito provável que este pedido de Romano, dada a dimensão do contingente, fosse irrazoável. Romano deveria estar interessado em enriquecer à custa dos animais excedentários, que depois revenderia. Os Edis de Léptis Magna é que não alinharam no estratagema...

…e Romano mandou retirar as suas tropas. Os raides continuaram. Uma delegação de notáveis de Léptis Magna partiu para Milão, no Norte da Itália, para se encontrar com o Imperador Valentiniano I (321-375) e lhe dar conta da situação. Romano apresentou a sua versão dos acontecimentos, mas as notícias que lhe chegavam do Norte de África fizeram com que Valentiniano se decidisse a investigar a situação localmente através do seu funcionário Paládio, que entretanto fora encarregado de transportar para aquela província os salários dos militares ali colocados e agora se via promovido a inspector…

Acontece que o pagamento anual dos soldados romanos era outro negócio sórdido. Os diversos comandos locais inflacionavam as listas dos efectivos sob seu comando para receberem os salários dos soldados virtuais. Mas, para que isso se concretizasse, era também precisa a cumplicidade dos funcionários como Paládio, que estavam presentes no acto do pagamento. Paládio estava envolvido nesses esquemas, Romano sabia disso e chantageou-o quando o primeiro teve que elaborar o seu relatório para entregar ao Imperador. E assim Valentiniano ficou esclarecido: os queixosos de Léptis foram executados…

Para que a história não fosse completamente imoral, o narrador original (Amiano Marcelino) acrescentou que, alguns anos depois, em 373, a incompetência e a venalidade de Romano haviam provocado uma situação de insegurança tal na África romana que se desencadeou uma Revolta que desafiou a própria autoridade central do Imperador Valentiniano I. Este teve que enviar um corpo expedicionário para a dominar comandado por Teodósio. E as investigações deste último acabaram por descobrir a verdade do pacto firmado anos antes por Romano e Paládio. Os dois cúmplices foram, por sua vez, executados…

Mas, apenas para provar que, para existir moralidade nas histórias destes tempos turbulentos da Antiguidade, isso tem mais a ver com o momento em que as damos por findas do que com a Verdade histórica e a aplicação da Justiça, acrescente-se que passados uns escassos três anos, veio a ser a vez de Teodósio que, mesmo tendo sido o vencedor da Revolta africana e o justiceiro da história anterior, acabou por subir por sua vez ao cadafalso…

4 comentários:

  1. Uma amiga minha visitou Leptis Magna há cerca de 2 anos e ficou impressionada com o que restava da arquitectura. A cidade era tão desenvolvida e tinha um sistema de distribuição de água com banhos e jardins de tal modo importante que esgotaram as reservas da região. O abandono da cidade, que fica numa zona desértica ficou a dever-se à falta de água.

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  2. É costume nesses locais darem-se essas explicações simplificadas aos turistas mas a verdade é que houve mais aspectos para além da sobre-utilização da água que levaram à desertificação total da cidade.

    As franjas costeiras da Líbia são muito menos áridas do que a nossa imaginação costuma conceber: ainda outro dia, enquanto discursava, Gaddafi estava de chapéu-de-chuva na mão porque estava a chover...

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  3. A. Teixeira,
    O que esta minha amiga faz é turismo cultural, uma coisa que não existe em Portugal. Nessas viagens são acompanhados por historiadores e não por guias turísticos.

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  4. O livro de onde retirei a fotografia que inseri no poste (Atlas of The Roman World), que dedica algumas páginas à cidade, não faz qualquer menção a esse esgotamento das fontes aquíferas como causa para o despovoamento e desertificação de Léptis Magna. Também os livros que consultei para verificar os pormenores da narrativa de Amiano Marcelino, envolvendo os acontecimentos dos períodos da segunda metade do Século IV e posteriores da cidade, não mencionam nada. Finalmente, apesar das reservas que se devem fazer à sua consulta, a Wikipedia (http://en.wikipedia.org/wiki/Leptis_Magna) também não o diz. Aliás, no mesmo sítio podem-se consultar mapas que mostram que a cidade se situava junto à embocadura de um uade (http://en.wikipedia.org/wiki/File:LY-Leptis_Magna.png)...

    Possivelmente tratar-se-á de uma teoria nova, que por agora apenas é acessível a quem lá faz turismo cultural.

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