30 novembro 2020

O DISCURSO DE SALAZAR

30 de Novembro de 1960. Dois dias depois de, como aqui se evocou, a França ter concedido a independência à Mauritânia, a sua 14ª colónia africana a alcançar esse estatuto naquele ano, em Lisboa, o presidente do Conselho protagoniza uma cerimónia de resposta àquilo que se designa por «campanha anticolonialista». Na Assembleia Nacional ficou marcada para as 18H30 uma sessão especial em que António Salazar fará uma «exposição» sobre o actual momento político internacional e as pressões que o governo português tem vindo a receber a respeito dos seus territórios dependentes. A «exposição» será transmitida em directo por todas as emissoras de rádio e também pela recém aparecida televisão, numa emissão completamente excepcional. Quanto aos jornais, de que é aqui exemplo o Diário de Lisboa, esses reservam uma terceira edição com o conteúdo do discurso de Salazar, que teve a duração de aproximadamente uma hora.
Quanto ao conteúdo da «exposição», esse poderá deduzir-se facilmente das palavras escolhidas para o título da primeira página, mais acima. No seu estilo característico e falando diante de um auditório complacente, Salazar desconversa, satisfeito com as alterações constitucionais de 1951, como se o expediente pudesse iludir os actores políticos internacionais, como se o tempo político não passasse e a ordem internacional permanecesse essencialmente na mesma. Contudo, se por cá olhássemos para a Europa colonizadora e as nossas grandes referências, no Reino Unido falava-se dos «ventos de mudança» que varriam África e em França, para além da 14 independências já concedidas, preparava-se um referendo sobre a autodeterminação da Argélia. Salazar bem poderá vir ainda a criar em 1965 aquela expressão do «orgulhosamente sós», mas esta caminhada para o isolamento não tem qualquer escapatória, a 60 anos de distância percebe-se que era um disparate político total.

A ÚLTIMA EDIÇÃO DO DIÁRIO DE LISBOA

30 de Novembro de 1990. O Diário de Lisboa, que tanta ajuda me tem dado a acompanhar o que se pensava precisamente na época das efemérides que aqui vou invocando, publica a sua última edição. Agradecido mas crítico até ao fim, não deixo de notar que nessa última edição o jornal inclui três páginas (2,3,4) repletas de depoimentos de mediáticos todos pesarosos na resposta à pergunta do que pensam do encerramento do jornal. Hipocrisias. A resposta prosaica é que o Diário de Lisboa não tinha leitores nem, sobretudo, mecenas que o sustentassem. E apetecia mesmo investigar quantos daqueles 35 depoentes é que compravam regularmente o jornal prestes a desaparecer. Isto de se proclamar que se gosta muito de algo prestes a desaparecer e não fazer o mínimo gesto para a preservar é o que há mais para aí...

29 novembro 2020

A DEMAGOGIA EM TORNO DA DEMAGOGIA

Uma das maneiras mais descaradas de se ser demagógico, e que Helena Matos utiliza no raciocínio acima, é a de começar a sua versão da história pelo momento que lhe é mais conveniente. Convém lembrar que «a demagogia em torno da violência policial» foi precedida pela demagogia em torno da actuação policial. E recordar que, nos Estados Unidos, a série televisiva Cops começou em 1989 na Fox e que já se vai na sua 32ª época (com 1103 episódios!). Uma série onde já se sabe, de antemão - demagogicamente, que isto da demagogia funciona para os dois lados - que em todos os episódios os polícias são sempre bons e que os outros são sempre maus. Uma série que, de tão antiga e tão difundida, eu aposto que Helena Matos já deva ter visto, embora desconfie, pelo título que acima escreve, que a ela lhe possa ter escapado esse outro lado pró-policial da demagogia.
E talvez esta perenidade da série Cops a ajude a compreender o carácter peculiar da profissão policial e responder-lhe às perguntas que acima coloca, quando compara a dos polícias a outras profissões. É que eu não conheço série norte-americana equivalente denominada (hipoteticamente) Docs ou Judges em que se transmitissem cenas dramáticas nas urgências de um hospital ou numa sala de audiências. Reconhecendo-se o corporativismo arreigado de qualquer dessas corporações, tão escandalosamente parcial quanto o da corporação policial, constata-se contudo que as suas más práticas parecem não suscitar paixões sociais tão inflamadas quanto as das más actuações policiais. E, por falar nestas últimas, recordemos ainda que o exemplo documentado em vídeo mais antigo e famoso (mais uma vez na América) é o do enxerto de porrada arriado a um condutor negro chamado Rodney King em 1991.
E recorde-se ainda que foi a absolvição em tribunal dos quatro polícias filmados acima a bater em King que esteve por detrás dos distúrbios em Los Angeles em Abril de 1992. Mas será preciso esperar pelo menos mais uma década e meia para que a proliferação dos telemóveis com capacidade de filmar tornasse a guerra entre as duas demagogias simétrica. Exemplos de má conduta policial têm agora uma capacidade de difusão, graças aos canais da internet, que se podem vagamente equivaler às actuações policiais irrepreensíveis da série Cops (e equivalentes) nos canais da Fox. O resultado do que aparece publicado em canais do YouTube como Audit the Audit são episódios de uma relação real da América com a sua polícia que os mais de mil episódios da série rival nem sequer afloraram. Desconfio que a polícia americana não são apenas alguns dos broncos que aparecem nos vídeos de Audit the Audit.
Mas também o são. E os repórteres do programa Cops da Fox tiveram 30 anos para mostrar esse outro lado e (não por acaso) nunca o fizeram. O remate de toda esta história é aquela nossa tradicional predisposição para seguir as modas da América, agora em clima de se desforrar da polícia. Mas, para regressar aonde começámos, o que não se ponham são as pessoas do jaez ideológico de Helena Matos a armarem-se em sonsas, como se descobrissem que a demagogia crítica a respeito da conduta das forças policiais começou só há poucos anos, apenas quando passou a haver estas novas oportunidades técnicas de os filmar a cometer aqueles pecados que antes se escapavam, jamais comprovados, muito menos sancionados.  

PARABÉNS AO CAMARADA YEGOR LIGACHEV

29 de Novembro de 2020. É o aniversário de Yegor Ligachev. Para os comunistas que já se tenham esquecido da importância histórica deste seu camarada, vale a pena recordá-lo como o apparatchik que foi eleito ao mesmo tempo que Mikhail Gorbachev (1985) e que, como seu segundo secretário, estaria encarregue de o policiar em nome da facção conservadora do Politburo. A História comprova que não terá sido lá muito bem sucedido, mas, esquecendo isso, o que vale a pena realçar é que hoje é o centésimo aniversário de Yegor Ligachev, o que é uma bonita idade. E, como a solidariedade para com essa facção que se opôs desde o princípio à Perestroika faz integralmente parte do património do PCP, não teria sido desapropriado aproveitar este último dia do XXI congresso do PCP em Loures para dedicar ao camarada Yegor Ligachev, um camarada puro e duro, como todos os verdadeiros comunistas gostam, um colectivo e sentido Parabéns a Você (em russo, de preferência).

O EQUÍVOCO DESVENDADO DE AUNG SAN SUU KYI

(Republicação)
29 de Novembro de 2010. A capa da revista Time desse dia formula o voto que a libertação de Aung San Suu Kyi da prisão domiciliária a que fora submetida se tornasse em algo mais substantivo do que o seu estatuto de "ícone da democracia". Aung San Suu Kyi recebera, entre muitas outras distinções, o Prémio Nobel da Paz em 1991, pelo seu combate pelo estabelecimento de um regime democrático na sua Birmânia natal. Oito anos depois daquela capa e daqueles votos por onde já perpassava a dúvida, a resposta a eles parece inequívoca. Aung San Suu Kyi tem sido despojada consecutivamente de muitos dos galardões que recebera por tudo o que não tem feito para pôr cobro à perseguição de que têm sido vítima uma das minorias étnicas e religiosas do seu país, os rohingya. Uma primeira constatação de todo este episódio é quanto o mundo mediático pode ser propenso a criar mitos que não têm necessariamente a ver com a realidade. Pessoalmente, Nelson Mandela revelou-se um grande presidente da África do Sul, pessoalmente, Aung San Suu Kyi revelou-se uma nulidade política. E há uma segunda constatação: a de que Donald Trump parece ser tão estúpido e tão ignorante sobre estes temas que nem soube aproveitar-se desta asneira flagrante da diplomacia americana do tempo de Obama. Como se pode ler abaixo, deixou a oportunidade para o seu vice-presidente Mike Pence. Ou então, o gesto até pode ter sido deliberado, o que quererá dizer que Donald Trump não se quer ver pessoalmente associado a essas coisas piegas, como são sempre as causas humanitárias...

UMA HISTÓRIA INVEROSÍMIL

Bissau, 29 de Novembro de 1970. Uma semana depois da operação Mar Verde e para justificar a recuperação dos 26 prisioneiros que estavam detidos em Conakry, o governo da província emite um comunicado completamente inverosímil em que os torna protagonistas de uma evasão colectiva, sem entrar em detalhes como haviam conseguido percorrer os cerca de 350 km de Conakry até à fronteira, numas estradas onde, ainda hoje e com cinquenta anos passados, se demora onze horas(!) a viajar de automóvel de Bissau até Conakry, à média horária estonteante de 52 km/h. Tempos interessantes estes, em que se podiam contar aventuras destas nos jornais sem receio de que quem lá escrevia as pudesse desmentir por absurdas, e em que havia uma diferença nítida entre o que se sabe por ter lido e o que se sabe por ter ouvido dizer.

28 novembro 2020

PARA QUE DEPOIS NÃO SE DIGA QUE NÃO FICOU ESCRITO - 2

No princípio deste mês, na véspera das eleições presidenciais americanas, eu referi-me a este senhor de laçarote catita que havia aparecido na CNN a antecipar a vitória de Donald Trump. Acontecesse o que acontecesse, voltaria a falar dele aqui no Herdeiro de Aécio. Se tivesse acertado teria sido um herói e a minha alusão teria sido insignificante nos hossanas que os vencedores republicanos lhe dedicariam. Só que se enganou e ninguém se quer lembrar dele... Se as empresas de sondagem americanas em geral passaram uma vergonha por prognosticarem uma vitória folgada de Joe Biden, esta empresa em particular e o senhor do laço em especial (chama-se Robert Cahaly) passaram uma vergonha ainda maior ao enganarem-se até na identidade do vencedor. Mas o melhor ficou guardado para o depois das eleições: quando os resultados demonstraram claramente que as suas previsões estavam erradas (abaixo), a sua resposta foi acusar os escrutinadores de fraude, quando a fraude - óbvia e à vista de todos - foram as suas previsões pifométricas.

A INDEPENDÊNCIA DA MAURITÂNIA

28 de Novembro de 1960. A França concede a independência da Mauritânia. Nesse ano frenético de 1960, este é o 14º país africano a que a França concede a independência. Com tantas cerimónias encadeadas, deixara de haver propósito e mesmo pachorra para que o chefe de Estado francês, o general de Gaulle, dignificasse todas as cerimónias com a sua presença. Típico da rigidez gaullista, não podendo ir a todas, não vai a nenhuma. Neste caso ele é substituído pelo 1º ministro Michel Debré, que chega a vestir-se com o típico traje local (0:40), algo que seria impensável com o general.

27 novembro 2020

«PALAVRAS PARA QUÊ?...

...é uma artista portuguesa e só usa Pasta Medicinal Couto», como se ouvia originalmente na banda sonora do anúncio abaixo, antes da revisão pós 25 de Abril. Alguém sabe o nome do português que, com tanta habilidade abocanha a cadeira? O que se constata é que, mais de 45 anos depois, aquilo que era um anúncio, agora torna-se numa notícia quando os dentes são de uma famosa

«A LEI DO PÃO»

27 de Novembro de 1970. Os jornais davam conta do desagrado popular com as alterações que haviam sido introduzidas ao comércio de pão. Lembro-me perfeitamente do desagrado lá em casa com o desaparecimento - por decreto! - do tradicional papo-seco, substituído - por razões que não se explicavam - por novos formatos: cacetes e bolas. Percebo eu hoje que a legislação e os novos formatos eram apenas o pretexto para um aumento disfarçado dos preços do pão, como os consumidores estavam então a descobrir. Desde a revolução francesa que se sabe quanto o pão pode ser uma questão sensível para a formação da disposição das massas populares.

E, MAIS UMA VEZ, JOSÉ MANUEL FERNANDES TENTA FALAR DA AMÉRICA SEM CRITICAR DONALD TRUMP...

Em primeiro lugar, não foi durante semanas, foi durante anos. Em segundo lugar, os horrores que se disseram não foi sobre a democracia americana, foi sobre a conduta do seu mais alto representante, Donald Trump. E em terceiro lugar, no fim do dia, a democracia funcionou APESAR de Donald Trump. Só se sente (e faz sentido mencionar) o PODER das instituições quando elas têm que se IMPOR AOS ACTORES POLÍTICOS em casos como este, em que eles haviam expresso a intenção de subverter as suas regras.
E, mais uma vez, assim se constatam os esforços porfiados de José Manuel Fernandes para evitar falar do comportamento desprezível de Trump, escapando-lhe, neste caso, a lógica de, na sua argumentação, para tentar "tapar a cabeça", acaba por "destapar os pés"... Vigarice...
Comentário em adenda: Desde há mais de quarenta anos que acompanho as eleições presidenciais na América e nunca, até agora, se havia dado qualquer importância àquilo que não passava de um mero acto administrativo: a formalização da eleição presidencial através dos 538 eleitores cujos votos haviam ficado comprometidos em consequência dos resultados eleitorais. É uma cerimónia tão enfadonha (e extensa) que nem as próprias televisões americanas se interessam por ela. Olhando para a notícia abaixo estou apostado em prever que, desta vez, a vão transmitir, só porque Donald Trump disse o que disse. Parece que o jornalismo em peso reduz a sua inteligência à estupidez de Trump, incapaz de o criticar por ele, como uma criança mimada mas sobretudo estúpida, não saber distinguir entre a substância e a forma.

O XXI CONGRESSO DO PCP


A versão oficial estilizada do congresso do PCP é a de cima, agora se o pudesse sintetizar como o concebo numa fotografia, então escolheria esta abaixo. CCCP eram as iniciais que identificavam a saudosa União Soviética.

26 novembro 2020

OS RUMORES DA NACIONALIZAÇÃO DA BANCA FRANCESA

26 de Novembro de 1945. Conforme se podia ler no Diário de Lisboa, corriam rumores cada vez mais insistentes que o governo francês, presidido pelo general de Gaulle, manifestava a intenção de proceder à nacionalização do sector bancário. Este é um daqueles rumores que se irá confirmar: no fim da semana (6ª Feira dia 30 de Novembro) o projecto de Lei é apresentado para ser votado no Domingo (2 de Dezembro) e entrar em vigor na 2ª Feira imediata. Tempos longínquos em que a banca era nacionalizada sem ser por estar à beira do colapso!...

O 69º ANIVERSÁRIO DE CICCIOLINA... CURIOSO NÚMERO

26 de Novembro. A ex-actriz pornográfica húngaro-italiana Ilona Staller completa hoje 69 anos. E 69 é um número curioso como o classificou, numa sua saída célebre, o antigo presidente da Assembleia da República, o ascético João Bosco Mota Amaral (acima). Quanto à aniversariante, que ficou popularizada internacionalmente com o nome de Cicciolina, a notoriedade que ela alcançou transbordou muito para além do mundo algo clandestino e circunscrito da pornografia. Essa notoriedade foi alcançada através da ousadia das suas acções promocionais, de que um excelente exemplo é a sua passagem por Portugal em Novembro de 1987 e do estardalhaço que conseguiu gerar, (amplificado pela comunicação social) na mesma Assembleia da República que tanto apreciou depois o 69 de Mota Amaral. A antiga deputada do partido radical italiano está hoje esquecida, em situação financeira frágil, mas esta evocação do seu 69º aniversário serve sobretudo para lembrar que a palhaçada na política não começou com Donald Trump e que não acabará com ele. Mas a eleição de um palhaço para a Casa Branca tornou-se um dos feitos recentes mais memoráveis dos norte-americanos, eles que tanto se orgulham de protagonizar as maiores façanhas mundiais.

25 novembro 2020

A BATALHA DO RIO CH'ŎNGCH'ŎN

25 de Novembro de 1950. As tropas chinesas enviadas para a Coreia desencadeiam uma ofensiva ao longo do vale do rio Ch'ŏngch'ŏn, que corre sensivelmente a 80 km a sul do rio Yalu que define a fronteira entre os dois países (veja-se acima, à esquerda). À medida que progrediam para Norte, desbaratando e perseguindo o exército norte-coreano, desde o mês anterior que os serviços de informações do exército ao serviço das Nações Unidas tinham vindo a acumular indícios da presença crescente de tropas chinesas em território coreano. Este indicador de precaução colidia com a agenda política interna (norte-americana) do comandante do contingente da ONU, o general MacArthur. Este, numa das suas famosas tiradas políticas para consumo doméstico, prometera que as operações estariam terminadas antes do Natal: o slogan era «Home by Christmas» (em casa pelo Natal), referindo-se sobretudo aos norte-americanos. E a propaganda reflectia essa confiança: o Diário de Lisboa do dia em que a ofensiva chinesa começou (abaixo) noticiava «100.000 americanos e sul-coreanos» a «progredir» «excedendo os planos previstos» e já se antecipava aquilo que fazer depois: «Ocupação militar ou zona desmilitarizada?» Tanta arrogância foi desbaratada no terreno em cerca de uma semana por cerca de 230.000 chineses nesta batalha do rio Ch'ŏngch'ŏn. Sobre as consequências militares e políticas de tal desaire teremos ocasião de as analisar em posteriores evocações.

24 novembro 2020

A AFLUÊNCIA DE REFUGIADOS (JUDEUS) À PALESTINA

24 de Novembro de 1940. Um dos aspectos colaterais da Segunda Guerra Mundial que raramente era referido pelas notícias era o dos refugiados que gerava. Destaque-se a notícia acima pela sua raridade, a destacar a questão dos refugiados judeus que, sob a pressão dos acontecimentos na Europa e da hostilidade alemã, e apesar das dificuldades, mesmo assim conseguiam fugir para a Palestina, que estava então sobre Mandato britânico. Nesta notícia de há 80 anos podia ler-se a certa altura: « ...a imigração ilegal e clandestina para a Palestina é considerada pelo governo britânico de natureza a afectar e prejudicar a situação local, em prejuízo dos interesses britânicos no Médio Oriente, pelo que 1.771 refugiados judeus que chegaram recentemente a Haifa, em dois navios, foram proibidos de desembarcar.» Note-se que esta decisão não diferia da que o governo português tomara a respeito de outros navios de refugiados que haviam aportado a Lisboa alguns meses antes, como contei aqui no Herdeiro de Aécio. E recorde-se que o (mau) tratamento dado aos judeus pelos alemães ainda não atingira em 1940 as proporções hediondas de que se viria a revestir mais adiante. Mas a questão do afluxo de imigrantes judeus na Palestina também não é para ingénuos: no dia seguinte ao desta noticia rebentava uma bomba num dos navios surtos no porto de Haifa. O navio estava repleto de refugiados judeus e preparava-se, depois da sua entrada ter sido rejeitada na Palestina, para os transportar para a ilha Maurício. A ideia seria danificar o navio a ponto de impossibilitar tal viagem. Mas correu mal. O navio afundou-se num quarto de hora (fotografia abaixo) deixando centenas de pessoas aprisionadas no seu interior. Morreram oficialmente 267 pessoas, talvez menos (encontraram-se 209 cadáveres), já que naquelas circunstâncias e para os refugiados era vantajoso desaparecer e ficar clandestino na Palestina. A organização terrorista judaica Haganah só veio a assumir a autoria do atentado em 1957. E, apesar do que fora publicado na véspera, nada disto veio a ser noticiado no Diário de Lisboa...   

23 novembro 2020

A QUALIDADE DAS PREVISÕES DA MOODY'S

Mesmo que a Moody's se tenha enganado espectacularmente quanto ao desfecho das eleições presidenciais americanas, isso não a impediu de, três dias depois, expressar opiniões muito seguras e fundadas sobre a economia portuguesa, através da contribuição passiva costumeira da Lusa.

A EXCLUSÃO DOS VELHOS CARDEAIS

23 de Novembro de 1970. Em lugar de destaque (primeira página), mas ainda assim num formato discreto e conciso, dá-se conta da última decisão do papa Paulo VI (então com 73 anos), a de excluir futuramente os cardeais que tivessem atingido os 80 anos das votações para a eleição daqueles que viessem a ser os seus sucessores. Esta decisão iria excluir 25 dos 127 cardeais existentes, reduzindo os votantes do colégio dos cardeais a 102. Os jornalistas incidiram os comentários a esta decisão de Paulo VI na questão de se criar um maior equilíbrio das nacionalidades naquele colégio. Na realidade, 11 de 25 cardeais que perderam o direito de voto eram italianos (e 2 eram portugueses...), o que reduziria marginalmente a predominância dos cardeais daquela nacionalidade no colégio: de 38 em 127 (30%) para 27 em 102 (26,5%). A partir daí, eles podiam escrever uma daquelas histórias jornalísticas sobre a possibilidade de que o próximo pontífice fosse de uma outra nacionalidade que não a italiana, algo que não acontecia desde 1522 com o papa Adriano VI. A história agradaria aos leitores, mas nem por isso era verdade. A predominância de papas italianos no passado explicava-se mais pelo facto de a cúria romana ter sido sempre composta quase exclusivamente por italianos do que pela distribuição das nacionalidades entre os cardeais. Especulando quanto às intenções de Paulo VI, seria mais provável que a medida tivesse uma intenção de remover a geração de prelados mais velha, aquela que se mostrava mais relutante às conclusões alcançadas no Concílio Vaticano II (1962-65).

22 novembro 2020

«THE THATCHER ERA IS OVER»

22 de Novembro de 1990. Como dizia Jeremy Paxton naquele dia na BBC (acima), era mesmo preciso que as pessoas se beliscassem para se convencerem que «a Era Thatcher chegara ao fim» (The Thatcher Era is over). A renúncia de Margaret Thatcher devia-se ao facto de, apesar de ter vencido claramente (204 votos) uma eleição interna disputada entre os 372 deputados conservadores, ao alcançar esse resultado a primeira-ministra não conseguira a maioria qualificada requerida, ou seja, mais 56 votos do que o segundo colocado (Michael Heseltine, que recebeu 152). Por lhe faltarem 4 votos, tornava-se necessário disputar uma segundo volta, numas eleições que haviam sido consideradas, à partida, coisa feita - tanto assim, que Margaret Thatcher votara desde Paris, onde estava numa Cimeira. O efeito de surpresa foi arrasador e fez tremer todo o establishment do thatcherismo, exibindo-o em toda a sua fragilidade, que isso de a designarem por Dama de Ferro era apenas uma alcunha. Margaret Thatcher desistiu de continuar a disputar a liderança do partido conservador. Por quatro votos de vantagem que lhe faltaram. Isso a comparar com a actualidade e com Donald Trump, que não consegue compreender o significado de lhe faltarem seis milhões de votos de desvantagem para aceitar uma derrota política. Fica-me a sensação que, se a ficção científica se escreve com histórias do futuro, nos tempos que correm, a ficção política se escreve recuperando histórias do passado...

A OPERAÇÃO MAR VERDE (E A OPERAÇÃO COSTA DO MARFIM)

22 de Novembro de 1970. As forças armadas portuguesas estacionadas na sua colónia da Guiné (hoje Guiné-Bissau) desencadeiam a Operação Mar Verde contra o PAIGC. A operação consiste num desembarque nocturno em Conakry, a capital da República vizinha hostil da Guiné-Conakry, onde se sediava a direcção do PAIGC. Os objectivos da operação eram múltiplos, desdobrados em dois alvos: o próprio PAIGC, a captura dos seus dirigentes, a destruição dos seus meios militares estacionados na capital guineense e também a libertação dos prisioneiros portugueses ali detidos; mas também o próprio regime de Conakry e os seus meios militares, para o derrube do qual se preparara um golpe de Estado, a ser executado por um pequeno contingente (200 homens treinados) de oposicionistas guineenses. Vale a pena seguir o que se passou no vídeo de meia hora acima. A avaliação dos resultados é, ainda hoje, algo que é discutível. As lacunas das informações sobre os objectivos foram inquestionáveis. 26 prisioneiros portugueses foram libertados, os dirigentes do PAIGC e da Guiné Conakry devem ter apanhado aquele que terá sido o cagaço da vida deles, mas escaparam. Apesar do segredo que a envolveu e da censura, as consequências no plano internacional da Operação Mar Verde tornaram-na rapidamente conhecida em Portugal, quando o nosso país veio a ser condenado no Conselho de Segurança da ONU (abaixo). As três potências nossas amigas (Estados Unidos, França e Reino Unido), conjuntamente com a Espanha abstiveram-se, e a moção foi aprovada com 11 votos favoráveis, enquanto o governo português fazia figura de sonso...
Nem de propósito, por coincidência e no dia anterior, 21 de Novembro de 70, haviam sido os norte-americanos a tentar uma operação semelhante de recuperação de prisioneiros de guerra que estavam detidos perto de Hanói, no Vietname do Norte. A operação denominava-se «Costa do Marfim» (Ivory Coast) e envolvia 28 aviões e helicópteros e 56 homens das forças especiais dedicados à libertação do que se previa serem 55 prisioneiros guardados nas instalações prisionais de Sơn Tây, a 35 km a Oeste de Hanói. A operação correu muito bem... os prisioneiros é que não estavam lá. Ou seja, os serviços de informações americanos funcionaram ainda pior do que os portugueses. E contudo, ao contrário do que se discute em Portugal a respeito da Operação Mar Verde, onde há quem exigisse dela um sucesso total, quando se vai ler a entrada da Wikipedia relativa à Operação Costa do Marfim, tudo parece ter corrido muito bem, todos os participantes foram condecorados, é apenas um pormenor guardado para o fim do texto o facto das informações estarem desactualizadas e de que, por isso, a operação não resultou em nada. Mas, a ver o vídeo abaixo, tal é o entusiasmo com o acessório, que nos esquecemos do essencial. São duas formas opostas, igualmente ridículas, de analisar os acontecimentos. Resta acrescentar o óbvio: que, esta operação, realizada em pleno território norte-vietnamita, nem chegou a ser discutida no Conselho de Segurança da ONU...

21 novembro 2020

O «AFFIDAVIT»

Toda a palhaçada que tem estado associada à contestação por parte de Donald Trump (e dos que o rodeiam) ao resultado das eleições presidenciais americanas tornou-se ocasião para o aparecimento da palavra «affidavit». Os palhaços (o mais frequente deles tem sido Rudy Giuliani) aparecem no ecrã brandindo um papel que reclamam ser provas contundentes do que afirmam e que designam por «affidavit» - o que parece ser designação técnica que dá um ar técnico-pomposo à dita folha de papel. A palavra, que me parece propositadamente usada por ser rebuscada, lembrava-me qualquer coisa e fui investigar... Um «affidavit» (do latim medieval!) é um depoimento ou uma declaração juramentada; é uma expressão que se utiliza predominantemente em alguns - não todos... - os países de direito anglo-saxónico. E é só isso. E depois lembrei-me onde ouvira anteriormente a expressão! O senador Joseph McCarthy, famoso por ter criado o macarthismo na América, fartava-se de os exibir quando dos seus discursos em que acusava todo mundo de ser comunista. Claro que as acusações se baseavam naquilo que era a interpretação que McCarthy dera ao documento, o conteúdo do documentos não era analisado (e desmontado) por terceiros, a fotografia de McCarthy a empunhar o documento de acusação é que era importante. O princípio permanece ainda válido com Giuliani mais de 60 anos depois: ninguém em televisão tem tempo para ler o conteúdo do documento que ele exibe mais acima e as letras são demasiado cerradas para ler o conteúdo das passagens que estão sublinhadas a vermelho na fotografia do twitter abaixo. Apesar da sonoridade do título, um «affidavit» é apenas uma declaração juramentada de alguém e num país de loucos como aquele arranja-se sempre alguma pessoa para jurar que qualquer coisa é verdade. A seriedade que Giuliani merece agora é a mesma que McCarthy devia ter merecido - querendo impor-se pela imagem, deve morrer pela imagem, como a fotografia abaixo, em que a tinta do cabelo lhe escorre pela cara lavada pelas gotas de suor...

O APARECIMENTO DA PALAVRA INFLAÇÃO

21 de Novembro de 1970. Para além de sentirem gradualmente os seus efeitos, os leitores do Diário de Lisboa aprendiam o significado da palavra inflação, que se irá tornar um fenómeno económico omnipresente ao longo da década que então se iniciava. Uma pequena nota adicional a respeito desta primeira página: a «nova» maternidade Magalhães Coutinho, que ia abrir dois dias depois, «provisoriamente instalada na cerca do Hospital de Dona Estefânia», ainda lá está, no mesmo sítio... provisório desde há 50 anos.  

DOMINGO SANGRENTO EM DUBLIN

21 de Novembro de 1920. Este primeiro Domingo sangrento de há 100 anos (seguir-se-ia um outro 52 anos depois...) teve duas fases distintas. A partir das 09H00 e ao longo da manhã (acima), numa acção concertada, os grupos de executores do IRA foram assassinando alguns membros seleccionados do serviço de informações do aparelho militar/policial britânico. 19 homens foram visados, 14 foram mortos, 1 outro veio a morrer posteriormente dos ferimentos. O impacto das baixas para os britânicos era multiplicado pelo carácter selectivo dos alvos abatidos. Em contrapartida, o que aconteceu da parte da tarde (abaixo) não teve nada de selectivo, antes pelo contrário. Em retaliação com o que acontecera de manhã, cerca das 15H30, os membros das forças paramilitares britânicas (alcunhados de Black & Tans) investiram por um estádio onde se disputava um jogo de futebol gaélico e começaram a disparar sobre a assistência, causando um estampido, 11 mortos, mais 3 que vieram a morrer posteriormente e ainda 60 a 70 feridos. O IRA ganhou nos dois tabuleiros: os profissionais que se lhes opunham foram abatidos e o episódio da retaliação indiscriminada virou-se contra os seus autores, se apreciarmos o assunto pelos olhos das duas opiniões públicas: não apenas a irlandesa, que foi empurrada ainda mais para a colaboração com o terrorismo do IRA, mas também a britânica, que ia recebendo notícias cada vez mais desagradáveis dos acontecimentos na ilha adjacente. As duas cenas exibidas são reencenações do filme Michael Collins.

20 novembro 2020

OS 1.750.000 HOMENS DA «HOME GUARD»

20 de Novembro de 1940. Num discurso proferido por Anthony Eden na Câmara dos Comuns, o governo britânico anuncia que os efectivos da Home Guard, a guarda nacional composta por voluntários a tempo parcial, destinados à defesa na eventualidade de uma invasão, atingira os 1.750.000 homens. Para além do número estar ligeiramente inflacionado (1,5 milhão terá sido o número mais elevado de engajados que se terá atingido), o anúncio é um daqueles actos de propaganda que se destina mais a consolar os próprios do que a intimidar o inimigo. O elemento crucial naqueles tempos era o equipamento dos militares, do qual, uma apreciável quantidade se perdera quando da evacuação de Dunquerque em Junho. O armamento, que já era raro para o exército regular, tornava-se escassíssimo para estes milicianos bem intencionados. Um apelo público conseguiu reunir, ainda assim, uma vintena de milhar de armas heteróclitas, de caça, mas também de colecção, cujos exemplares mais curiosos haviam visto as guerras da Crimeia (1853-56), da Secessão Americana (1861-65) ou Franco-Prussiana (1870-71). Mas, perante esta realidade, com apenas 1% dos seus soldados armados e com espingardas do século XIX, compreende-se que as autoridades não levassem as capacidades militares da Home Guard muito a sério, o que se chocava com o entusiasmo de quem se voluntariara - um contingente onde predominavam idosos acima dos 40 anos e os muito jovens abaixo dos 18. Este discurso de Eden destinava-se mais a confortá-los, e à sociedade britânica, do que, por serem muitos, a usá-los como factor de intimidação diante dos profissionais da Wehrmacht que sabiam que demorariam apenas alguns minutos a desbaratá-los em caso de invasão*. Por detrás destas proclamações de pura propaganda, os britânicos conheciam a verdade. Numa primeira fase, e por causa da ausência de armas, a Home Guard recebeu a alcunha de Broomstick Army (broomstick = cabo de vassoura), por causa dos adereços com que se simulava o manejo de arma. Mais tarde assentou-se na expressão Dad's Army (o exército do papá), expressão que depois se tornou, aliás, 25 anos depois, no título de uma série televisiva de sucesso que já aqui evoquei.
* O que aconteceu, de resto, com a organização simétrica alemã, a Volkssturm, quando da invasão da Alemanha pelos Aliados em 1945.

19 novembro 2020

A GAJA QUE É IRMÃ DA OUTRA E QUE REVELOU SER UMA COISA SEXUAL QUALQUER

A notícia é que uma rapariga de 22 anos que eu não sei quem é, a não ser por ser parente de alguém que eu vagamente saberei quem seja, revelou no Instagram que é uma coisa sexual que eu nem sei o que é. E depois há a fotografia da rapariga, em tons dominantes de cor de rosa, o cabelo dela e um tapa-mamas que sugere mais do que cobre. Antigamente, os tradicionais calendários das casas de pneus estavam-se cagando para de quem ela era a prima, e muito menos as inclinações sexuais da menina que aparecia em biquini ou monoquini (que até podia ser rosa!) a enfeitar o mês de Novembro.

«HIP HOP»

«Hip Hop» foi o título dado à fotografia acima. O seu autor é Philip Marazzi. Foi uma das finalistas num concurso sobre fotografias cómicas sobre vida selvagem no ano passado. Dois coelhos em que se hesita quanto ao que estarão a fazer: bulham ou dançam? Ou tratar-se-á de uma «bulha dançarina»? Ou será, talvez, uma dança em que bulham? O que é patente é que se complementam, e que um sem o outro perderiam a graça. Sem sequer a ter visto e sem me dispor sequer a vê-la, é o que eu acho sobre a promoção subsequente à entrevista de Miguel Sousa Tavares a André Ventura (1) (2) (3) (4). Como os dois coelhos saídos da toca, estão muito bem um para o outro.

QUEM?...

19 de Novembro de 1950. A edição daquele Domingo do Diário de Lisboa dá o destaque que acima se pode apreciar à passagem por Lisboa de Barbara Hutton. Quem?... Uma boa parceira da nossa ignorância sobre quem terá sido esta socialite americana entretanto completamente caída no esquecimento, será a nossa perplexidade quanto aos critérios editoriais que terão levado o Diário de Lisboa a dar aquele destaque a uma mera passagem da referida senhora por Lisboa. Ao menos a Madonna morou em Lisboa, deixou de morar em Lisboa, chateou-nos incessantemente com irrelevâncias enquanto cá morou, e é só um bocadinho mais injusto que, em 2090, daqui por setenta anos, também ninguém saiba quem ela foi...

18 novembro 2020

O QUE É QUE ACONTECE SE DONALD TRUMP SE RECUSAR A RECONHECER A DERROTA DEPOIS DE PERDER AS ELEIÇÕES AMERICANAS?

O título do poste é apenas a tradução do do artigo do The Telegraph, assunto que não tenho visto muito discutido pelas nossas redes sociais, famosas por se indignarem por outros assuntos americanos de bem menos gravidade. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que assisti a esse gesto político que em inglês se designa por to concede an election (cumprimentar o vencedor). Foi pela televisão, em 26 de Abril de 1975, por ocasião de uma entrevista colectiva aos dirigentes dos quatro partidos mais votados para a Constituinte (PS, PPD, PCP e CDS) que um Freitas do Amaral, remetido para falar no fim, e porventura convidado a contragosto, já que as expectativas dos resultados eleitorais seriam outras, um Freitas do Amaral que já teria pouco para dizer assumiu esse gesto bem anglo-saxónico de felicitar o líder do partido mais votado, Mário Soares. Um cumprimento gracioso e cordato, que apanhou o destinatário de surpresa e que distinguiu quem o endossou dos três oradores precedentes e que contrastava mesmo, e muito, com o discurso metálico e impessoal de quem falara antes de si (Álvaro Cunhal). Longe vão os tempos em que, na nossa Democracia embrionária, a direita se procurava distinguir por se mostrar bem educada... 45 anos depois, deixou de ser assim. Não foi apenas Freitas do Amaral que morreu em 2019 renegado pela maioria da direita, há mesmo uma direita moderna que se percebe ufanar-se por se exibir trauliteira. Aqui, na América, à volta do Mundo. Esta evocação e associação surgiram-me a respeito de todos os intelectuais de direita que pontificam por aí, que sabemos terem opiniões sobre tudo e todos, e que têm dedicado ao comportamento de Donald Trump, especialmente depois de ele ter perdido as eleições... um silêncio ribombante. Aconteça o que tem acontecido lá por aquelas paragens, nada parece suscitar um comentário que seja da sua parte. Alguns deles, mais descarados ou inconscientes, conseguem falar de imensos outros assuntos que estão a acontecer na América, excepto criticar o comportamento inqualificável do presidente Trump. Tem sido uma atitude que servirá para separar águas.
Esta fotografia, foi tirada também na RTP e em ocasião semelhante mas outra: em Abril de 1975 o PPD foi representado por Magalhães Mota.

AS ELEIÇÕES E O TEMPORAL

18 de Novembro de 1945. Nesse dia houve eleições legislativas em Portugal e também muito mau tempo. Em Lisboa chovera torrencialmente durante cinco horas. Quanto às eleições, a oposição retirara-se, depois de constatar inúmeros episódios de parcialidade. As listas governamentais apresentaram-se sozinhas a sufrágio, nessas eleições - tão livres como na livre Inglaterra - que o regime organizara para chancelar a sua candidatura a membro respeitável da ONU. Como se percebe pelo espaço dedicado pelo Diário de Lisboa a um e outro acontecimento, na sua primeira página e também nas páginas centrais, os estragos da chuva eram mais interessantes do que as encenações do regime. Mas, mais importante do que o jornal, que até se engajara activamente na campanha eleitoral, para o reconhecimento que Salazar procurara para Portugal no pós guerra, as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial não se impressionaram com um acto eleitoral que fora tão grosseiramente manipulado: a operação foi um fiasco. Portugal iria esperar dez anos até ser admitido na ONU (Dezembro de 1955).

17 novembro 2020

AS DUAS METADES DA CARCAÇA: A QUE TEM A MANTEIGA... E A OUTRA

Admita-se que quatro meses de distância (de Julho a Novembro) possam constituir uma eternidade em termos noticiosos, mas se António Costa fez mesmo questão este Verão de se exibir a ir em périplo por essa Europa fora, armado em promotor activo (e «optimista impenitente») do plano de recuperação, então convirá que, perante o fracasso do bloqueio da Hungria ao plano, nos apareça agora a dizer qualquer coisinha. O que suspeito que não vá fazer... A fotografia de Julho com Orbán, se recordada agora, tem um outro significado (Orbán esteve a marimbar-se para Costa, Costa não pinta nada na Europa), e é nestas ocasiões que me apetece fazer a contra propaganda de não deixar António Costa a aparecer a comer apenas a metade da carcaça que está barrada de manteiga; a informação é mostrá-lo a comer o pão todo!
ADENDA: ...e chegam as previsíveis lamúrias, como se nunca ninguém se tivesse lembrado dos obstáculos levantados por aquela dupla de países. Mas então António Costa não havia persuadido pelo menos Viktor Orbán, como se depreendia das reportagens transmitidas desde Budapeste em Julho deste ano?... É que, na altura, pareceu...

PROPAGANDA E PUBLICIDADE

Já não é a primeira vez que aqui me insurjo sobre a incompetência acrítica como a comunicação social portuguesa se limita a funcionar como caixa de ressonância da propaganda publicitária da empresa Space X. Dessas referências retira-se que, pior do que o frete de dar destaque a proezas tecnológicas que foram (verdadeiras) proezas há 55 anos(!), só mesmo o requinte de ter Donald Trump a querer associar-se a toda essa palhaçada. Agora, que esta última página parece estar virada, suspeita-se que, apesar da remoção de um dos mais inacreditáveis chefes de Estado de todos os tempos, a substância de muitos dos problemas em que a América está mergulhada subsistirá. Pelo menos é o que se deduz pelas excrecências que, via comunicação social americana, para cá transbordam. O que o quadro acima pretende realçar é o contraste como o Observador noticiou a missão russa da Soyuz MS-17 (acima), que teve lugar o mês passado e que foi organizada pela agência espacial russa, quando comparada com a profusão de notícias (5!) de conteúdo completamente supérfluo que o mesmo jornal publicou agora a pretexto da missão SpaceX americana. Se nos fiássemos nas aparências, a missão americana ofuscaria em importância científica a russa quando, do ponto de vista técnico, o que acontece é precisamente o contrário: nesta missão, a Soyuz experimentou com sucesso novos procedimentos que permitirão vir a reduzir o tempo da acoplagem das naves com a Estação Espacial Internacional de 6 para apenas 3 horas (ou seja, de 4 para apenas 2 órbitas). Mas o que é que isso pode interessar ao jornalista que escreve notícias para o Observador?...

UMA PERGUNTA DESTINADA A PERDURAR POR 68 ANOS...

Segunda Feira, 17 de Novembro de 1930. Em destaque de editorial, aquele se assina Plácido Lusitano resolve perguntar para quando um Prémio Nobel português. E, para quem pensasse que o Plácido se lembraria de apostar no engenho dos portugueses quanto às disciplinas de Medicina, Física ou Química, a sua prosa deixa logo expressa na segunda linha que as suas expectativas se concentram mais na arte e no Prémio Nobel da Literatura, que naquele ano fora concedido, nomeia ele com despeito e amargura, ao «sr. Sinclair Lewis». Plácido Lusitano não anteciparia, mas estava a forjar um estado de espírito que se perpetuaria, com intensidades variáveis, pelos próximos 68 anos, até à atribuição do Prémio Nobel a José Saramago. É o nosso génio para as letras...

16 novembro 2020

O PRIMEIRO VOO DO LOCKHEED L-1011

16 de Novembro de 1970. Depois da Boeing ter apresentado o seu 747 em 9 de Fevereiro de 1969 e da Douglas ter apresentado o seu DC-10 em 29 de Agosto de 1970, agora era a vez da Lockheed apresentar o terceiro Jumbo, o L-1011. Os Jumbos eram novos conceitos para a aviação comercial, capazes de transportar pelo menos 300 passageiros e perspectivava-se uma renhida guerra comercial entre as três construtoras rivais, todas norte-americanas. Só dali por dois anos surgiria uma primeira reacção coordenada europeia, um avião de mesmo género denominado Airbus A-300...

UMA PEQUENA CRÓNICA SOBRE PAPAGAIOS GORDOS

A notícia consta do The Guardian de hoje, discreta, mas pungente, oriunda da Nova Zelândia, esse país que tem o privilégio de ser dirigido pela nova coqueluche das estadistas mundiais: Jacinda Ardern. O que a notícia nos conta é que há naquelas ilhas de fauna assaz exótica, um papagaio muito gordo, que nem voa e que dá pelo nome de kākāpō. E que esse kākāpō é uma espécie ameaçada de extinção. Tanto assim que, este ano e por uma inédita segunda vez, o bicho foi considerado o «pássaro do ano» na Nova Zelândia. Porém, o que me incentivou a escrever esta pequena crónica foi a observação do vídeo acima, a apreciação da plumagem do pássaro, de cor inequivocamente verde sporting, mas especialmente aquela passagem (0:26) em que o kākāpō tenta copular com a cabeça do fotógrafo. Foi perante aquelas imagens de entusiasmo e agressividade na cópula, que me apercebi que bichos daqueles não são afinal exclusivos da Nova Zelândia, e que nós por cá também temos daquele género de papagaios gordos que não conseguem voar, embora os nossos costumem exibir-se não apenas em verde sporting mas também em outras cores de plumagem (vermelho ou azul e branco). Olhando de uma perspectiva zoológica para eles, também um Pedro Guerra ou um Manuel Serrão papagueiam exuberantemente aquilo que lhes mandam dizer, só que, ao contrário do que nos dizem sobre o kākāpō, não sei se se perde grande coisa com a sua extinção...

UM ITALIANO PARA O TRONO DE ESPANHA

16 de Novembro de 1870. 191 dos 311 deputados presentes nas Cortes Espanholas votam pelo candidato Amadeu de Saboia, como solução para a prolongada crise política e dinástica em que o país mergulhara, após a deposição de rainha Isabel II em Setembro de 1868. A segunda solução mais votada - 60 votos - foi a constituição de uma República Federal e um príncipe francês, António de Orleães, duque de Montpensier, ficou em terceiro lugar com 27 votos. O novo rei de Espanha tinha 25 anos, era o segundo filho mais velho do rei de Itália, Vítor Emanuel II, e o que dele se esperava é que fosse o catalisador da resolução de um impasse político complexo em que caíra a Espanha. Era uma época em que se acreditava, porventura ingenuamente, na existência de uma casta régia que podia fornecer monarcas preparados para os países recém constituídos (Bélgica, Grécia, Roménia, Bulgária) ou então casos como este espanhol, em que a titular (Isabel II) não se mostrara à altura da dignidade. Correu mal. O reinado durou pouco mais de dois anos em que o rei não deixou de ser considerado aquilo que era: um italiano num trono espanhol, e esse facto conseguiu ser um denominador comum à oposição política. Durante esses dois anos houve seis governos. Em 19 de Julho de 1872 tentaram assassiná-lo. E seis meses depois, a 11 de Fevereiro de 1873, abdicou. Passou o resto da sua vida em Itália, bem mais tranquilo. 

O ESCÂNDALO DOS «MILLI VANILLI»

16 de Novembro de 1990. A dupla de cantores de sucesso Milli Vanilli foi despojada do Grammy que havia recebido no princípio daquele ano por se ter descoberto que não eram deles as vozes que se ouviam nas canções. Foi um escândalo no mundo da música, mundo esse que eu deixara de acompanhar com a assiduidade de outrora e por isso tive de ir aprender os mecanismos que os haviam levado, à dupla Milli Vanilli, à graça, para poder compreender depois a grandiosidade da desgraça. Todavia, trinta anos depois, continuo a achar tudo o que então se comentou completamente despropositado. A denúncia afigurava-se verdadeira: tudo apontava para que os dois moços tivessem sido escolhidos pelo seu aspecto e não pelas cordas vocais, numa época (a partir dos princípios da década de 1980) em que, a imagem da música se tornara mais importante que o som. No entanto, esta era a primeira denúncia de fraude de vulto, numa indústria em que, em surdina, se dizia haver imensos outros casos semelhantes ao agora denunciado, em que o(s) artista(s) estava(m), por assim dizer, proibido(s) de cantar... Como acontece muito frequentemente nestes casos, e por arrasto, eu esperaria que a denúncia e o escândalo dos Milli Vanilli, podia vir a revelar todos esses outros casos que apenas se sussurravam. Mas não foi nada disso que aconteceu... A esta distância, tudo indica que a moralidade da história não tinha moralidade alguma, apenas uma desforra pelo facto dos Milli Vanilli terem tido origem na Alemanha e, apesar disso, haviam conquistado o mercado discográfico norte-americano...

15 novembro 2020

GANHOU DONALD TRUMP SEM PRECISAR SEQUER DE FAZER BATOTA...

...ou então aconteceu alguma coisa de inesperado. Não vem aí o fascismo e os cretinos já andam há muito por aí com autorização e impunidade para escreverem com esta pose presciente. Erros, cometemo-los todos mas reconheço que retiro um certo gosto perverso especial em realçar-lhes assim, a palermas como este, a sua argúcia.  

TÍTULOS IMPENSÁVEIS NA AMÉRICA ACTUAL

15 de Novembro de 1950. O presidente Truman pediu ao Congresso que promulgasse legislação criando um imposto adicional incidindo sobre os lucros que estavam a ser gerados pelo aumento das despesas com a defesa, consequência da guerra da Coreia. Imaginar qualquer presidente americano dos últimos quarenta anos a adoptar um gesto semelhante é do domínio da completa ficção política. E quem imaginamos que o pudesse fazer - o senador Bernie Sanders, por exemplo - seria para ser alcunhado de socialista para baixo. Para aquilo a que hoje nos habituaram, a América já foi um país tão estranho em termos de desigualdade de distribuição de rendimentos que até os próprios americanos já se esqueceram de como era...

14 novembro 2020

O CONCURSO PARA MELHOR INTÉRPRETE DO QUE PENSAM COLECTIVAMENTE OS QUE VOTARAM EM DONALD TRUMP

A minha ideia não é responder à pergunta acima de José Manuel Fernandes, ela própria, em si, estúpida, e onde se nota o intuito de transferir os termos da discussão para um radicalismo que tornaria mais fácil a argumentação em prol de Trump. Para mim, não concebo quem razoavelmente defenda a existência de 72 milhões de idiotas americanos e o publisher do Observador pode contar com a moderação de quase todos os que dele discordam noutras facetas do assunto Trump. 72 milhões de votos são sempre um factor a tomar em conta na América; desde que José Manuel Fernandes não se esqueça que os 77 milhões de votos recolhidos por Joe Biden são outro factor a tomar ainda mais em conta! (e não é por esses 77 milhões serem inteligentes, que o não são) Mas falemos de outra coisa: o surpreendente da minha descoberta de como alguns comentadores convidados do seu jornal lhe conseguem responder, num trumpismo mais militante, numa interpretação ainda mais ousada do que pensarão colectivamente aqueles que votaram em Donald Trump. Assim, na opinião de José Pinto abaixo, esses 72 milhões (a «quase meia América»), não apenas votaram em Donald Trump como também compartilham todos a opinião do ocupante da Casa Branca que a sua derrota eleitoral terá sido ilegal («foi despejado ilegalmente»). Não sei o que credencia José Pinto a interpretar o sentimento do conjunto de todos os eleitores de Donald Trump, mas, tomando a sua tese por verdadeira, e que os 72 milhões de eleitores de Trump não sabem aceitar uma derrota eleitoral, teremos finalmente aqui alguém que responde à pergunta acima de José Manuel Fernandes...