Há cinquenta e cinco anos a separar as duas notícias dos extremos deste poste e, no entanto, elas anunciam o mesmo feito tecnológico: a colocação de dois astronautas americanos em órbita terrestre... Quanto ao facto da SpaceX, que irá ser a responsável pelo lançamento, ser uma sociedade privada, isso é mesmo conversa ideológica, que não tem qualquer pertinência para o assunto. Sociedade privada também a era a Martin Marietta que construiu o foguetão Titan II, que propulsionava a cápsula «Gémeos» de há 55 anos (vídeo abaixo). A corrida espacial foi disputada, do lado americano, por empresas privadas. A agência (estatal!) responsável, a NASA limitava-se a programar, especificar, coordenar e a criar concursos a que essas empresas privadas (Boeing, North American, McDonnell Douglas, etc.) concorriam. Foi com esse material construído por essas construtoras privadas que os americanos chegaram à Lua. A NASA ainda hoje existe, continua a funcionar do mesmo modo, e o logotipo da agência continua ostensivamente visível nas fotografias acima, tanto nos macacões dos dois futuros astronautas como no dispositivo da cápsula que os transportará para órbita.
O que acontecerá de novo é que os Estados Unidos recuperarão a sua capacidade de colocar astronautas em órbita, mas isso dificilmente poderá ser levado à conta de uma proeza. Será antes e apenas a correcção de uma asneira das administrações Bush (2001-09) e Obama (2009-17) que, subfinanciando o programa espacial norte-americano, os deixaram na contingência de depender exclusivamente dos meios disponibilizados pelos russos para a colocação de tripulações em órbita. A propensão (natural) de uma empresa privada (SpaceX) para se promover apenas preenche mais um pouco do absurdo* acima. Em contraste com a exuberância que acima se pode ler, a China testou no princípio deste mês uma nova nave espacial, mas como não publicou fotos, nem fez muito fogo de artifício, o acontecimento passou praticamente desapercebido. Mas o copo cheio do disparate é constituído pela demissão da responsabilidade de quem notícia estes assuntos, quando o faz sem qualquer preocupação crítica, limita-se a republicar o que o pessoal das RP da empresa em causa lhes forneceu. Por muito que a comunicação social se queixe, sobre estes assuntos, que necessitam de conhecimentos prévios superiores à tradicional tudologia, há sempre alguém numa qualquer rede social que aparece a comentar o assunto com mais profundidade do que aquilo que os profissionais fazem. Ainda por cima quando os das redes sociais o costumam fazer de borla.
* O absurdo de promover como excepcional a reedição de uma proeza tecnológica com 55 anos de idade.
Quanto ao facto da SpaceX, que irá ser a responsável pelo lançamento, ser uma sociedade privada, isso é mesmo conversa ideológica
ResponderEliminarExcelente observação.
há sempre alguém numa qualquer rede social que aparece a comentar o assunto com mais profundidade
ResponderEliminarO problema das redes sociais é que, por cada um que comenta os assuntos com mais profundidade, há mil que os comentam com menos...
Certamente que não vou acrescentar muito mais dizendo que as tais construtoras privadas também já não são o que foram... Parte delas até foi absorvida pela Boeing, e o resto da história é do conhecimento geral...
ResponderEliminarLuís Lavoura, a sua ficha dá-o como inscrito no blogger desde Julho de 2010 e, nesses dez anos, é a primeira vez que o leio a fazer-me um elogio.
ResponderEliminarO momento é histórico, mas o elogio, desculpar-me-á, é uma merda. Limita-se a transcrever uma passagem do meu texto para depois acrescentar: «Excelente observação». Porquê? Aquilo não é nada! Se pensa que eu me contento com tal vacuidade depois de dez anos de espera, vá p´ó caralho, pá!
Assim não: agora que o vi fazer as duas coisas, percebi que você é muito melhor a implicar do que a elogiar. Ainda bem que o seu período delirante só durou três minutos, entre as 11:22 do primeiro comentário e as 11:25 do segundo, que já contém um comentário adversativo como é tradicional em si. Estúpido, como também é tradicional.
Embrulha dois problemas num só. O papel que eu esperaria da comunicação social - e é por isso que ela deveria ser feita por profissionais e reclama pagamento - é a triagem da qualidade daquilo que aparece publicado. Tarefa que não é feita. Há, nas redes sociais, que publica com qualidade, sem cobrar, a avaliação do que é publicado é feita com o risco do próprio.
Esqueci-me de rematar. De qualquer modo, assinalando o momento: «dez anos é muito tempo». Como cantava o Paulo de Carvalho «muitos dias, muitas horas a...» implicar com o que os outros escrevem.
ResponderEliminarNuno Freitas agradeço-lhe o comentário, tanto mais que aquilo que considera do «conhecimento geral» eu desconfio que não o é.
ResponderEliminarRectifico o parágrafo final do meu penúltimo comentário que saiu truncada:
ResponderEliminar«Embrulha dois problemas num só. O papel que eu esperaria da comunicação social - é por isso que ela deveria ser feita por profissionais e reclama pagamento - é a triagem da qualidade daquilo que aparece publicado. Tarefa que não é feita (como aqui se percebe). (Por outro lado) há, nas redes sociais, que(m) publique com qualidade e sem cobrar, (embora) a avaliação do que é publicado (tenha de ser) feita com o risco do próprio. (Isso é um outro problema)