A menção no poste anterior do episódio da deserção do tenente Viktor Belenko para o Ocidente (embora tenha fugido para o Japão, ele veio a receber asilo dos Estados Unidos) em Setembro de 1976 aos comandos de um MiG-25, lembrou-me como aquela história mais detalhada daqueles acontecimentos pode servir de excelente exemplo para mostrar como se travava a Guerra-Fria, sobretudo como o aparelho das indústrias de defesa dos Estados Unidos se servia dos média para montar uma imagem agressiva e eficiente do inimigo soviético que por vezes não correspondia à realidade.
Antes da deserção de Belenko, o interceptor MiG-25 era um aparelho mítico, que se sabia existir, mas cujas fotografias – com tele-objectiva – ainda não haviam chegado à imprensa, permanecendo confinadas às gavetas dos serviços de informações ocidentais. E passou subitamente desse grau de discrição só conhecido por profissionais ou eruditos para as páginas frontais da imprensa e para a abertura de telejornais por obra e graça da decisão de Viktor Belenko, que estava estacionado numa base aérea soviética na Sibéria oriental, e que escolheu desertar em inícios de Setembro, ainda durante a silly season.
Hoje, depois do fim da Guerra-Fria, já se pode fazer uma boa história do percurso militar e das características técnicas do MiG-25, já esvaziadas das manipulações que o transformavam numa terrível máquina militar que justificaria o reforço dos fundos dedicados à investigação militar aeronáutica. E como primeira curiosidade associada ao MiG-25, o aparelho foi criado como interceptor para defender o espaço aéreo soviético de um bombardeiro norte-americano (provavelmente transportando armas nucleares…) que os soviéticos imaginaram que viesse a ser criado, mas que nunca existiu…
Depois de, nos anos 50, terem construído o B-52, as informações e expectativas dos soviéticos apontava que os próximos bombardeiros americanos (XB-70) fossem extremamente rápidos e atingissem velocidades múltiplas das do som (Mach 2,0 ou 3,0). O MiG-25 foi a resposta a essa potencial ameaça (que se acabou por gorar), um interceptor concebido para atingir as altas altitudes de forma extremamente rápida, podendo atingir os Mach 2,5 e mesmo superar essa velocidade em circunstâncias especiais. Mas o engraçado eram os requintes soviéticos para cumprir a missão…
Um dos problemas principais que tornam descomunalmente caros os aparelhos que voam a tais velocidades é o da metalurgia e das ligas em que têm de ser feitos (normalmente usando titânio) para resistirem ao calor do atrito resultante da sua velocidade, especialmente nas áreas mais expostas. Os soviéticos contornaram o problema usando predominantemente o aço niquelado, também resistente ao calor… Claro que essa solução tornava o avião muito mais pesado, mas isso resolvia-se aumentando a potência dos motores (abaixo), o que aumentava ainda mais o consumo de combustível…
De qualquer modo, como interceptor, a missão primordial do aparelho não era a de voar para muito longe – e Belenko atingiu o aeroporto da Hakodate, na ilha do Japão que está mais próxima da Sibéria (Hokkaido) com os depósitos quase vazios… Veio-se a descobrir que outra das características incríveis do MiG-25 era o seu radar (um verdadeiro estado da arte...) que funcionava a…válvulas, como os velhos rádios de sala. O seu alcance era de 50 Km mas a forma como se concebia que esse radar contrariaria as ECM (Contra Medidas Electrónicas) de um eventual inimigo era pela sua potência bruta: 600 kW!...
Tal potência dava origem a algumas anedotas, como a da capacidade do radar poder matar um coelho ou qualquer animal de pequeno porte que se aproximasse a menos de 200 metros de distância… Mais a sério, o efeito de microondas produzido pelo radar era tal que o seu emprego quando o avião voava a baixa altitude era completamente interdito podendo, se desrespeitado, o piloto ser sancionado em tribunal marcial… Sanção mais ligeira era a que podia atingir os mecânicos de terra, que tinham o péssimo hábito de diluir o líquido refrigerante (álcool) em água, para o utilizar como aquecimento durante as longas noites siberianas…
Foi uma das queixas de Viktor Belenko quando desertou, porque a mistura adulterada congelava a uma temperatura muito superior à prevista quando em baixa altitute, o que levava à formação de gelo na canopy* e à consequente perda de visibilidade que levara o próprio Belenko a cruzar-se na aterragem em Hakodate com um avião civil que se preparava para descolar na mesma altura... E houve muitos outros pormenores que deixaram os especialistas ocidentais completamente surpreendidos, como era o caso da aplicação de rebites (grandes perturbadores da aerodinâmica...) num avião supersónico…
Alguns destes pormenores pitorescos ainda chegaram ao grande público. Mas a grande maioria deles só depois se souberam. Para os falcões do conflito do lado ocidental, o que interessava dar relevo na notícia era o facto do MiG-25 ter conseguido penetrar no espaço aéreo japonês e como os interceptores de serviço (F-104) se tinham mostrado impotentes para o deter. E adiantavam a especulação: e se o MiG-25 transportasse armamento nuclear e se dirigisse a Tóquio? A verdade é que o MiG-25 não fora concebido para transportar armas nucleares nem tinha autonomia para atingir Tóquio…
* O dispositivo transparente que envolve o habitáculo do piloto.
Antes da deserção de Belenko, o interceptor MiG-25 era um aparelho mítico, que se sabia existir, mas cujas fotografias – com tele-objectiva – ainda não haviam chegado à imprensa, permanecendo confinadas às gavetas dos serviços de informações ocidentais. E passou subitamente desse grau de discrição só conhecido por profissionais ou eruditos para as páginas frontais da imprensa e para a abertura de telejornais por obra e graça da decisão de Viktor Belenko, que estava estacionado numa base aérea soviética na Sibéria oriental, e que escolheu desertar em inícios de Setembro, ainda durante a silly season.
Hoje, depois do fim da Guerra-Fria, já se pode fazer uma boa história do percurso militar e das características técnicas do MiG-25, já esvaziadas das manipulações que o transformavam numa terrível máquina militar que justificaria o reforço dos fundos dedicados à investigação militar aeronáutica. E como primeira curiosidade associada ao MiG-25, o aparelho foi criado como interceptor para defender o espaço aéreo soviético de um bombardeiro norte-americano (provavelmente transportando armas nucleares…) que os soviéticos imaginaram que viesse a ser criado, mas que nunca existiu…
Depois de, nos anos 50, terem construído o B-52, as informações e expectativas dos soviéticos apontava que os próximos bombardeiros americanos (XB-70) fossem extremamente rápidos e atingissem velocidades múltiplas das do som (Mach 2,0 ou 3,0). O MiG-25 foi a resposta a essa potencial ameaça (que se acabou por gorar), um interceptor concebido para atingir as altas altitudes de forma extremamente rápida, podendo atingir os Mach 2,5 e mesmo superar essa velocidade em circunstâncias especiais. Mas o engraçado eram os requintes soviéticos para cumprir a missão…
Um dos problemas principais que tornam descomunalmente caros os aparelhos que voam a tais velocidades é o da metalurgia e das ligas em que têm de ser feitos (normalmente usando titânio) para resistirem ao calor do atrito resultante da sua velocidade, especialmente nas áreas mais expostas. Os soviéticos contornaram o problema usando predominantemente o aço niquelado, também resistente ao calor… Claro que essa solução tornava o avião muito mais pesado, mas isso resolvia-se aumentando a potência dos motores (abaixo), o que aumentava ainda mais o consumo de combustível…
De qualquer modo, como interceptor, a missão primordial do aparelho não era a de voar para muito longe – e Belenko atingiu o aeroporto da Hakodate, na ilha do Japão que está mais próxima da Sibéria (Hokkaido) com os depósitos quase vazios… Veio-se a descobrir que outra das características incríveis do MiG-25 era o seu radar (um verdadeiro estado da arte...) que funcionava a…válvulas, como os velhos rádios de sala. O seu alcance era de 50 Km mas a forma como se concebia que esse radar contrariaria as ECM (Contra Medidas Electrónicas) de um eventual inimigo era pela sua potência bruta: 600 kW!...
Tal potência dava origem a algumas anedotas, como a da capacidade do radar poder matar um coelho ou qualquer animal de pequeno porte que se aproximasse a menos de 200 metros de distância… Mais a sério, o efeito de microondas produzido pelo radar era tal que o seu emprego quando o avião voava a baixa altitude era completamente interdito podendo, se desrespeitado, o piloto ser sancionado em tribunal marcial… Sanção mais ligeira era a que podia atingir os mecânicos de terra, que tinham o péssimo hábito de diluir o líquido refrigerante (álcool) em água, para o utilizar como aquecimento durante as longas noites siberianas…
Foi uma das queixas de Viktor Belenko quando desertou, porque a mistura adulterada congelava a uma temperatura muito superior à prevista quando em baixa altitute, o que levava à formação de gelo na canopy* e à consequente perda de visibilidade que levara o próprio Belenko a cruzar-se na aterragem em Hakodate com um avião civil que se preparava para descolar na mesma altura... E houve muitos outros pormenores que deixaram os especialistas ocidentais completamente surpreendidos, como era o caso da aplicação de rebites (grandes perturbadores da aerodinâmica...) num avião supersónico…
Alguns destes pormenores pitorescos ainda chegaram ao grande público. Mas a grande maioria deles só depois se souberam. Para os falcões do conflito do lado ocidental, o que interessava dar relevo na notícia era o facto do MiG-25 ter conseguido penetrar no espaço aéreo japonês e como os interceptores de serviço (F-104) se tinham mostrado impotentes para o deter. E adiantavam a especulação: e se o MiG-25 transportasse armamento nuclear e se dirigisse a Tóquio? A verdade é que o MiG-25 não fora concebido para transportar armas nucleares nem tinha autonomia para atingir Tóquio…
* O dispositivo transparente que envolve o habitáculo do piloto.