29 março 2019

A ABSOLVIÇÃO DO ASSASSINO CONFESSO DE JEAN JAURÈS

Aqui há uns cinco anos, e para refinar o pedantismo de Vasco Pulido Valente em mais uma das suas crónicas, referi-me aqui no Herdeiro de Aécio ao assassinato de Jean Jaurès, que, nas palavras casuais do cronista, é um acontecimento que se sabe. Obviamente, só mesmo um Vasco Pulido Valente para escrever coisas daquelas. Eu convenço-me que os leitores de Vasco Pulido Valente não sabem quem foi Jean Jaurès, mas sabem quem é Vasco Pulido Valente, e é por isso que tendem a lê-lo com aquela bonomia de não o levar demasiadamente a sério. Mas, se agora retorno ao assunto é porque 29 de Março de 1919 (cumpre-se hoje o centenário) foi a data da conclusão do julgamento do assassino de Jaurès, que permanecera em prisão preventiva por 56 meses, apenas explicáveis porque entretanto se travara a Grande Guerra e o julgamento fora considerado demasiado sensível do ponto de vista político para ser realizado. E o choque é que o julgamento se concluiu há cem anos com a absolvição do réu, apesar deste ter confessado desde sempre a autoria dos factos. O tribunal de júri pronunciou-se no sentido da absolvição por uma votação dos jurados de 11 contra 1. Considerações políticas haviam-se sobreposto aos factos, cilindrando-os. Este desfecho constituiu - e permanece - uma das maiores barracas do prestígio do sistema judicial francês e a chacota da opinião publicada naquela época (abaixo, na legenda pergunta-se sarcasticamente se lhe devolveram o revolver...). Acirrando o ultraje, conferiu-se uma indemnização simbólica de 1 franco aos familiares da vítima, deduzido das custas do julgamento, que recaíram... sobre a viúva Jaurès. Até hoje é uma nódoa irremovível da Justiça francesa, que retém a reputação - a meu ver merecida, por estes factos, mas não só - de obedecer àquilo que o poder político a manda fazer.
Apesar de tudo, a vida do assassino confesso não iria ser nada fácil, por causa da notoriedade adquirida e por causa da perseguição que lhe foi movida pelas organizações de esquerda. Acabaria por se instalar em Ibiza, nas ilhas Baleares em 1932 e, num último retoque de ironia, acabaria por morrer fuzilado, sem qualquer julgamento ou culpa formada, por um destacamento anarquista que, no início da Guerra Civil de Espanha, se decidiu a tomar o poder entre mãos.

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