16 outubro 2018

PORTUGAL E AS GUERRILHAS DE ÁFRICA

Para quem (como eu) esperasse de um livro com este título uma outra abordagem dos três conflitos africanos, uma obra que rivalizasse com o (tornado) clássico Contra-Insurreição em África de John P. Cann (de 1998), este livro vem a revelar-se uma completa desilusão. Melhor que o título, são as imagens da capa, avulsas e desgarradas, as que melhor descrevem o conteúdo. Este é o relato de um punhado de visitas (não se chega a perceber quantas, talvez meia dúzia) que o autor realizou aos três teatros de guerra (Angola, Guiné e Moçambique) quando Portugal ali esteve empenhado entre 1961 e 1974. Al Venter é um jornalista sul-africano que se especializou em cobrir conflitos militares. O livro resulta extenso (mais de 500 páginas) mas absolutamente superficial porque é uma colagem de reportagens e, como tal, fica-se sempre pela rama dos aspectos que aborda. Resultaria mais palatável se Venter ao escrevê-las não tivesse adoptado aquela atitude tão tipicamente britânica - que depois veio a ser herdada por rodesianos e sul-africanos - de pretender que «nós (eles) é que percebemos de contra-subversão: olhem para os nossos sucessos na Malásia e no Quénia». Isso por contraponto ao que aconteceu aos americanos no Vietname, aos franceses na Indochina e na Argélia e aos portugueses nestas suas três colónias. Irrita ler a atitude sobranceira de Venter quando a História é o que foi e o desmente. Rodesianos e sul-africanos acabaram precisamente no mesmo sítio que os outros três, derrotados politicamente: África do Sul e Zimbabwe têm hoje governos de maioria negra. E quanto aos britânicos, se o seu domínio das tácticas de contra-subversão era assim tão excelente porque é que saíram de outras colónias - estou a lembrar-me da Palestina em 1948 ou do Iémen do Sul em 1967- com o rabo entre as pernas? Venter é um veterano cuja curva de aprendizagem evoluiu lentamente, quando chegou a evoluir. A repetição das suas visitas, por exemplo, não o motivou a aprender um português mínimo. Aquilo que ele consegue recolher dos locais que visita ressente-se disso, já que apenas uma fracção ínfima dos combatentes (dos dois lados) domina o inglês. E isso agrava a superficialidade do que escreve. Neste livro, que é uma versão traduzida para português do original, o leitor é confrontado com um chorrilho de asneiras facilmente detectável por um nacional. São muitas, são demasiadas e de vários géneros, aqui vão quatro exemplos sortidos.
Esta vem nos livros de História: Bartolomeu Dias foi o primeiro homem a dobrar o Cabo da Boa Esperança. O Cabo da Boa Esperança fica na África do Sul e Venter é sul-africano... 
Esta seria só para especialistas, se não estivesse acessível na wikipedia: o NRP Pacheco Pereira foi a fragata HMS Bigbury Bay da classe Bay. O detalhe é irrelevante mas, se é para o mencionar, que o faça correctamente.
Acredito que, antes dos portugueses em geral, a primeira pessoa a surpreender-se com a sua própria descrição como um intelectual terá sido Otelo Saraiva de Carvalho («Se tivesse mais cultura política, seria o Fidel Castro da Europa»). Também não se sabia que as FP-25 eram anarquistas...
Esta de fazer do Avante!, jornal oficial do Partido Comunista Português, um «jornal de Luanda» é simbólica de que Venter, estando a pretender escrever reportagens sobre portugueses em guerra, não sabe nada sobre Portugal.

Em suma, livro medíocre, apenas recomendável aos incondicionais do tema. O autor tem muitas opiniões sobre o que os portugueses deveriam ter feito, normalmente copiando o que os ingleses haviam feito na Malásia ou o que os rodesianos iriam fazer no Zimbabwe, mas por outro lado, e através do quilate destes erros constantes, é perceptível que uma boa parte da guerra, e sobre o que ela pensavam os seus protagonistas, lhe passou completamente ao lado...

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