O Diário de Lisboa foi um jornal vespertino que se começou a publicar a 7 de Abril de 1921 e foi um dos jornais de referência da imprensa portuguesa até encerrar as suas portas em 30 de Novembro de 1990. Aquilo que de importante terá acontecido em Portugal nesses quase 70 anos de publicação passou quase certamente pelas suas páginas. E o formato e o destaque como esses acontecimentos foram noticiados são também relevantes para a nossa apreciação de como evoluiu a sociedade portuguesa nesse período que abrange uma parcela substantiva do século XX. O Colégio Militar é um estabelecimento de ensino que frequentei faz muuuitos anos e cuja história me continua a intrigar - provavelmente muito mais do que quando o frequentava, certamente porque a idade nos torna cépticos quanto à fidelidade das versões oficiais. Se o Diário de Lisboa foi uma instituição, o Colégio Militar é uma instituição. Se já era uma instituição centenária quando o jornal apareceu, hoje o Colégio Militar é bicentenário, 26 anos depois do desaparecimento do Diário de Lisboa. Só que é indiscutivelmente uma instituição completamente diferente: o segredo da sobrevivência destas instituições é mudarem, fingindo que não mudam. Porque as sociedades que as envolvem também mudam, e é essa mudança que eu me dispus a investigar (uma investigação decerto superficial mas que me divertiu muito fazer associando jornal e Colégio), acompanhando a forma como, ao longo dos 70 anos de publicação, o Diário de Lisboa foi noticiando o aniversário (e as cerimónias associadas) do Colégio Militar. Alunos e ex-alunos saberão de cor a data, mas em benefício dos leigos diga-se que o dia é 3 de Março.
1922-1925-1926
Logo no seu primeiro ano de publicação (recorde-se que no ano anterior o jornal só se começara a publicar em Abril), o Diário de Lisboa teve a delicadeza de assinalar as cerimónias comemorativas do 119º aniversário do Colégio Militar, presididas pelo ministro da Guerra, que tiveram lugar a 3 de Março de 1922. As notícias referentes aos aniversários do Colégio Militar naquela década eram compactas, mas há que ter em conta que o jornal tinha então apenas 8 páginas! Nem mesmo a presença do presidente da República (Bernardino Machado) por ocasião das celebrações do 123º aniversário, em Março de 1926, parece constituir razão para desenvolver o artigo. Por acaso, tive acesso a uma fotografia dessa cerimónia que abaixo insiro.
Por essa época, o número de alunos a frequentar o Colégio Militar rondariam os 460, números que só voltariam a ser consistentemente atingidos (e mesmo superados) dali por trinta anos, nos finais da década de 1950.
1931-1932-1934
A grande diferença política deste período em relação ao bloco anterior é que, depois da revolução de 28 de Maio de 1926 passou a vigorar a Ditadura Militar. O presidente da República (Óscar Carmona) era um ex-aluno do Colégio Militar, comparecia com regularidade às cerimónias que aí decorriam (no caso acima, esteve presente nas cerimónias de 1932 e de 1934), o que explicará talvez o maior desenvolvimento dado às notícias.
1937-1939
Aparentemente, para além da estreia da publicação de fotografias, no final da década de 1930 ter-se-á atingido o zénite do culto de personalidade dedicado a Oliveira Salazar. Nas cerimónias de 1937 o momento mais marcante da mesma terá sido a inauguração de um retrato do chefe do governo, a quem alguém dedicou um panegírico, cerimónia essa onde o homenageado, certamente pela sua proverbial modéstia, não pôde estar presente. Dois anos depois, e numa cerimónia presidida pelo chefe do Estado, o presidente do Conselho repetiu a desfeita. Como se lê no final da notícia: foi adiada a cerimónia em que se iria conferir ao sr. dr. Oliveira Salazar o título de ex-aluno honorário. Adiante esclarece-se que se tratava de uma distinção raríssima, que era concedida apenas pela terceira vez na história do Colégio Militar, e que seria acompanhada da entrega do estojo de medalhas da fotografia abaixo.
Confesso que há uma certa ironia em ver aquelas medalhas de aptidão militar e física a serem concedidas a alguém tão pouco físico e tão pouco militar como Salazar. A cerimónia adiada foi remarcada para Junho, Salazar tornou a não poder estar presente, o estojo acabou por lhe ser entregue discreta e posteriormente em Novembro desse ano. Não sei, nem me interessa, se ele sempre chegou a ser feito ex-aluno honorário. A atitude era a de quem estava nitidamente a fazer o favor de aceitar. Um dos grandes promotores da distinção concedida ao presidente do Conselho foi o general Humberto Delgado, também ele ex-aluno, mas não terá sido especificamente por causa desta desfeita que ele se veio a incompatibilizar futuramente, de uma forma que ficou célebre, com Salazar...
1942-1943-1944
Anos da Segunda Guerra Mundial. Anos difíceis. Apesar da boa imprensa, já que as notícias eram publicadas nas paginas centrais e com ilustração de uma fotografia, os efectivos do batalhão colegial diminuíam todos os anos. Por curiosidade refira-se que, de quando em vez, estabelecia-se nova confusão quando ao ano de fundação do Colégio Militar: 1802 ou 1803? Já em 1932, o jornal anunciara a celebração do 130º aniversário. Dez anos depois repetia-se a confusão, e o efeito é que, a crer nestas duas edições do Diário de Lisboa, separadas por uma ano, o Colégio Militar comemorou por duas vezes o seu 140º aniversário...
1945-1948-1947
Em 1945, o Colégio Militar atingirá um mínimo de alunos a frequentá-lo: pouco mais de 300. E no entanto, o Diário de Lisboa conceder-lhe-á a honra, até aí inédita, de noticiar as cerimónias do 3 de Março de 1945 em primeira página devidamente ilustrada (à esquerda). A ala política do regime e o seu chefe saíram do mega-conflito que terminava muito fragilizados, por causa da pressão política exercida pelos Aliados triunfantes, e crescia a susceptibilidade de Salazar à pressão da ala militar do regime, protagonizada pelo ministro da Guerra Santos Costa (acima, à direita), um habitué das cerimónias.
1949-1950-1951
Outra forma de observar essa inflexão, consiste em constatar a ascensão da importância da figura veneranda do chefe do Estado, em substituição do culto de personalidade ao chefe do governo de antes da guerra (Salazar). Óscar Carmona foi promovido a Marechal numa grandiosa cerimónia em 28 de Maio de 1947, cerimónia essa que escapa ao âmbito deste levantamento que aqui faço, mas onde importa referir que o Colégio Militar teve um papel nuclear: foram cinco dos seus alunos que lhe entregaram o bastão simbólico. Carmona veio a falecer em Abril de 1951.
1952-1953
O sucessor de Carmona na presidência, Craveiro Lopes, era, se possível, também como ex-aluno, um ainda mais acérrimo defensor da instituição. Presidira até à Associação dos seus Antigos Alunos (AAACM). Nos primeiros anos do seu mandato, ajudado também pelo facto do Colégio Militar celebrar o seu 150º aniversário, pretexto para condecorar a instituição, as notícias referentes ao seu aniversário surgiam destacadas e ilustradas na primeira página.
1955-1956-1958
O padrão noticioso e o desenvolvimento permanece essencialmente o mesmo, embora valha a pena referir que se vai notando que cada vez se vai reduzindo mais o enfoque que é dado à componente religiosa das cerimónias.
1959-1960
A substituição de Craveiro Lopes por Américo Thomaz (que não era ex-aluno) na presidência da República, não terá tido impacto significativo no desenvolvimento das notícias, quiçá algum no seu destaque. Nem mesmo a presença exótica dos alunos do Colégio Militar do Rio de Janeiro em 1960 (à direita)constituiu razão para dar às cerimónias destaque de primeira página.
1961-1962
O curioso neste conjunto é o contraste entre a forma exuberante como as cerimónias foram noticiadas em 1961 (158º aniversário) e a discrição de 1962. No corpo desta última notícia pode ler-se que naquele ano as cerimónias se revestiram de carácter íntimo em conformidade com o ambiente do momento nacional. O momento seria ainda, imagino, a ocupação dos territórios indianos pela União Indiana em Dezembro do ano anterior.
1963-1964
Mas, no ano seguinte e nos que se lhe seguiram, as tradicionais celebrações do 3 de Março regressaram ao tradicional desenvolvimento, destaque fotográfico e localização de primeira página.
1965-1966
Encadeadamente, a cada ano que passava, as fotografias das cerimónias do aniversário do Colégio Militar eram puxadas para a primeira página do Diário de Lisboa, como comprovação do prestígio social de que gozava a instituição.
1967-68
Não só o número de alunos que frequentavam o Colégio Militar duplicara nos últimos 20 anos (à esquerda - seiscentos alunos), como esse número mostrava tendência para continuar a aumentar, promovida pela rotação crescente dos oficiais das Forças Armadas, causada pelas guerras em África.
1969-1970
Mas o final da década de 70 é também o canto do cisne desse período de apogeu da notoriedade social. Simbolicamente, a notícia do Diário de Lisboa que dá conta das cerimónias de 1970 (à direita), tem um artigo em caixa adjacente, onde se protesta contra a realização de desfiles dentro da cidade que causam graves prejuízos para o trânsito...
1971-1973-1974
Noticiosamente, pelo que se pôde observar no Diário de Lisboa, a mudança de atitude foi abrupta. As notícias mudaram-se para o interior, deixaram de ser ilustradas, foram reduzidas como as de há cinquenta anos antes (década de 1920). Foram entregues a estagiários e mal revistas: veja-se acima a dupla gralha do 70º aniversário a noticiar as cerimónias de 1973...
1977-1978
Depois do 25 de Abril, o Diário de Lisboa foi um dos jornais que, como quase toda a imprensa, acabou indirectamente nacionalizado em 1975 e se orientou para um tipo de leitor de esquerda, próximo do partido comunista. Ora essa não era a praia do Colégio Militar e as notícias envolvendo a instituição não recolheriam o interesse dos seus leitores-alvo (na concepção dos autores do jornal). Repare-se (à direita) como nem a presença do presidente da República (Ramalho Eanes), nem a imposição de uma condecoração à instituição por ocasião do seu 175º aniversário parece razão para que o artigo receba algum desenvolvimento.
1985
O panorama ao longo da década de 80 apenas terá piorado. A ausência de alguns números fez com que a pesquisa deste período não pudesse ter sido realizada com o mesmo rigor dos outros mas, de qualquer modo, o único exemplar que encontrei mostra que, se alguma coisa, a situação só se terá acentuado em relação ao que acontecera no passado.
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