Pouco depois do Ano Novo a minha avó substituía o calendário pendurado na cozinha por um outro, também de inspiração religiosa, normalmente com uma Nossa Senhora na capa, de braços abertos e coração ardente
de santidade, braços ainda mais abertos e expressivos do que os da fotografia acima. Considerando o local onde ficava pendurado e a semelhança da pose, perdoe-se-me a blasfémia, mas houve tempos em que pensei que havia ali uma certa correlação com o
preto das faltas (abaixo e
desenvolvido aqui), que estava pendurado mesmo ao lado…
Depois de saber ler, aqueles calendários foram fonte inesgotável de informação, como a surpresa de descobrir que há um
santo para todos os dias além de haver
um dia para todos os santos. Mas a minha fascinação pelos calendários depressa ultrapassou a faceta religiosa – embora só tenha vindo a descobrir
as complicadas regras para a marcação da Páscoa na Wikipedia – e a minha curiosidade levou-me naturalmente ao que será o
Santo Graal do assunto: a criação de um calendário perpétuo. O que, surpreendentemente, até nem foi muito difícil...
Havendo sete maneiras diferentes do ano começar (uma por cada dia da semana) e dois tipos de anos (comuns e bissextos), o calendário de qualquer ano tem de recair numa de 14 (2 x 7) possibilidades. Por outro lado, a regra como os anos se sucedem também é conhecida: um ano comum tem 52 semanas completas + 1 dia (52 x 7 + 1 = 365). Em geral, se neste ano um determinado dia foi (como o dia 1 de Janeiro, por exemplo) um Domingo, para o próximo ano será uma 2ª Feira. A não ser que seja ano bissexto (como 2012). Aí será uma 3ª Feira.
O ano de 2013 começará portanto a uma 3ª Feira, o de 2014 a uma 4ª Feira e o de 2015 (todos comuns) a uma 5ª Feira. Se houvesse sempre um ciclo repetitivo de três anos comuns seguidos de um ano bissexto então o tal de calendário perpétuo repetir-se-ia em ciclos idênticos de 28 anos. O mapa acima mostra-nos um calendário de 1801 até 2100. O número à frente de cada ano diz-nos o dia da semana por que cada ano comum se inicia (
1= Domingo,
2=2ª Feira,…,
7=Sábado) ou então bissexto (
8(7+1)=Domingo,...,
14(7+7)=Sábado).
Nota-se o ciclo de 28 anos que mencionei acima: o código correspondente ao ano de 1828 (
10 = 1 de Janeiro foi 3ª Feira) é idêntico a 1856 e a 1884. Mas o mesmo já não acontece com 1912 (
9). E a culpa desse pormenor que subverte a regularidade como o tempo é contado é do senhor sentado no trono nesta fotografia acima:
Gregório XIII, que foi o papa de 1572 a 1585. Era o Pontífice espiritual de cerca de metade da Europa mas a reforma de maior alcance que patrocinou foi científica, no sistema como ainda hoje contamos o tempo.
Foram as antigas civilizações que mais necessitavam de uma contagem rigorosa do ritmo das estações – os egípcios por causa das cheias do Nilo ou os indianos por causa das monções (acima) – as primeiras a adoptar o calendário com o ano solar de 365 dias. O progresso científico fez com que na Roma de Júlio César (Século I a.C.) já se soubesse que o ano solar era um pouco superior: 365,25 dias. Por isso, a reforma que por ele veio a ser patrocinada (
calendário juliano) criava, a todos os quatro anos, um ano bissexto com um dia suplementar (366).
Porém, com os conhecimentos do Século XVI, já a duração do ano solar fora aprimorada para 365,2425463 dias e foi com base nesse valor que o calendário foi reformado sob Gregório XIII. Os anos bissextos foram reduzidos de 100 para 97 em cada 400 anos (ou seja um coeficiente de 0,2425) deixando de o ser os anos centenares que não fossem divisíveis por 400 (como 1800, 1900 ou 2100). Mesmo contando com
os cálculos científicos mais recentes (1992) este calendário reformado só se virá a desacertar um dia completo daqui por 2.870 anos.
Apesar da sua inegável superioridade científica, outro aspecto curioso foi o ritmo como ele veio a ser adoptado pelos vários países europeus (acima). Se os países católicos o adoptaram de imediato, o mesmo não aconteceu com a Europa protestante, que só o veio a adoptar ao longo do Século XVIII enquanto o Leste ortodoxo só o veio a fazer nos princípios do Século XX. Para recordação, deve ter sido um dos últimos momentos históricos em que a Europa do Sul impôs as suas directivas à do Norte, bem ao contrário do que hoje acontece...
Pouco depois do Ano Novo a minha avó substituía o calendário pendurado na cozinha por um outro, também de inspiração religiosa, normalmente com uma Nossa Senhora na capa, de braços abertos e coração ardente de santidade, braços ainda mais abertos e expressivos do que os da fotografia acima. Considerando o local onde ficava pendurado e a semelhança da pose, perdoe-se-me a blasfémia, mas houve tempos em que pensei que havia ali uma certa correlação com o preto das faltas (abaixo e desenvolvido aqui), que estava pendurado mesmo ao lado…
Depois de saber ler, aqueles calendários foram fonte inesgotável de informação, como a surpresa de descobrir que há um santo para todos os dias além de haver um dia para todos os santos. Mas a minha fascinação pelos calendários depressa ultrapassou a faceta religiosa – embora só tenha vindo a descobrir as complicadas regras para a marcação da Páscoa na Wikipedia – e a minha curiosidade levou-me naturalmente ao que será o Santo Graal do assunto: a criação de um calendário perpétuo. O que, surpreendentemente, até nem foi muito difícil...
Havendo sete maneiras diferentes do ano começar (uma por cada dia da semana) e dois tipos de anos (comuns e bissextos), o calendário de qualquer ano tem de recair numa de 14 (2 x 7) possibilidades. Por outro lado, a regra como os anos se sucedem também é conhecida: um ano comum tem 52 semanas completas + 1 dia (52 x 7 + 1 = 365). Em geral, se neste ano um determinado dia foi (como o dia 1 de Janeiro, por exemplo) um Domingo, para o próximo ano será uma 2ª Feira. A não ser que seja ano bissexto (como 2012). Aí será uma 3ª Feira.
O ano de 2013 começará portanto a uma 3ª Feira, o de 2014 a uma 4ª Feira e o de 2015 (todos comuns) a uma 5ª Feira. Se houvesse sempre um ciclo repetitivo de três anos comuns seguidos de um ano bissexto então o tal de calendário perpétuo repetir-se-ia em ciclos idênticos de 28 anos. O mapa acima mostra-nos um calendário de 1801 até 2100. O número à frente de cada ano diz-nos o dia da semana por que cada ano comum se inicia (1= Domingo, 2=2ª Feira,…, 7=Sábado) ou então bissexto (8(7+1)=Domingo,..., 14(7+7)=Sábado).
Nota-se o ciclo de 28 anos que mencionei acima: o código correspondente ao ano de 1828 (10 = 1 de Janeiro foi 3ª Feira) é idêntico a 1856 e a 1884. Mas o mesmo já não acontece com 1912 (9). E a culpa desse pormenor que subverte a regularidade como o tempo é contado é do senhor sentado no trono nesta fotografia acima: Gregório XIII, que foi o papa de 1572 a 1585. Era o Pontífice espiritual de cerca de metade da Europa mas a reforma de maior alcance que patrocinou foi científica, no sistema como ainda hoje contamos o tempo.
Foram as antigas civilizações que mais necessitavam de uma contagem rigorosa do ritmo das estações – os egípcios por causa das cheias do Nilo ou os indianos por causa das monções (acima) – as primeiras a adoptar o calendário com o ano solar de 365 dias. O progresso científico fez com que na Roma de Júlio César (Século I a.C.) já se soubesse que o ano solar era um pouco superior: 365,25 dias. Por isso, a reforma que por ele veio a ser patrocinada (calendário juliano) criava, a todos os quatro anos, um ano bissexto com um dia suplementar (366).
Porém, com os conhecimentos do Século XVI, já a duração do ano solar fora aprimorada para 365,2425463 dias e foi com base nesse valor que o calendário foi reformado sob Gregório XIII. Os anos bissextos foram reduzidos de 100 para 97 em cada 400 anos (ou seja um coeficiente de 0,2425) deixando de o ser os anos centenares que não fossem divisíveis por 400 (como 1800, 1900 ou 2100). Mesmo contando com os cálculos científicos mais recentes (1992) este calendário reformado só se virá a desacertar um dia completo daqui por 2.870 anos.
Apesar da sua inegável superioridade científica, outro aspecto curioso foi o ritmo como ele veio a ser adoptado pelos vários países europeus (acima). Se os países católicos o adoptaram de imediato, o mesmo não aconteceu com a Europa protestante, que só o veio a adoptar ao longo do Século XVIII enquanto o Leste ortodoxo só o veio a fazer nos princípios do Século XX. Para recordação, deve ter sido um dos últimos momentos históricos em que a Europa do Sul impôs as suas directivas à do Norte, bem ao contrário do que hoje acontece...
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