31 agosto 2022

PORQUE É QUE O FUNERAL DE GORBACHEV NÃO PODE SER UM FUNERAL DE ESTADO

De acordo com as últimas notícias, parece decidido que o funeral de Mikhail Gorbachev será no próximo Sábado, em Moscovo, e não será um funeral de Estado. Compreende-se: o último funeral de Estado que teve lugar na Rússia foi o de Boris Yeltsin em Abril de 2007, já lá vão 15 anos. E para essa cerimónia, se a lista acima estiver completa, estiveram presentes delegações de 22 países para além de organizações internacionais como a ONU e a União Europeia. O exercício que explica a decisão é fácil: veja-se, da lista acima, quantos países - e organizações - iriam desta vez primar certamente pela sua ausência da cerimónia por causa da invasão da Ucrânia. Tomando este facto em consideração - a ocasião tornar-se-ia uma exibição do isolamento internacional da Rússia - creio que a decisão dos russos é apenas lógica. E irónica, já que os países que iriam estar ausentes seriam aqueles que mais apreciaram o legado político do defunto.

A MORTE DE DIANA

31 de Agosto de 1997. Morte da princesa de Gales num acidente de viação em Paris. Por esta vez creio não ser necessário explicar a efeméride.

30 agosto 2022

O MISTER MAGOO DA POLÍTICA AMERICANA

Uma das imagens mais felizes que ouvi recentemente a Jon Stewart - para quem conheça a referência - foi comparar o percurso político de Donald Trump a uma aventura de Mister Magoo. Por causa da sua cegueira - no caso de Trump é a sua incomparável estupidez - qualquer um deles nem se apercebe das consequências do que fazem. Agora soube-se que Donald Trump, quando deixou de ser presidente, trouxe para casa caixas e caixas de dossiers top secret que lhe apeteceu trazer. E recuperá-las está a tornar-se um verdadeiro folhetim político, com a facção mais vocal do republicanos a posicionar-se em apoio àquele boçal, dispersando a conversa, para que não se coloque a pergunta óbvia a Trump: para que é que ele quer dossiers top secret originais em sua casa, se se trata de segredos de estado? Isto é do nunca visto! Lembro-me dum episódio parecido em Portugal, com Paulo Portas, mas esse ao menos levou os documentos em fotocópias: 61.893 para ser preciso. E não eram documentos classificados. Era esquisito, mas o Ministério Público disse que assim não fazia mal. O que não é o caso agora do FBI e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos neste caso de Donald Trump.

A BATALHA DE DUMLUPINAR

30 de Agosto de 1922. Com a conquista pelo exército turco de Afyon (actualmente Afyonkarahisar), dá-se por concluída a batalha de Dumlupinar. A derrota grega, mais do que apenas uma derrota militar, representa o fim do sonho de uma Grécia coexistente nas ilhas mas sobretudo também nas duas costas do Mar Egeu, a da Europa e a da Ásia, a Megáli Idea (abaixo). A lendária cidade de Tróia onde ocorreu a guerra do mesmo nome, por exemplo, situa-se nas costas asiáticas do Egeu. Mas os sentimentalismos de pouco haviam contado no campo de batalha e a vitória decisiva fora para a Turquia e Tróia iria ficar em território turco. Naturalmente não se saberia então, mas este desfecho, como assinalei num poste prévio, virá a causar a queda do primeiro-ministro britânico!
E no entanto e mais uma vez venho demonstrar que os acontecimentos internacionais de mais profundo significado não raro escapam às atenções de quem se encarregava - e encarrega - de nos informar. Esta batalha de Dumlupinar e as suas consequências militares e políticas, apesar do significado profundo que virá a ter para a configuração das fronteiras e para as populações da Grécia e da Turquia (milhões virão a ser transferidos de um dos lados da fronteira para o outro como assinalei noutros poste), passou quase uma semana sem ser sequer noticiada nos nossos jornais. Quando o passaram a ser, a partir de dia 4 de Setembro, ainda as notícias vinham cheias de distorções (abaixo). A classe dos jornalistas bem se esforça para parecer que não, mas quando a História vem nas páginas de um jornal, até parece que é por acaso...

29 agosto 2022

A BATALHA DO «MATERIAL DE SOM»

Vão de férias, vêm de férias e tudo permanece na mesma. Ontem, mais um vez, na batalha de audiências entre SIC e TVI, a ressonância das opiniões de Marques Mendes e de Paulo Portas continua a ser decidida pela qualidade dos altifalantes de corneta que depois difundem as respectivas opiniões. nos órgãos de suporte. Assim, dá sempre a impressão que ganha o gajo do Expresso, por muito que Paulo Portas seja muito mais arguto, inteligente e documentado do que o seu rival. Só que, depois de Julho de 2013, terá sido irrevogavelmente proscrito. Não merece que se tenha pena dele. Mas também não vale a pena levar as opiniões do outro a sério.

A MORTE DE «MANOLETE»

29 de Agosto de 1947. A morte do grande toureiro espanhol «Manolete» ocorre na madrugada do dia seguinte a ter sido colhido numa corrida em que participava, em Linares na Andaluzia. Se é compreensível a consternação que o acontecimento causou em Espanha, não deixa de surpreender a ressonância que o mesmo teve em Portugal, ao apreciar-se acima a cobertura destacada e extensa que a nossa imprensa deu ao sucedido.

28 agosto 2022

O ANTIGO PRIMEIRO MINISTRO QUE SE NOTABILIZA POR ABANDONAR PROGRAMAS DE TELEVISÃO EM DIRECTO

Reconheçamos que é bizarro: os antigos primeiros ministros notabilizam-se por outras características. Algumas até muito pouco abonatórias para o seu carácter, como é o caso de José Sócrates. Mas o seu predecessor Pedro Santana Lopes parece ser melhor recordado por abandonar programas de televisão em directo.

A VIAGEM PRESIDENCIAL QUE SE TORNOU NUM DOS MAIORES FIASCOS DA DIPLOMACIA PORTUGUESA

Assinala-se o começo de uma saga que, embora não engrandeça a História de Portugal, vale a pena ser contada. No Portugal de há cem anos, antecipando-se uma comemoração esmerada do primeiro centenário da independência brasileira, que se iria comemorar a 7 de Setembro, foi decidido aceitar um convite endereçado pelo presidente brasileiro Epitácio Pessoa (1865-1942), que a delegação portuguesa presente nessas celebrações do Rio de Janeiro (então a capital do Brasil) contaria com a presença do nosso supremo magistrado, o presidente da República, António José de Almeida (1866-1929). O simbolismo dessa presença do presidente português em terras brasileiras era potenciado pelo facto de que isto acontecia numa época em que as deslocações dos chefes de Estado eram acontecimentos muito raros. Estabelecida de antemão a importância do acontecimento, foi assim que a 26 de Agosto de 1922, um Sábado, o presidente António José de Almeida embarcou no navio que o transportaria até ao Brasil, conforme noticiava nesse mesmo dia o Diário de Lisboa (acima, à esquerda). Estava previsto que o navio zarparia pelas 21H00 daquele mesmo dia. Mas não zarpou... O mesmo Diário de Lisboa, mas dois dias depois, 28 de Agosto (acima ao centro - cumprem-se hoje precisamente cem anos e esta efeméride é a do fiasco que ali começou), explicava aos seus leitores porque é que o vapor Porto, o navio presidencial, ainda continuava pelas águas do Tejo: houvera uma avaria das máquinas. Com presidente a bordo e tudo. Comentava-se em surdina, embora ainda não no jornal, que a escolha do navio não fora a mais acertada: o Porto era um navio luxuoso, muito bonito (aprecie-se a sua fotografia abaixo, quando engalanado, fundeado na baía do Funchal!), mas que já era antiquado: fora construído em 1894. Fora apreendido aos alemães em 1916 e a sua exploração e manutenção não fora das melhores. As máquinas funcionavam ainda a carvão e havia quem, desde a sua escolha para transporte presidencial, duvidasse que ele pudesse atingir a velocidade necessária para cumprir o calendário apertado concebido para que António José de Almeida estivesse a 7 de Setembro no Rio de Janeiro.
Assim, com um começo de máquinas avariadas, a dar um "avanço" de dois dias ao tempo de viagem, ainda ia ficar mais difícil chegar a tempo... Enfim, o Porto lá acabou por partir (acima à direita)... mas apenas para tornar a avariar-se quando o navio passava pelas Canárias. E foram mais uns dias de reparações. Um navio britânico de passagem ofereceu-se para transportar o presidente português (abaixo, à esquerda), mas, porque a comitiva ficaria para trás e assumindo com galhardia o desastre total de relações públicas e de prestígio nacional que todo o episódio constituiria, o convite foi declinado. Entretanto, chegava-se ao dia 7 de Setembro e nesse dia o presidente português e o seu navio ainda navegava por paragens de Cabo Verde. No Rio de Janeiro, o anfitrião, Epitácio Pessoa, ainda fazia o que podia para ir atrasando o que podia ser atrasado, mas no dia 12 de Setembro, ainda António José de Almeida vogava em alto mar, lá teve que organizar o banquete em que se despedia das restantes delegações estrangeiras que haviam estado presentes nas cerimónias (abaixo, ao centro). E foi só no dia 17 de Setembro, um Domingo, três semanas e um dia depois do embarque, que o presidente de Portugal chegou finalmente ao Rio de Janeiro. Era impossível reanimar uma festa que já acabara (abaixo, à direita). O programa da visita presidencial cumpriu-se, mas o embaraço era indisfarçável. Previsivelmente, surgiu uma explicação que colocava as culpas do que acontecera na qualidade do carvão. E a culpa morreu solteira, como de costume. O que todo este episódio tem de diferente de tantos outros fiascos do passado, e por isso será tão esquecido, é que não tem uma facção política a quem possa ser assacada uma responsabilidade clara, a não ser, talvez, a corporação dos engenheiros maquinistas navais ou então a dos membros da diplomacia e do protocolo de Estado, que arriscaram transportar o presidente num cangalho velho (o navio irá ser retirado de serviço em 1924) e depois não estabeleceram quaisquer programas de contingência para os atrasos que estavam a acontecer. É que, importa rematar com esse facto, depois de todo este atraso, António José de Almeida nem sequer pôde regressar do Brasil a tempo de presidir às cerimónias do 5 de Outubro – o feriado politicamente mais importante da República!

O TEATRO E OS TEATROS DE HÁ CEM ANOS

A edição do Diário de Lisboa de 28 de Agosto de 1952 fazia uma evocação do cartaz de espectáculos de teatro em Lisboa em 28 de Agosto de 1922. Havia nove peças em cena, enquanto 30 anos precisos depois, havia apenas um teatro aberto. A evocação não o refere, mas tratava-se do Teatro Monumental, e a peça intitulava-se «O homem que veio para jantar», uma comédia que se estreara originalmente em Nova Iorque no Outono de 1939. Os protagonistas eram João Villaret, Laura Alves e Lucília Simões. O que a evocação também não comparava era o número de salas de cinema que estariam abertas em 1922 em Lisboa (os animatógrafos, como então se designavam, eram sete) e os cinemas existentes em 1952 (que haviam passado a ser quinze!). Como se comprova, as queixas sobre a crise do Teatro, não sendo centenárias, são, ainda assim, muito antigas... e tradicionalmente enviesadas.

27 agosto 2022

O REFERENDO SUECO SOBRE A PROIBIÇÃO DO ÁLCOOL

Domingo, 27 de Agosto de 1922. Tem lugar na Suécia um referendo sobre a proibição da venda de bebidas alcoólicas. O Não à proposta de proibição (representado acima pelo cartaz verde) vence por uma margem mínima de 51 versus 49% dos votos. Recorde-se que, nos Estados Unidos, a Proibição do consumo de álcool, conhecida popularmente por Lei Seca, entrara em vigor em Janeiro de 1920 e será revogada (sob o maior desrespeito social) em Dezembro de 1933. E como se percebe por este caso, outros países como a Suécia passaram rasantes a idêntico disparate social.

26 agosto 2022

PORTUGAL E FINLÂNDIA: UMA «RELAÇÃO DE BEIJO NA BOCA»

Não sei quantos ainda recordarão que, aqui há onze anos, quando se constatou que o desconhecimento da realidade portuguesa era enorme entre os finlandeses, se resolveu fazer um video que lhes era destinado, a respeito do nosso país (acima). Da Finlândia responderam com um video seu e o que interessa concluir é que, desde então, parecer-me-á que os dois países ficaram íntimos. Tanto assim, que a propósito do recente episódio das imagens da primeira-ministra finlandesa que acabaram publicadas nas redes sociais (abaixo), um assunto que não estou a ver bem qual é, parece não haver comentador encartado dos nossos que não tenha emitido uma opinião - de preferência ultrajada - sobre o acontecimento. Esse assunto afigura-se importante, eu é que não o devo ter percebido bem.

A ABERTURA DOS JOGOS OLÍMPICOS DE MUNIQUE

Sábado, 26 de Agosto de 1972. A RTP transmite a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Munique durante um pouco mais de duas horas. São as primeiras olimpíadas que os europeus podem acompanhar pela televisão em directo em horários razoáveis (houvera uma diferença de 7 horas(!) nas olimpíadas anteriores do México). A programação da RTP do dia seguinte (um Domingo) dedicava-lhes oito horas de programação!
E no entanto, os vídeos que hoje se podem encontrar no Youtube, como este acima que contém a música (fanfarra) identificativa dos jogos, pecam, para os nostálgicos como eu, por não conseguir transmitir as verdadeiras condições como se seguiam as emissões naquela época, em que as imagens eram a preto e branco, ainda mais esborratadas do que a fotografia abaixo mostra, e com o formato 4:3, quase quadrado, dos ecrãs da televisão.

ARTEMIS I

Normalmente são os projectos astronáuticos menos merecedores, aqueles que recebem uma promoção mediática mais exagerada e absurda, se considerarmos aquilo que eles representam realmente em termos de evolução técnica. Recorde-se a esse respeito o episódio recente do primeiro turista espacial português, com a CNN Portugal a dedicar horas encadeadas de emissão a esse passeio espacial especial do seu próprio patrão... Só que tudo isso não passa de publicidade encapotada a uma nova área de negócio para pessoas mais abonadas: o turismo espacial. As agências estatais, como é o caso da NASA norte americana, andam na astronáutica para outras coisas, e a promoção que elas fazem aos seus projectos (acima e abaixo) encalha sempre nos circuitos mediáticos quando em comparação com a do turismo, vá-se lá saber porquê?! Esta publicação destina-se a chamar a atenção de quem tenha algum interesse por estes assuntos para o próximo lançamento da missão Artemis I, cujo lançamento está programado para 29 de Agosto. Trata-se dos preliminares do regresso de voos tripulados à Lua, depois de 50 anos de intervalo. Manda a verdade admitir que actualmente ainda não há certezas se haverá financiamento para que aquele regresso à Lua tenha mesmo lugar em 2024 ou talvez depois. De toda a maneira, o tema desse hipotético regresso à Lua parece-me mais pertinente do que o voo suborbital de Mário Ferreira. Como pioneiro, Neil Armstrong não era rico nem CEO de coisa nenhuma.

25 agosto 2022

SUNAK E AS RESPONSABILIDADES PELOS EXAGEROS DA PANDEMIA

Antes de tudo identifique-se Sunak. Rishi Sunak é um deputado conservador britânico que foi chanceler do Tesouro do governo de Boris Johnson até se demitir com outros em princípios de Julho deste ano, gesto que precipitou a queda do próprio Johnson. Sunak está agora em campanha interna, dentro dos conservadores, para suceder a Johnson (as eleições são no próximo dia 5 de Setembro), o que para mim constitui explicação bastante para ele ter produzido a afirmação que lhe lemos acima, num artigo do The Guardian, a de que foi um erro "dar poder" aos cientistas durante a pandemia da Covid. Deixem-me dizer-vos que, em minha opinião, Sunak está redondamente enganado. O que aconteceu foi que "a ciência", no caso a opinião de alguns, mas apenas alguns cientistas, foi selectivamente escolhida e publicitada pelos políticos durante a pandemia para dar satisfação ao que pareciam ser os receios dos segmentos mais crédulos, mais vocais e sobretudo mais hipocondríacos(...) da opinião pública. O padrão do comportamento dos políticos - à escala mundial, António Costa foi só mais um - foi o de se recusarem a assumir os riscos de adoptarem medidas mais contidas e menos exuberantes, por muito que elas fossem as recomendações da ciência mainstream, com o receio de se confrontarem com as acusações de uma opinião publicada que vivia do esplendor da crise. Já se esqueceram das pressões internacionais que incidiram sobre a Suécia, cujo governo adoptou um comportamento moderado? O papel conjugado do alarmismo da comunicação social e da falta de coragem política dos responsáveis é que teve por consequência uma miríade de restrições disparatadas, sustentadas em pareceres científicos conformes (esses arranjam-se sempre...). Quanto ao apetite da comunicação social por crises sanitárias de grande repercussão, ele pode ainda agora ser constatado na volúpia como se acompanham episódios secundaríssimos como a varíola dos macacos que parece estar em vias de ser substituída por uma febre do tomate que acabou de eclodir na Índia... Reconheça-se, apesar de tudo, que Rishi Sunak tem aqui o mérito de questionar o exagero que constituíram as medidas de reacção à pandemia, embora queira capitalizar agora as simpatias de uma opinião pública que acabou saturada de tanto exagero em medidas profilácticas. Mas enganou-se completamente no diagnostico dos responsáveis. Não por acaso, ele faz parte de um dos grupos culpados (os políticos) e dá a sua opinião utilizando-se do outro (a comunicação social). A ver se, para além de Sunak, há mais quem queira voltar ao assunto...

«AS TEORIAS DE EINSTEIN E A SUA INFLUÊNCIA NA GEODESIA»

25 de Agosto de 1932. Confesso que tenho grande dificuldade, por muito desprovida de assuntos que seja desde sempre esta estação veranil, em imaginar algum canal informativo actual - SIC Notícias, RTP3, CNN Portugal - a atrever-se a encher uma meia hora da sua emissão com as teorias de Einstein ou um outro qualquer tópico erudito equivalente.

24 agosto 2022

A CARGA DE CAVALARIA DE IZBUSHENSKI

24 de Agosto de 1942. No terceiro ano da Segunda Guerra Mundial, de há muito se havia confirmado que as cargas de cavalaria se haviam tornado completamente anacrónicas numa guerra que se motorizara. Mas este episódio de há oitenta anos possui a curiosidade adicional da nacionalidade dos protagonistas. De facto, esta carga de cavalaria tardia foi protagonizada pelo Regimento Savoia Cavalleria (700 cavaleiros) do exército italiano que então combatia na Rússia. Do outro lado, estava o 812º Regimento soviético (304ª Divisão), que os italianos descrevem composto predominantemente por tropas mongóis. A respeito dos detalhes operacionais do que aconteceu, há uma página na wikipedia, mas convém acautelar previamente os leitores que tanto os italianos quanto os russos não são reputados pelo rigor das narrativas militares das suas unidades, transformando-as em pura propaganda. Esta foi aproveitada pela Itália que a transformou num episódio épico, mais tarde transformado mesmo em filme (veja-se aqui). Mas, descontada a curiosidade que vale a pena assinalar, o episódio, menor, dilui-se no grande embate que se travava na Frente Leste: no dia anterior as primeira tropas alemãs haviam entrado em Estalinegrado, a 230 km dali. Era o início de uma das batalhas decisivas da Segunda Guerra Mundial.

23 agosto 2022

SANTOS E PECADORES E... INCOMPETENTES

Parece-me evidente que o major-general Agostinho Costa foi à CNN dizer mais coisas para além daquilo que foi destacado em rodapé pela estação. Mas também disse que o «assassinato de Darya Dugina mostra que a Ucrânia está a alargar a sua forma de fazer guerra». Como já aconteceu por múltiplas vezes no passado, o major-general Costa mostra uma firmeza de opinião que não assenta em igual firmeza na forma como se documenta para opinar. Depois saem-lhe estas afirmações que são disparatadas e inconsequentes. Se este género de operações clandestinas são formas de "fazer guerra" então a Rússia está em guerra há muitos anos. Está em guerra com o Reino Unido desde 2018, por exemplo, quando montou uma operação para liquidar um desertor dos seus serviços secretos que se refugiara naquele país (Caso Skripal), operação essa que o atingiu não só a ele, mas também à filha. Como se percebe, isto das filhas serem vítimas colaterais dos atentados não é de agora. E descobre-se, retrospectivamente, que, pela perspectiva do major-general Costa, a própria Rússia já havia alargado a sua forma de fazer guerra à Ucrânia já em Setembro do ano passado (2021), cinco meses antes da invasão, quando um assessor do presidente ucraniano fora vítima de outro atentado. Como se percebe por este caso mais recente do atentado que vitimou a filha do assessor de Putin, os assessores parecem constituir alvos excelentes para passar recados ao outro lado. Mas toda esta guerra de sombras, de tão óbvia, é só surpreendente que não houvesse despertado até agora a atenção do major-general Costa, que só a descobre quando é a Ucrânia a praticá-la. Afinal ele não precisa de armar-se em sonso e ingénuo, como é a função do ministro russo Sérgio Lavrov que agora proclama: «Não pode haver misericórdia para aqueles que organizaram, ordenaram e executaram o atentado» que matou Darya Dugina. Perdoa-se Lavrov porque aquilo é a função dele e porque é sempre chato ficar-se do lado que é o alvo deste género de operações clandestinas, como se constata, no Caso Skripal, pela famosa fotografia abaixo de Theresa May a cumprimentar protocolarmente Vladimir Putin na Cimeira dos G20 de Osaka em 2019. Mas o major-general Costa devia continuar a ser apenas uma opinião reconfortante para todos aqueles que ainda se dispõem a seguir a invasão da Ucrânia mas que continuam a gostar de ouvir boas notícias para o lado russo. Com facciosismo, mas ao menos com qualidade - que é o que lhe tem faltado.

OS GOLPES DE ESTADO NAS REPÚBLICAS DAS BANANAS

23 de Agosto de 1947. No Equador regista-se um golpe de Estado encabeçado pelo coronel Carlos Mancheno Cajas, antigo ministro da Defesa, que leva à deposição e à partida para o exílio no Chile do presidente José Maria Velasco Ibarra. Esta é a notícia da United Press. E no entanto, comprovando a percepção que na América Latina ocorriam golpes de Estado com uma frequência inusitada, dez dias depois dos acontecimentos o novo regime do presidente Mancheno vem a ser derrubado por outro golpe de Estado, promovido por outros militares que devolveram o poder ao anterior vice-presidente Mariano Suárez. A paródia abaixo, um golpe de Estado que vinga mas depois deixa de vingar, e todos aderem com igual entusiasmo tanto a um lado quanto ao outro, consta de uma página de uma aventura de Tintin (A Orelha Quebrada, de 1937). E refira-se também, por curiosidade e a propósito do epíteto que estes países receberam (repúblicas das bananas), que, nos anos imediatamente seguintes ao acontecimento, mais precisamente entre 1948 e 1952 as exportações equatorianas de bananas para os Estados Unidos irão decuplicar, passando de 2 para 20 milhões de dólares.

22 agosto 2022

O ASSASSINATO DE MICHAEL COLLINS

22 de Agosto de 1922. Na Irlanda travava-se uma guerra civil. Opunham-se duas facções republicanas e anti-britânicas, que haviam combatido juntas pela independência irlandesa até 1921. Só que agora havia uma facção, pragmática, que aceitava o Tratado que conferira autonomia à Irlanda de maioria católica em relação ao Reino Unido, e havia outra facção, mais radical, que se opunha à aceitação desse mesmo Tratado. Há precisamente cem anos, o líder político e militar da primeira facção, Michael Collins, caía vítima de uma emboscada montada pelas guerrilhas da segunda facção.´Quatro dias antes o Diário de Lisboa publicara uma passagem de uma entrevista de Collins, daquelas passagens destinadas a não se tornarem históricas: nessa entrevista o líder irlandês considerara «esgotada a resistência das tropas irregulares. Antes de uma semana as operações do Sul deveriam estar terminadas». Apesar de tudo isso, seriam os moderados a triunfar na guerra civil, que se prolongaria contudo até Maio de 1923.

O ATENTADO DO PETIT CLAMART

Hoje cumprem-se 60 anos sobre a data do segundo atentado – e o mais sério – que de Gaulle sofreu às mãos da OAS, a propósito do desfecho da questão argelina. Ao fim da tarde, quando o presidente francês acompanhado da esposa realizava um percurso que o levaria do palácio do Eliseu até à Base Aérea de Villacoublay (nos arredores de Paris), local onde um helicóptero os aguardava para os transportar para a sua residência em Colombey-les-Deux-Églises, a viatura presidencial (um Citroën DS 19 - os famosos bocas-de-sapo) foi emboscado e metralhado por um comando de doze homens armados de pistolas-metralhadoras – veja-se a descrição no vídeo acima. Dos quase 200 tiros que os peritos posteriormente estimaram ter sido disparados, 14 foram identificados na carroçaria do DS onde viajava de Gaulle, a esposa, o motorista e o ajudante de campo (e também genro) do general. Embora o vidro traseiro da viatura tivesse sido estilhaçado, nenhum dos passageiros foi atingido. De Gaulle reconheceu publicamente ter tido sorte.
Ao contrário do precedente a motivação para este atentado só podia ser mesmo vingança pessoal: a independência da Argélia tivera lugar um mês e meio antes, a 3 de Julho de 1962, e a hipótese da OAS condicionar de Gaulle visando-o pessoalmente esgotara-se com ela. Todavia, também a reacção de de Gaulle foi bastante personalizada: os implicados vieram a ser julgados por um Tribunal Superior Militar de Justiça de uma legitimidade pelo menos controversa considerada a impossibilidade de recorrer das suas sentenças. Mau grado, o julgamento foi expedito e em 4 de Março de 1963, três dos réus vieram a ser condenados à morte. Foi o próprio de Gaulle, exercendo a sua magnanimidade, que comutou a sentença de dois deles. Porém, o tenente-coronel Bastien-Thiry (abaixo), que fora o mais qualificado responsável pela organização de todo o atentado foi executado por fuzilamento uma semana depois. Costuma atribuir-se a realização de atentados deste género a tresloucados mas este é um caso que demonstra o quanto a política pode gerar animosidades ferozes.

A DECLARAÇÃO DE GUERRA DO BRASIL

22 de Agosto de 1942. Há 80 anos o Brasil declarava guerra simultaneamente à Alemanha e à Itália. A declaração é pujante, mas as consequências nem por isso. Haveria que esperar dois anos, pelo Verão de 1944, para que as tropas brasileiras se engajassem, em Itália, directamente na guerra contra o exército  alemão.

21 agosto 2022

OS EXCESSOS DE BOA VONTADE PARA COM OS PALOPS

21 de Agosto de 1982. Esta notícia a respeito do restabelecimento do comércio do açúcar entre Portugal e Moçambique é sintomático de como, 7 anos depois das independências, a atitude portuguesa para o reatamento das relações tradicionais com as suas antigas colónias era voluntariosa, também um pouco complexada, mas podia ser, sobretudo, muito ingénua. Por detrás da (aparente) força da posição negocial moçambicana escondia-se uma indústria açucareira em completo descalabro, conforme se comprova pela passagem abaixo, extraída de um estudo recente (2021) sobre aquela indústria - na verdade, houve uma redução de mais de 90% da produção entre 1975 e 1992! Moçambique acabou dependendo de importações de açúcar dos países vizinhos... Pondo as arrogâncias contra o colonialismo de parte, a verdade crua é que era previsível em 1982 que Moçambique nunca estaria em condições de vir a satisfazer quaisquer quotas de um contrato «a longo prazo» com Portugal. Essa era a verdade, por muito que custasse às autoridades moçambicanas reconhecer que a saída dos portugueses tinha arruinado irreversivelmente, para além das suas capacidades, algumas das actividades económicas mais proeminentes de Moçambique. As autoridades portuguesas eram obrigadas a sabê-lo, para não andarem a perder tempo com estas fantasias. Em vez disso, subsistia este faz-de-conta, sustentado em complexos ideológicos e remorsos pós coloniais. 

20 agosto 2022

...AVISEM-ME QUANDO FERNANDO MEDINA NOMEAR O «SUBSTITUTO» DE SÉRGIO FIGUEIREDO...

Esta seria aquela ocasião que recomendava que a desistência de Sérgio Figueiredo fosse acompanhada do anúncio simultâneo de quem seria o seu substituto naquelas funções. Teria sido muito importante, no meio do embrulho político que se gerou, ao menos tentar afastar a ideia que o Fernando retribuíra com um lugar jeitoso o favor que lhe fizera o amigo Sérgio. Mas não. Já lá vão três dias depois desta declaração genérica acima por parte do ministro das Finanças, uma declaração estruturante (mas impessoal...) da orgânica do funcionamento do seu gabinete, e ainda não há notícias de quem possa vir a substituir Sérgio Figueiredo, que se descobre assim ser alguém indiscutivelmente muito difícil de substituir... Avisem-nos quando Fernando Medina nomear o «substituto»... E avisem-me também quando, na comunicação social, se deixarem de andar a plantar assim, passiva e negligentemente, as notícias das guerras internas das facções do PS, e quiserem discutir estes assuntos com a seriedade de levar aquilo que denunciam até às últimas consequências políticas... É que, suspeito, a preocupações com a identidade de quem será o substituto de Sérgio Figueiredo irá desaparecer pelo mesmo sítio onde se abandonaram as preocupações com a localização do novo aeroporto de Lisboa, recordam-se?

O FOSSO EUROPA AMÉRICA

O tempo entretanto decorrido tem levado à reconstrução de um passado idílico nas relações entre a Europa e a América, passado esse que, provocado pela forçada aproximação inicialmente gerada pela Segunda Guerra Mundial e depois pela Guerra Fria, se percebe, verificando os acontecimentos da época, esteve sempre sujeito a variadíssimos incidentes, como este noticiado há precisamente 60 anos - 20 de Agosto de 1952. A ocasião fora a visita da única filha do então presidente norte-americano, Harry Truman, à Europa, mais precisamente à Suécia. A primeira dissonância entre europeus e americanos era a promoção que era conferida às figuras da família presidencial (veja-se acima à direita, a capa que fora concedida pela revista americana Time em Fevereiro de 1951 a Margaret Truman, que era cantora lírica: uma soprano...). Os europeus estavam habituados a que houvesse algum género de publicidade daquele género nos países monárquicos (e a Suécia era uma monarquia), mas a sobriedade a respeito da família próxima dos chefes de Estado republicanos era de rigor naqueles países. Mas o episódio que causara acima o incidente que chegara ao jornal e que desencadeara os protestos dos jornalistas suecos fora algo para além disso: tinha sido a agressividade arrogante dos guarda-costas que, armados, acompanhavam a distinta visitante. Esse comportamento mostrava-se tanto ao arrepio dos usos e costumes locais, que até mesmo a imprensa de Estocolmo que se mostrara mais simpática para com os americanos (promovendo na época a adesão da Suécia à NATO), se dissociavam do que se tornara um verdadeiro desastre de relações públicas por parte dos Estados Unidos. Esclareça-se, em jeito de remate, que as críticas musicais à carreia de cantora de Margaret Truman, geralmente benignas enquanto o pai ocupou a Casa Branca (1945-1953), pioraram substancialmente depois disso. Em 1957 ela abandonou a carreira para se tornar jornalista e escritora.

19 agosto 2022

O «RAID» DE DIEPPE

19 de Agosto de 1942. Neste dia de há 80 anos, uma força britânica, mas maioritariamente composta por canadianos, realiza um raid sobre a cidade costeira francesa de Dieppe. O plano de operações original dos atacantes era o de derrotar as defesas alemãs instaladas nas praias e ocupar a cidade por algumas horas, destruindo as infraestruturas que pudessem aproveitar aos alemães, antes de reembarcar. No fundo, tratava-se de uma exibição de força e ousadia. Entre as unidades que iriam participar no assalto contava-se um regimento blindado, equipado com mais de 50 tanques Churchill e viaturas de reconhecimento Dingo. Por seu lado, a Royal Navy agrupava oito destroyers para apoiar a força de desembarque anfíbia, que incluía mais de duzentas embarcações, e a Royal Air Force mobilizava 74 esquadrões para lhes propiciar uma cobertura aérea adequada. Um esforço agregado, quando considerados todos os ramos, de cerca de 10.500 homens, dos quais 6.000 (5.000 canadianos e 1.000 britânicos) desembarcariam em terras francesas logo pelas 05H00 da manhã.
Do outro lado (e entenda-se a expressão com mais do que um sentido, porque Hitler estava do outro lado da Europa, em Vinnytsia na Ucrânia, de visita à Frente Leste), o susto foi grande, mas passou depressa. Para além da 302ª divisão, que guarnecia a região, o general Adolf Kuntzen, comandante do 81º Corpo de Exército, apressou-se a accionar em resposta as divisões móveis existentes em reserva, a divisão Leibstandarte SS Adolf Hitler e a 10ª divisão panzer. Mas nem chegaram a ser precisas. O desembarque veio a ser um fracasso completo para os atacantes, detido apenas pelos meios locais - 1.500 homens. A lista das perdas dos atacantes impressiona: perderam 33 das embarcações envolvidas no desembarque, para além de um dos oito destroyers que as apoiava; a RAF perdeu 106 aviões, o dobro das perdas sofridas pela Luftwaffe (48); mas o pior para a moral dos assaltantes foram, não apenas os mortos (900 contra 300 alemães), mas sobretudo os que tiveram de ficar para trás, aprisionados, por impossibilidade de os reembarcar - cerca de 2.000 homens (acima e abaixo).
Em suma, uma hecatombe militar, a que há que acrescentar o adicional de ter durado pouco tempo: às 9H00 da manhã já os assaltantes se tinham apercebido da inutilidade dos seus esforços e dado ordens para o reembarque. O pior era cumprir essas ordens debaixo do fogo nutrido que varria as praias. O tenente-coronel Dollard Ménard (abaixo), por exemplo, que comandava os Fuzileiros de Mont-Royal (uma unidade francófona), acabou sendo evacuado pelos seus homens mas depois de ter sido ferido por cinco(!) vezes. Contudo, 60% dos seus 900 fuzileiros ficaram para trás. Lê-se nos relatórios dos alemães que às 16H00 todo o comércio de Dieppe reabrira como se se tratasse de um dia normal. O comportamento dos habitantes locais fora irrepreensível, tendo inclusive havido casos de auxílio à captura de soldados britânicos transfugidos. Como gesto de retribuição, Adolf Hitler mandou libertar os prisioneiros de guerra franceses de 1940 que fossem oriundos de Dieppe - cerca de 1.500. A moral e a confiança dos alemães atingiu um novo patamar.
Do outro lado do Canal, travou-se uma outra batalha para reinventar a operação militar e a História, em busca de um paradigma diferente do verdadeiro fiasco total em que ela se tornara. O almirante Louis Mountbatten (abaixo), que, à frente das Operações Combinadas, mostrara ser o maior apoiante e entusiasta da iniciativa, bem podia ser um militar imprudente e medíocre, mas também se mostrava um cuidadoso gestor da sua imagem numa época em que o conceito era novo e conseguiu escapulir-se das consequências. A explicação e justificação que no QG de Mountbatten se foi desencantar para a debacle era, entre outras (para além da inexperiência das tropas canadianas*), que as insuficiências detectadas pelo desembarque de Dieppe vieram a ser apreendidas e solucionadas, para que se poupassem milhares de vidas naquele que veio a ser o desembarque da Normandia. Uma tese ridícula que só não foi mais ostensivamente contestada por causa das necessidades de guerra. Mas os canadianos nunca perdoaram o sacrifício de tantos a Mountbatten, que sempre foi considerado naquele país uma persona non grata.
Mas o melhor comentário a respeito daquela desculpa disparatada inventada pelos britânicos para justificar este seu triste desastre militar (que lhes custou mais de 900 mortos), é o comentário que atribui - ironicamente - a Louis Mountbatten um conceito inovador na «doutrina de instrução» das suas tropas: a realização de manobras onde, para além do emprego de fogos reais, se envolveria a participação de inimigos reais. Perante tal disparate de Mountbatten, rematava-se sarcasticamente: as tropas ficavam muito bem instruídas, veteranas mesmo, o problema é que os custos humanos e materiais de tal tipo de instrução é que se assemelhava, estranhamente, ao das batalhas a sério...

* Tão inexperientes quanto todas as unidades que vieram a desembarcar nas praias da Normandia...

18 agosto 2022

OS TÉCNICOS TÊM SEMPRE UMA EXPLICAÇÃO PARA AS ALTERAÇÕES DE TEMPERATURA

18 de Agosto de 1932. Em contraste com o de 2022, o Verão europeu de 1932 foi anormalmente frio. E o Diário de Lisboa não resistia a publicar uma explicação científica para o fenómeno, produzida pelo padre Guido Alfani, o director do Observatório Ximeniano de Florença, Itália. Seria interessante talvez esclarecer os leitores que a especialidade do padre Alfani seria mais a sismologia (a ciência que avaliou os efeitos do recente discurso de Luís Montenegro em 4,5 na escala de Richter). O que importante é que, em procurando, há sempre explicações para publicar sobre os fenómenos atmosféricos. Um outro ponto a suscitar perplexidade é que o assunto eram as temperaturas do Verão europeu, mas o artigo aparecia oriundo de Buenos Aires, Argentina, América do Sul, no hemisfério Sul. Onde era Inverno...

17 agosto 2022

A MAIS FAMOSA VÍTIMA DO MURO DE BERLIM

17 de Agosto de 1962. Peter Fechter era um jovem berlinense de 18 anos que decidira, com um amigo da mesma idade, tentar fugir para a metade ocidental de Berlim. Até ao ano anterior fora simples. Mas agora havia um Muro a dividir a cidade. Um Muro que era patrulhado por guardas armados e com instruções para atirar em quem tentasse fugir. Ao princípio da tarde, Peter e o seu amigo Helmut atravessaram a correr a zona da morte adjacente ao muro, para o tentarem escalar o mais rapidamente possível, ignorando as ordens dos guardas orientais, que acabaram por disparar, atingindo-o enquanto o amigo chegava incólume ao Ocidente. Atingido, Peter ali ficou durante quase uma hora ainda em território da Alemanha Oriental, esvaindo-se em sangue e pedindo ajuda de forma cada vez mais débil, numa situação escandalosa do ponto de vista humanitário, mas imensamente delicada do ponto de vista político, diplomático e militar. Só ao fim desse tempo é que, diante de centenas de berlinenses do lado ocidental (os do lado oriental haviam sido removidos pela polícia), os guardas do outro lado terão recebido autorização para ir buscar Peter, agora já cadáver. Não deixa de ser uma ironia descobrir que os que passam por salvadores de Peter Fechter nesta famosa fotografia acima houvessem sido também os agentes da sua morte. Aliás, quem domina a fotografia não é o morto, antes a cara assustada do guarda da direita, numa demonstração quanto os medos da guerra-fria seriam recíprocos… Mas que essa constatação não sirva de distracção sobre a quem atribuir a responsabilidade pelo assassinato. 

16 agosto 2022

POR ASSOCIAÇÃO DE IDEIAS: O GASODUTO E O TGV

A propósito desta recente iniciativa do chanceler Scholz, a emendar a mão de um desastrado erro estratégico do seu país, para que se construa um gasoduto com origem em Portugal que esteja conectado ao centro da Europa, ocorreu-me, por associação de ideias, levantar a questão - que não vi debatida ainda - de como poderá ser o traçado futuro desse futuro gasoduto que (os países do centro da Europa) a Alemanha agora descobriu ser bastante importante para si. E ocorreu-me porque, tratando-se de mais uma conexão do território português ao centro da Europa, põe-se a questão se o gasoduto também terá de passar forçosamente por Madrid, como os governos espanhóis têm insistido desde há décadas, sempre que se discute o traçado do hipotético TGV a conectar Portugal e Espanha ao resto da Europa. Ou então talvez não, que os (países do centro da Europa) alemães o caso do gasoduto estarão interessados num traçado verdadeiramente rápido e eficiente.

OS MITOS DO CLIMA BRITÂNICO

De 13 para 16 de Agosto, a descrição que os jornais britânicos fazem do tempo que por lá faz, passou, em meras 72 horas, da seca, incêndios e altas temperaturas, para chuva intensa e inundações que perturbam o tráfego rodoviário e ferroviário. Não sei como a meteorologia analisará este contraste mas, considerado do ponto de vista noticioso, lá se vai o mito da monotonia do clima britânico.

O (OUTRO) ROCAMBOLESCO GOLPE DE ESTADO CONTRA O REI DE MARROCOS

16 de Agosto de 1972. Depois de ter sido alvo de um pitoresco atentado contra a sua vida no Verão do ano passado, o rei Hassan II de Marrocos voltava a ser alvo de uma outra tentativa burilada de assassinato, que, se tivesse sido bem sucedida, corresponderia naquelas circunstâncias a um golpe de Estado. O rei regressava do estrangeiro, viajando num Boeing-727 da Royal Air Maroc fretado exclusivamente para o efeito, quando os novos caças militares F-5 da base aérea de Kenitra que haviam sido enviados para o saudar e escoltar resolveram, por assim dizer, mudar de atitude e fazer “tiro ao alvo" com o Boeing-727 onde viajava Hassan II e a comitiva que o acompanhava… O avião conseguiu, mesmo depois de alvejado, vir a aterrar como pode (acima) no aeroporto de Rabat. Daí Hassan II conseguiu convocar as tropas fiéis e fazer abortar o golpe. Os mentores do golpe acabaram todos executados. O episódio deve contar do top 10 dos mais desagradáveis regressos de férias de que há registo. E a lenda faz constar que o piloto do Boieng-727 (que era um antigo piloto militar, colega dos pilotos dos F-5 que o perseguiram e alvejaram) era convictamente republicano, mas que haviam sido as próprias circunstâncias do golpe que o haviam motivado a salvar a sua própria pele…

15 agosto 2022

«A PARTIR DE HOJE, A ÍNDIA GOVERNAR-SE-Á POR SI PRÓPRIA» e «UM ENCONTRO COM O DESTINO»

A Índia tornou-se independente há precisamente 75 anos. Tornar-se-ia de imediato o segundo país mais populoso do Mundo. Só apenas esse aspecto, conferiria imenso destaque ao acontecimento. Contudo, preste-se atenção à sobriedade da redacção do título escolhido pelo Diário de Lisboa para o anunciar. Constate-se como a palavra independência não aparece nem uma única vez naqueles primeiros parágrafos da notícia. E como, por causa do cuidado em evitar usá-la, o que se noticia parece por isso resumir-se, ridiculamente, a um simples novo procedimento administrativo: «A partir de hoje, a Índia governar-se-á por si própria». Em contraste, ouça-se e leia-se mais abaixo a tradução do início do discurso proferido na ocasião pelo primeiro primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru - «A Tryst with Destiny» (Um Encontro com o Destino). É considerado um dos dez mais importantes discursos em língua inglesa de todo o século XX.
Há muitos anos marcámos um encontro com o destino, e agora chega o momento em que resgataremos essa nossa promessa, não na sua totalidade ou plenamente, mas muito substancialmente.

Ao soar da meia-noite, enquanto o Mundo dorme, a Índia despertará para a Vida e para a Liberdade. Chega um daqueles momentos, que raramente ocorre na História, em que se sai do velho para o novo, quando termina uma Era e quando a Alma de uma nação, há muito reprimida, encontra a sua Expressão.

TUDO O QUE PASSA, PASSA NA TSF

Felizmente desta vez, e em vez dos tradicionais politólogos, a avaliação das consequências do discurso de Luís Montenegro no Algarve ficou a cargo de verdadeiros cientistas: sismólogos. Aquele, apesar de se ter registado a 62 quilómetros de profundidade, é considerado um acontecimento superficial. E tendo atingido a magnitude de 4,5 na escala de Richter é considerado um terramoto ligeiro. A comunicação social terá sentido toda o sismo, mas o abalo «não causou danos pessoais ou materiais».

14 agosto 2022

A ARTE DE «ENCHER CHOURIÇOS»... COM HISTÓRIAS IMAGINADAS SOBRE NAVES ESPACIAIS

É conhecida a proverbial dificuldade em arranjar assunto para preencher as páginas noticiosas do mês de Agosto. Para solucionar esse vazio, em 14 de Agosto de 1962, o Diário de Lisboa socorria-se de uma missão espacial soviética, que se compusera de duas naves espaciais tripuladas (Vostoks 3 e 4) que haviam sido lançadas quase em simultâneo para o espaço, o que constituía um feito inédito até então. A imagem acima mostra o alargado espaço que o jornal dedicava em primeira e última página a esse acontecimento. Isso seria aceitável, não fosse o facto de que muito desse espaço era preenchido com especulações que se verificou depois serem descabidas: a) haviam sido «captados sinais de um possível Vostok 5» que nunca existiu; ou então b) «as duas naves espaciais podiam ter-se tocado», mas nunca se tocaram, o mais próximo que estiveram seria a 6,5 km uma da outra. Nenhuma das naves - a fotografia de uma delas, inclusa no artigo, era uma completa invenção! - tinha capacidade de manobrar autonomamente no espaço, para se que de pudessem aproximar. Muito menos que os cosmonautas a bordo «transbordassem» de uma para a outra nave. Tratava-se tudo de especulações para «encher»... e entreter. Porque está a decorrer a guerra na Ucrânia, ocasião em que se mente mais do que muito, esta é apenas mais uma chamada de atenção para recordar que aquilo que aparece publicado nos jornais e aquilo que é verdade pode divergir substancialmente, especialmente quando a falta de transparência e de assunto estimula as imaginações.

13 agosto 2022

O TEMPO DOS BALADEIROS CONVENCIDOS

13 de Agosto de 1982. No rescaldo de mais um Festival de Vilar de Mouros que terminara dias antes, o Diário de Lisboa dava ressonância às queixas do baladeiro Vitorino, queixas essas que se estendiam do valor do cachets oferecidos aos artistas portugueses quando em comparação com os estrangeiros, até à programação do próprio festival, permitindo-se fazer a sua interpretação do que fora «o sentido crítico muito elevado» do público, que até esquecera «o "rock", apresentado como prato forte do festival». E no entanto, mais de vinte anos decorridos (2005), numa publicação de um outro jornal (Diário de Notícias), recordava-se essa edição por ter sido «a primeira visita a Portugal» de uma então modesta banda irlandesa chamada U2! Nitidamente esta última prestação passara ao lado do baladeiro Vitorino, nesses tempos em que os baladeiros se achavam - ridiculamente - detentores da verdade do que seria a qualidade musical e interpretes únicos do que seria o gosto (uniforme) do público.

12 agosto 2022

A QUEDA DE UM ANJO


Na verdade, o romance de Camilo Castelo Branco pouco tem a ver com a essência do tema sobre o qual escrevo, mas reconheça-se a beleza única do título escolhido por aquele grande romancista. E se há algum produto de higiene que se revista de uma aura angelical, esse será o pó de talco que, ao longo de gerações serviu de profiláctico às assaduras de rabinhos de tantos anjos... de fraldas. Mas os tempos evoluíram. E se, por um lado, as fraldas se tornaram de uma sofisticação complexa que absorve tudo e não irrita a pele dos cuzinhos dos anjinhos, por outro predominam agora correntes de opinião que se mostram contrárias à aplicação do pó de talco nas partes delicadas dos querubins do século XXI. E é assim que lemos o anúncio que a farmacêutica norte-americana Jonhson & Johnson terá acabado de tomar a decisão de «suspender» a comercialização do pó de talco a partir de 2023.

QUANDO AS PROMOÇÕES A OFICIAL GENERAL ERAM UM TÓPICO PARLAMENTAR

12 de Agosto de 1922. Na sessão parlamentar da Câmara de Deputados, os trabalhos haviam sido dominados pela apresentação de uma proposta para a promoção a oficial general de vários coronéis do exército. E a aprovação de quatro deles. Creio que duas conclusões se podem retirar deste Portugal bizarro de há precisamente cem anos. Em primeiro lugar, que o país em geral e os seus deputados em particular não iam todos de férias em Agosto. Havia quem continuasse a trabalhar para além dos empregados de hotelaria no Algarve. E em segundo lugar que aquelas nossas elites avoengas também não se tocavam sobre o ridículo. Além de se assistir à interferência do poder legislativo numa esfera de competências onde, em princípio, deveriam primar as regras estabelecidas pela própria corporação, a própria sessão parlamentar fora uma embaraçosa exposição de ciúmes e invejas que levara alguns dos deputados a desaparecerem oportunamente do hemiciclo quando da votação.