28 agosto 2022

A VIAGEM PRESIDENCIAL QUE SE TORNOU NUM DOS MAIORES FIASCOS DA DIPLOMACIA PORTUGUESA

Assinala-se o começo de uma saga que, embora não engrandeça a História de Portugal, vale a pena ser contada. No Portugal de há cem anos, antecipando-se uma comemoração esmerada do primeiro centenário da independência brasileira, que se iria comemorar a 7 de Setembro, foi decidido aceitar um convite endereçado pelo presidente brasileiro Epitácio Pessoa (1865-1942), que a delegação portuguesa presente nessas celebrações do Rio de Janeiro (então a capital do Brasil) contaria com a presença do nosso supremo magistrado, o presidente da República, António José de Almeida (1866-1929). O simbolismo dessa presença do presidente português em terras brasileiras era potenciado pelo facto de que isto acontecia numa época em que as deslocações dos chefes de Estado eram acontecimentos muito raros. Estabelecida de antemão a importância do acontecimento, foi assim que a 26 de Agosto de 1922, um Sábado, o presidente António José de Almeida embarcou no navio que o transportaria até ao Brasil, conforme noticiava nesse mesmo dia o Diário de Lisboa (acima, à esquerda). Estava previsto que o navio zarparia pelas 21H00 daquele mesmo dia. Mas não zarpou... O mesmo Diário de Lisboa, mas dois dias depois, 28 de Agosto (acima ao centro - cumprem-se hoje precisamente cem anos e esta efeméride é a do fiasco que ali começou), explicava aos seus leitores porque é que o vapor Porto, o navio presidencial, ainda continuava pelas águas do Tejo: houvera uma avaria das máquinas. Com presidente a bordo e tudo. Comentava-se em surdina, embora ainda não no jornal, que a escolha do navio não fora a mais acertada: o Porto era um navio luxuoso, muito bonito (aprecie-se a sua fotografia abaixo, quando engalanado, fundeado na baía do Funchal!), mas que já era antiquado: fora construído em 1894. Fora apreendido aos alemães em 1916 e a sua exploração e manutenção não fora das melhores. As máquinas funcionavam ainda a carvão e havia quem, desde a sua escolha para transporte presidencial, duvidasse que ele pudesse atingir a velocidade necessária para cumprir o calendário apertado concebido para que António José de Almeida estivesse a 7 de Setembro no Rio de Janeiro.
Assim, com um começo de máquinas avariadas, a dar um "avanço" de dois dias ao tempo de viagem, ainda ia ficar mais difícil chegar a tempo... Enfim, o Porto lá acabou por partir (acima à direita)... mas apenas para tornar a avariar-se quando o navio passava pelas Canárias. E foram mais uns dias de reparações. Um navio britânico de passagem ofereceu-se para transportar o presidente português (abaixo, à esquerda), mas, porque a comitiva ficaria para trás e assumindo com galhardia o desastre total de relações públicas e de prestígio nacional que todo o episódio constituiria, o convite foi declinado. Entretanto, chegava-se ao dia 7 de Setembro e nesse dia o presidente português e o seu navio ainda navegava por paragens de Cabo Verde. No Rio de Janeiro, o anfitrião, Epitácio Pessoa, ainda fazia o que podia para ir atrasando o que podia ser atrasado, mas no dia 12 de Setembro, ainda António José de Almeida vogava em alto mar, lá teve que organizar o banquete em que se despedia das restantes delegações estrangeiras que haviam estado presentes nas cerimónias (abaixo, ao centro). E foi só no dia 17 de Setembro, um Domingo, três semanas e um dia depois do embarque, que o presidente de Portugal chegou finalmente ao Rio de Janeiro. Era impossível reanimar uma festa que já acabara (abaixo, à direita). O programa da visita presidencial cumpriu-se, mas o embaraço era indisfarçável. Previsivelmente, surgiu uma explicação que colocava as culpas do que acontecera na qualidade do carvão. E a culpa morreu solteira, como de costume. O que todo este episódio tem de diferente de tantos outros fiascos do passado, e por isso será tão esquecido, é que não tem uma facção política a quem possa ser assacada uma responsabilidade clara, a não ser, talvez, a corporação dos engenheiros maquinistas navais ou então a dos membros da diplomacia e do protocolo de Estado, que arriscaram transportar o presidente num cangalho velho (o navio irá ser retirado de serviço em 1924) e depois não estabeleceram quaisquer programas de contingência para os atrasos que estavam a acontecer. É que, importa rematar com esse facto, depois de todo este atraso, António José de Almeida nem sequer pôde regressar do Brasil a tempo de presidir às cerimónias do 5 de Outubro – o feriado politicamente mais importante da República!

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