19 agosto 2022

O «RAID» DE DIEPPE

19 de Agosto de 1942. Neste dia de há 80 anos, uma força britânica, mas maioritariamente composta por canadianos, realiza um raid sobre a cidade costeira francesa de Dieppe. O plano de operações original dos atacantes era o de derrotar as defesas alemãs instaladas nas praias e ocupar a cidade por algumas horas, destruindo as infraestruturas que pudessem aproveitar aos alemães, antes de reembarcar. No fundo, tratava-se de uma exibição de força e ousadia. Entre as unidades que iriam participar no assalto contava-se um regimento blindado, equipado com mais de 50 tanques Churchill e viaturas de reconhecimento Dingo. Por seu lado, a Royal Navy agrupava oito destroyers para apoiar a força de desembarque anfíbia, que incluía mais de duzentas embarcações, e a Royal Air Force mobilizava 74 esquadrões para lhes propiciar uma cobertura aérea adequada. Um esforço agregado, quando considerados todos os ramos, de cerca de 10.500 homens, dos quais 6.000 (5.000 canadianos e 1.000 britânicos) desembarcariam em terras francesas logo pelas 05H00 da manhã.
Do outro lado (e entenda-se a expressão com mais do que um sentido, porque Hitler estava do outro lado da Europa, em Vinnytsia na Ucrânia, de visita à Frente Leste), o susto foi grande, mas passou depressa. Para além da 302ª divisão, que guarnecia a região, o general Adolf Kuntzen, comandante do 81º Corpo de Exército, apressou-se a accionar em resposta as divisões móveis existentes em reserva, a divisão Leibstandarte SS Adolf Hitler e a 10ª divisão panzer. Mas nem chegaram a ser precisas. O desembarque veio a ser um fracasso completo para os atacantes, detido apenas pelos meios locais - 1.500 homens. A lista das perdas dos atacantes impressiona: perderam 33 das embarcações envolvidas no desembarque, para além de um dos oito destroyers que as apoiava; a RAF perdeu 106 aviões, o dobro das perdas sofridas pela Luftwaffe (48); mas o pior para a moral dos assaltantes foram, não apenas os mortos (900 contra 300 alemães), mas sobretudo os que tiveram de ficar para trás, aprisionados, por impossibilidade de os reembarcar - cerca de 2.000 homens (acima e abaixo).
Em suma, uma hecatombe militar, a que há que acrescentar o adicional de ter durado pouco tempo: às 9H00 da manhã já os assaltantes se tinham apercebido da inutilidade dos seus esforços e dado ordens para o reembarque. O pior era cumprir essas ordens debaixo do fogo nutrido que varria as praias. O tenente-coronel Dollard Ménard (abaixo), por exemplo, que comandava os Fuzileiros de Mont-Royal (uma unidade francófona), acabou sendo evacuado pelos seus homens mas depois de ter sido ferido por cinco(!) vezes. Contudo, 60% dos seus 900 fuzileiros ficaram para trás. Lê-se nos relatórios dos alemães que às 16H00 todo o comércio de Dieppe reabrira como se se tratasse de um dia normal. O comportamento dos habitantes locais fora irrepreensível, tendo inclusive havido casos de auxílio à captura de soldados britânicos transfugidos. Como gesto de retribuição, Adolf Hitler mandou libertar os prisioneiros de guerra franceses de 1940 que fossem oriundos de Dieppe - cerca de 1.500. A moral e a confiança dos alemães atingiu um novo patamar.
Do outro lado do Canal, travou-se uma outra batalha para reinventar a operação militar e a História, em busca de um paradigma diferente do verdadeiro fiasco total em que ela se tornara. O almirante Louis Mountbatten (abaixo), que, à frente das Operações Combinadas, mostrara ser o maior apoiante e entusiasta da iniciativa, bem podia ser um militar imprudente e medíocre, mas também se mostrava um cuidadoso gestor da sua imagem numa época em que o conceito era novo e conseguiu escapulir-se das consequências. A explicação e justificação que no QG de Mountbatten se foi desencantar para a debacle era, entre outras (para além da inexperiência das tropas canadianas*), que as insuficiências detectadas pelo desembarque de Dieppe vieram a ser apreendidas e solucionadas, para que se poupassem milhares de vidas naquele que veio a ser o desembarque da Normandia. Uma tese ridícula que só não foi mais ostensivamente contestada por causa das necessidades de guerra. Mas os canadianos nunca perdoaram o sacrifício de tantos a Mountbatten, que sempre foi considerado naquele país uma persona non grata.
Mas o melhor comentário a respeito daquela desculpa disparatada inventada pelos britânicos para justificar este seu triste desastre militar (que lhes custou mais de 900 mortos), é o comentário que atribui - ironicamente - a Louis Mountbatten um conceito inovador na «doutrina de instrução» das suas tropas: a realização de manobras onde, para além do emprego de fogos reais, se envolveria a participação de inimigos reais. Perante tal disparate de Mountbatten, rematava-se sarcasticamente: as tropas ficavam muito bem instruídas, veteranas mesmo, o problema é que os custos humanos e materiais de tal tipo de instrução é que se assemelhava, estranhamente, ao das batalhas a sério...

* Tão inexperientes quanto todas as unidades que vieram a desembarcar nas praias da Normandia...

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