Allan Lichtman foi o guru que se consagrou nas últimas eleições presidenciais, ao antecipar a vitória de Donald Trump contra toda a opinião publicada. Idolatrado na circunstância pelos apoiantes de Trump, foi rapidamente renegado por esses mesmos quando, meses depois, publicou um livro argumentando em prol do seu "impeachment". Até ver, e porque me parece ser amigo da Verdade, é o género de pessoa que me agrada. Eis a sua opinião (uma tradução de um artigo publicado ontem no The Guardian) a respeito das eleições que hoje decorrem nos Estados Unidos. Não se compromete quanto ao desfecho, mas não esconde para onde pendem as suas simpatias.
Donald Trump teve razão quando disse que as eleições intercalares nos Estados Unidos serão sobre a sua pessoa. As eleições intercalares são sempre, até certo ponto, um referendo ao ocupante da Casa Branca e Trump é o presidente mais controverso da história moderna dos Estados Unidos. Ele inspira tanto seguidores fervorosos como uma oposição de igual modo desapiedada. Os resultados destas eleições intercalares dependerão do que impulsionará maior participação – o amor ou o ódio a Donald Trump.
Para os seus partidários, Trump é um verdadeiro populista que derrubou um sistema político corrupto que protegia os seus próprios interesses às custas dos americanos comuns. Criou uma economia em expansão, cortou nos impostos, livrou as empresas de regulamentos sufocantes e renegociou favoravelmente o NAFTA. Protegeu a nação dos terroristas islâmicos e a cultura americana tradicional da corrupção de influências estrangeiras. Expôs os preconceitos dos grandes orgãos da média e apoiou a liberdade religiosa para os cristãos. Nomeou ainda conservadores confiáveis para o Supremo Tribunal e opôs-se à indústria de abortos que matam os bebés.
Para os seus detractores, Trump é um populista falso cujas políticas beneficiaram os ricos e impuseram uma carga esmagadora de dívidas ao povo americano. Repelindo os regulamentos ambientais e retirando-se do acordo climático de Paris, ele expôs os americanos aos estragos das mudanças climáticas catastróficas. Além disso, diminuiu a posição internacional dos EUA e, em vez de defender a democracia e os direitos humanos, cultivou alguns dos ditadores mais brutais do mundo. Trump tem mentido repetidamente ao povo americano, humilhou mulheres e minorias, minou a imprensa livre, tolerou a violência contra os seus inimigos e atacou migrantes e refugiados como se fossem assassinos e violadores. Para os seus críticos mais acérrimos, Trump tanto destruiu o civismo que criou um ambiente tóxico que contribuiu para o massacre de congregantes numa sinagoga por Robert Bowers e para o envio de bombas por Cesar Sayoc para a CNN e para os seus críticos mais proeminentes.
Dois terços dos entrevistados de uma pesquisa NPR / PBS NewsHour / Marist, que foi realizada no final de Outubro, responderam que Trump será um factor em seu voto nestas eleições: 23% disseram que ele será um factor menor e 44% disseram que ele será um factor importante. Para comparação, uma pesquisa semelhante realizada antes das eleições intercalares de 2014 revelara que o então presidente Barack Obama seria um factor menor ou importante na votação de apenas 47% dos entrevistados. “Esta é definitivamente uma eleição nacional”, disse Lee Miringoff, diretor do Instituto Marista de Opinião Pública. "Como um referendo a Trump."
O número de eleitores é tipicamente baixo nestas eleições a meio do mandato presidencial, ficando-se tradicionalmente bem abaixo da participação em eleições parlamentares noutras democracias avançadas. Apenas cerca de 38% dos cidadãos dos EUA votaram nas eleições de 2014, o que representa cerca de 140 milhões de abstenções.
Mas Trump irá inspirar provavelmente uma maior afluência às urnas este ano. Ele "atraiu lealdades e antagonismos apaixonados, e o ódio e o amor tendem a levar as pessoas às urnas", disse Henry Olsen, membro sénior do Grupo de Estudos para Eleitores do Fundo Democracia. "Provavelmente, veremos uma participação eleitoral muito maior do que o normal para eleições intercalares"
Ao contrário das duas últimas eleições a meio dos mandatos, as sondagens indicam que este ano os democratas igualaram ou superiorizaram-se aos republicanos no entusiasmo entre os eleitores. Uma pesquisa da Gallup, realizada de meados a fins de Outubro, concluiu que “os democratas igualam ou superam os republicanos nos indicadores de participação”. Os republicanos reagiram com esforços para a supressão do número de eleitores. Os republicanos sabem que a sua base de cristãos brancos idosos é a parcela do eleitorado que mais rapidamente se desgasta. Não se podem “fabricar” mais desses eleitores, mas pode-se restringir a afluência da crescente base democrata de minorias e jovens através de expurgos dos registros eleitorais, leis rigorosas de identidade, leis que exijam uma correspondência exacta entre dados e que, aproveitando-se disso, suspendam o registro dos eleitores ao menor pretexto de desconformidade.
No estado da Geórgia, baseando-se numa lei de correspondência exacta aprovada pelo legislativo estadual (republicano) em 2017, Brian Kemp, o secretário de Estado republicano que também concorre a governador, suspendeu 53 mil inscrições de eleitores. “Por acaso”, as minorias constituíam cerca de 80% dos registros suspensos. No Dakota do Norte, depois da democrata Heidi Heitkamp ter sido eleita para o senado por uma margem de 3.000 votos em 2012, a legislatura republicana exigiu a prova de um número de rua [por cá denominar-se-ia número de polícia] como pré-requisito para se ser eleitor. A lei afecta descaradamente a base democrata de eleitores nativos norte-americanos, que muitas vezes vivem em estradas sem designação e que dependem de caixas postais para entrega da correspondência.
Ainda assim, todas estas restrições ao voto podem voltar-se contra os republicanos, motivando os eleitores da oposição. No Dakota do Norte, Mark Trahant, o editor do Indian Country Today, disse que no passado “a votação nativa pode não diminuir necessariamente… com activistas trabalhando horas extras para ajudar os eleitores a obter endereços válidos, ela [a senadora Heitkamp] poderá conseguir uma afluência dos eleitores nativos americanos com que nunca conseguido contar de outra forma”.
Na Geórgia, a opositora democrata de Kemp, Stacey Abrams, uma mulher afro-americana, pediu aos partidários para acorrer às urnas, combatendo a "supressão (administrativa) dos eleitores". Numa gravação de áudio tornada pública, Kemp advertiu confidencialmente os membros do seu staff sobre "as dezenas de milhões de dólares que eles" – os seus oponentes - "estão colocando para promover os esforços de voto entre as suas bases tradicionais". Kemp estava especialmente preocupado com o voto por correspondência, e o que aconteceria “se todo mundo o usasse e exercesse seu direito de voto, o que é absolutamente possível, se ele for enviado pelo correio ”.