Há assuntos a que vale a pena regressar acalmados os ânimos, nem que seja para verificar se as opiniões que então se ouviram se mantêm consequentemente. Certamente ainda quase todos se lembrarão de
um pequeno episódio de há mais de dois meses atrás em que, por ocasião da transmissão televisiva da comunicação do pedido de auxílio ao
FMI então feita por José Sócrates, este último foi apanhado num
blooper enquanto acertava com um dos seus adjuntos qual seria o seu melhor perfil:
- Aaah, oh Luís, vê lá na… como é que fico a olhar para os… Assim fica melhor… ou fica melhor assim?
Muito gozado pelo seu aspecto caricato, o episódio suscitou mesmo assim uma opinião em
contra-corrente de José Pacheco Pereira no seu programa
Ponto Contraponto (abaixo, só interessa ver os primeiros dois minutos). O comentador, que sempre mostrou odiar o antigo primeiro-ministro com todas as suas
vísceras a ponto de quase fazer dele
a incorporação da maldade, não só menosprezou ali as reacções dos observadores (classificando-as de
excitações) como as atribuiu à época pré-eleitoral que então se vivia. Aquilo seria um episódio
natural de uma cenografia natural que todos os políticos fazem – e Sócrates particularmente bem!
Pois bem, agora que Sócrates já saiu de cena tenho que dizer que a minha
excitação continua... Eu sei que José Pacheco Pereira faz parte do elenco daquela espécie de
companhia teatral que é constituída pelos
políticos que dão na televisão, onde aquelas cenas serão banalíssimas. Mas o que ele não pode esquecer é que a esmagadora maioria das pessoas não conhece ou, conhecendo-o, esquece-se ou quer esquecer-se desse lado encenado do espectáculo/política em televisão. Não vale tudo e nem tudo é válido (lembrem-se
dos sikhs...) e se os políticos estão a fingir comunicar directamente com o povo têm que o fazer da forma como as pessoas se relacionam em geral.
Suponho que nem numa entrevista de emprego o entrevistado se porá
a apontar o nariz para lhe sair o seu melhor perfil. Arrisca-se a fazer figura de parvo. E os gestos estudados, como os vendedores que nos cumprimentam segurando o braço (e não são só eles, veja-se acima…), costumam ser, quando exibidos, repudiados como manipuladores. As pessoas a quem José Sócrates se pretendia dirigir são assim. Atribuem o valor facial ao que se vê em televisão e não apreciarão descobri-lo
forjado. Quem serei eu para alertar José Pacheco Pereira quanto conviria que ele percebesse isso... Mas estou certo que os que ele qualifica por
excitados se excitariam novamente se, por exemplo, depois dele e António Costa se
terem destratado violentamente numa qualquer edição da
Quadratura do Círculo, os descobrissem horas depois em amena cavaqueira num restaurante…