São fotografias de soldados no seu tempo livre, datam ambas de 1969 e a pose dos fotografados não vai muito de acordo com aquilo que se esperaria de fotografias de propaganda, exibindo-os garbosos e marciais. Os da fotografia colorida da esquerda são italianos, estão em Milão, e conhece-se o autor da fotografia: Bruce Thomas. Cada um dos militares sentados no banco usa a boina ao seu estilo, as calças estão zangadas com os sapatos o que permite perceber que no exército italiano as cores das peúgas do uniforme são um opcional. O uso da gravata também. Se os dois italianos se limitam a fumar o seu cigarro, o fuzileiro português da fotografia da direita parece ser mais pró-activo na maneira como se escolhe divertir. Carregado num carrinho de mão, o carregador dá-nos a pista que a fotografia foi tomada algures em África, mais precisamente no norte de Angola. O autor desta outra fotografia, a preto e branco, seria menos pretensioso, e a sua identidade perdeu-se. Também o facto de o militar estar destacado e em zona de guerra merecer-nos-á maior complacência quanto à sua pose, mas o conjunto é-nos, igualmente, pouco simpático.
31 agosto 2019
30 agosto 2019
OS «TAROLAS» DAS REDES SOCIAIS
Tarola é um pequeno tambor que soa claro mas cujo rufar não se ouve muito longe. Não confundir com estarola.
Os tarolas das redes sociais são uns indivíduos que se atribuíram para si o papel de defensores do legado de Pedro Passos Coelho, confiantes que ele, como um dom Sebastião do século XXI, há de regressar um dia. Os tarolas despendem ⅓ do seu tempo (e atenções) em arriar em António Costa, o malabarista que engendrou a espúria geringonça, mas os mais substantivos ⅔ da sua verve crítica concentram-se em Rui Rio, o usurpador, que não sabe fazer a oposição rábica ao primeiro como eles acham que devia ser feita. Portanto, não se percebe muito bem o que é que eles querem. Mas percebe-se muito bem de quem não gostam. Ontem, por exemplo, ficaram furibundos (acima) porque Carlos Moedas, que criara a reputação de ter sido um indefectível da confraria de Passos Coelho (abaixo), se deixou fotografar abraçado feliz a António Costa, como se se tratasse de uma cena final de um filme de Hollywood.
Há coisas que têm mais piada por acontecerem a quem acontecem. Os tarolas, considerando-se príncipes da lucidez e do maquiavelismo político em tudo o que publicam, que nunca são apanhados a dormir nas suas análises políticas e julgamentos de carácter, aparentemente não tinham dado até aqui por um daqueles mariolas que, tendo sido de outras senhoras (abaixo, vêmo-lo a apoiar Paulo Rangel contra Passos Coelho nas eleições internas do PSD em 2010), foi entre 2011 e 2015 da senhora de que os tarolas gostam tanto, passou desde 2016 a ser desta, e ainda há de querer ser da próxima - ele é (considera-se, pelo menos...) polifacetado! Por uma vez, tenho pena que aquela parelha ali de cima mais as suas publicações de facebook, e outros parecidos com eles, sejam uns tarolas, e que o seu rufar encornado e moralista não se ouça para lá das redes sociais.
29 agosto 2019
O MASSACRE DO VALE DE SAULX
29 de Agosto de 1944. Eu tenho receio que a evocação repetida de massacres perpetrados pelos alemães em França de que agora se comemore o 75º aniversário acabe por os banalizar. Já aqui evoquei este ano o mais famoso (e sangrento) de todos, o de Oradour-sur-Glane, e ainda há três dias referi aqui, ainda que en passant, o de Maillé. Mas alguém mo incentivou a fazê-lo. Talvez por já ter partilhado comigo o interesse de ter visitado alguns dos locais onde eles ocorreram. Este massacre de 29 de Agosto de 1944 ocorreu em quatro aldeias do vale do rio Saulx. Na sua origem o mesmo que aqui se contou a respeito dos outros: acções de resistência contra as tropas ocupantes alemães que causaram baixas entre elas e que originaram uma reacção desproporcionada destas. Neste caso, elas vieram a custar a vida a 86 civis. O episódio é conhecido só dos franceses e, mesmo desses, poucos. Há uns memoriais a assinalar o acontecimento nas aldeias em que ocorreram. Só que, como estamos sempre a aprender, há dois anos eu não sabia nada disso, quando estive(mos) lá por perto, percorrendo a via sacra (logística) que abastecia Verdun durante a Grande Guerra, partindo de Bar-le-Duc, onde nunca é demais recomendar um restaurante sobranceiro à cidade, onde se tem uma vista espectacular sobre a mesma e umas moscas com noções de etiqueta e boas maneiras. Podíamos lá ter ido (veja-se o mapa abaixo), mas tinha colocado o chip da outra Guerra Mundial e a ignorância tem o seu preço.
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MAIS DEPRESSA SE APANHA UM COXO DO QUE UM MENTIROSO
Os portugueses não se conseguem esquecer de como em 2011 foram massacradas com a mensagem de que a subida da yield dos títulos da sua dívida pública fora da sua responsabilidade colectiva, porque haviam vivido acima das suas possibilidades. Olhando em volta para os seus outros parceiros europeus, o panorama era claro e a explicação transparente, porque os mercados insistiam em atacar especificamente os países perdulários, como a Grécia, Portugal, a Irlanda, todos resgatados, a que se seguiria inexoravelmente a Espanha, a Itália, se não se fizesse nada. As razões eram específicas e da responsabilidade dos países que, com a sua incúria, haviam causado tal crise e agora pagavam o preço disso.
Entretanto, passaram-se um punhado de anos. Os países faltosos foram ultrapassando as suas crises como puderam, de forma mais canónica (Passos Coelho), de forma menos canónica (Alexis Tsipras). A esses já se sucederam outros (Costa, Mitsotákis). E o panorama do mercado das yields das dívidas públicas acalmou substancialmente: a da Grécia a 10 anos, que chegou a ser transaccionada a 40% em princípios de 2012, cotou-se ontem em valores próximos de uns triviais 1,8%. Mas aquilo que outrora era causado pelo demérito dos países em causa (o tal viver-se acima das possibilidades), agora, quando em sentido inverso, não se deve à especificidade e ao mérito dos países em causa, mas antes «às tendências gerais que fazem com que as yields tenham vindo a cair nos países da zona Euro». Ou seja, a explicação que agora nos querem impingir é que neste caso das dívidas públicas quando as taxas se agravam a culpa é do devedor; quando melhoram a causa deve-se aos mercados. Mas aquele que me leu até aqui não tente ver esta incoerência a ser aflorada sequer no Observador...
28 agosto 2019
ESTAVA, LINDO PEDRO, POSTO EM SOSSEGO (diria Camões)...
...quando lhe apeteceu, desta vez, ser ele a chegar ao aeroporto para roubar a atenção que se estava a prestar aos outros...
Imagine-se agora qual seria a amplitude da cobertura noticiosa se fosse o Gil Garcia a promover esta mesma palhaçada à porta da ERC.
PARIS LIBERTADA
Não conheço o autor da fotografia mas é assim que a vejo à Paris Libertada de há 75 anos, uma imagem despojada de todos os atributos subliminares que as Histórias de um e outro lado pretenderão impor, entre uma Paris insurrecta que se libertou sozinha do jugo alemão e uma Paris volúvel que ainda quatro meses antes juntava as mesmas multidões entusiasmadas para aplaudir os outros. Nesta fotografia apenas se vê a Torre Eiffel e um jeep (viatura simbólica da Segunda Guerra Mundial) na sua base, este ocupado por um punhado de GIs que a admiram, à estrutura de 324 metros que simboliza a cidade. No cimo, distingue-se a tricolor. Os homens parecem apreciar uma pausa na guerra que ainda não acabara.
27 agosto 2019
COMO A METEOROLOGIA PODE SER UMA CIÊNCIA POLITICAMENTE LOCALIZADA
Desta vez as inundações ocorreram em Madrid e por isso aquilo que a comunicação social portuguesa diz a respeito do assunto fica-se pela captação das imagens. Mas se a tempestade, o granizo e as inundações tivessem ocorrido em Lisboa, como aconteceu há 5 anos, então é garantido que o desenvolvimento jornalístico do assunto pela nossa informação doméstica teria sido completamente outro. É engraçado como, consultando tanto o que o ABC como o El Pais publicaram para já sobre o assunto, nenhum desses dois jornais que se opõem entre si no espectro partidário espanhol, tenha começado a atirar as bolas de granizo da responsabilização aos alcaides das localidades mais atingidas. Mas isso deve ser porque em Espanha eles não usufruem da excelência da objectividade da nossa comunicação social. Aqui o Medina já estaria a enfardar, pretexto indispensável para arriar no Costa.
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DOIS ATENTADOS NA IRLANDA QUE NOS FAZEM PERCEBER A DISTINÇÃO ENTRE O QUE É POLÍTICO E O QUE É MILITAR
27 de Agosto de 1979. No mesmo dia, o IRA promove dois atentados na Irlanda. No mais sangrento dos dois, montam uma emboscada a uma coluna de soldados britânicos. O local fora cuidadosamente escolhido, mesmo em cima da fronteira que separa a Irlanda do Norte da Irlanda, assim como o fora o encadeado da emboscada: primeiro haviam sido atacada a viatura de uma coluna que patrulhava; da explosão haviam resultado seis mortos e vários feridos; daí por uma meia hora e no local onde o IRA antecipou que os britânicos iriam instalar um PC para coordenar a evacuação dos feridos, detonaram uma outra bomba, que matou outros doze militares britânicos, incluindo um tenente-coronel e um major que estavam a comandar as operações de salvamento. A emboscada foi mais do que uma mortandade, foi uma carnificina impressionante: o método empregue - bombas de 350 kg - fez com que desaparecessem os cadáveres de algumas das vítimas. E no entanto, do ponto de vista técnico, militar, o atentado foi um sucesso do IRA e a passagem de um enorme atestado de incompetência aos militares britânicos, apanhados completamente desprevenidos, com as suas próprias rotinas operacionais a serem usadas contra si. Mas, para o IRA, a emboscada parecia ser apenas um recado entre profissionais. Porque, no mesmo dia, a organização terrorista irlandesa montara um outro atentado em que o visado era um membro da realeza britânica: lorde Louis Mountbatten (1900-1979). Mountbatten morreu quando explodiu uma bomba - esta muito menor: só 25 kg - no seu barco de recreio, também ao largo da Irlanda. Com Mountbatten morreram também três dos seus acompanhantes e outros três ficaram seriamente feridos (a imagem acima é de uma reconstituição feita para um documentário). Mas, como parecia ter sido a intenção inicial do IRA, estas últimas, não os soldados, é que foram as vítimas politicamente relevantes e aquelas que a comunicação social deu destaque - especialmente lorde Mountbatten. Se a emboscada de Warrenpoint era um aviso para os profissionais, a bomba que visou Mountbatten era um aviso ás elites britânicas quanto elas não se podiam considerar a salvo. Quando do 40º aniversário dos dois atentados convém recordar o quanto o jornalismo frequentemente perde o que é mais interessante e importante numa história.
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26 agosto 2019
NO TEMPO EM QUE ERA EMBARAÇOSO SER-SE ESTÚPIDO EM PÚBLICO
Ontem prometeu-se contar-se uma ou outra história sobre o vice-presidente Dan Quayle, que ocupou esse cargo entre 1989 e 1993, nomeadamente aquilo que o vocacionava para o entendimento das questões da astronáutica e astronomia, aspecto relevante para quem, como ele, fora incumbido por George Bush (pai) de presidir ao Conselho Nacional do Espaço (National Space Council, no original), um órgão na directa dependência do próprio presidente. A escolha foi uma desgraça. Dan Quayle foi o exemplo acabado do bronco que dizia asneiras em série, quando isso era considerado um defeito na política americana. A frase acima que lhe é atribuída é um exemplo disso: «É altura da raça humana entrar no Sistema Solar». Pode não arrancar muitas gargalhadas mas a culpa não é da qualidade da piada, tanto mais que foi involuntária. A quantidade das gargalhadas depende também da qualidade da audiência. Analisando o que Quayle dizia, percebia-se que ele não era ignorante, era apenas estúpido e que não compreendera nada do que lhe haviam ensinado. Nesta sua outra frase famosa associada à astronáutica, os dados estão lá, a massa cinzenta mostrando que os percebera é que não: «Marte está essencialmente na mesma órbita [da Terra] (...) Marte está quase à mesma distância do Sol, o que é muito importante. Há fotografias que mostram o que parecem ser canais e água. Se há água, isso significa que há oxigénio. Havendo oxigénio, isso significa que podemos respirar.» As afirmações de Quayle eram aquilo que se podia classificar, com toda a propriedade, um chorrilho de disparates - as fotografias recolhidas da superfície de Marte mais de uma dúzia de anos antes (abaixo), já permitiam desmentir tudo o que ele dissera. E imagine-se que haviam nomeado o palerma para presidir a um organismo que tutelava directamente a exploração espacial! Motivo por que o vamos encontrar de visita à NASA, a celebrar a passagem da Voyager 2 por Neptuno. Mas isso era no tempo em que era embaraçoso ser-se assim tão estúpido em público. Hoje a sociedade norte-americana assume-se ignorante sem complexos, nota-se até um certo requinte altivo em dar mostras de uma estupidez que nos parece ser até retocada, artificial, como as pestanas femininas ou então certas tatuagens masculinas no braço, desenhadas expressamente para parecer dar mais grossura aos bíceps. A estupidez tornou-se um adereço comum, ouvem-se várias ao longo do dia, e no que à sua exibição despudorada diz respeito, vivemos, de facto, tempos históricos com a presença de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos.
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A «OUTRA» LIBERTAÇÃO DE PARIS
26 de Agosto de 1944. Os últimos combates pela libertação da capital francesa haviam terminado no dia anterior. As unidades regulares do exército é que haviam sido determinantes para o desfecho dos combates e a derrota dos alemães. Apesar do romantismo da causa e numa mostra da verdadeira impotência das unidades(?) irregulares da resistência, nesse mesmo dia em que Paris se anunciava libertada, ocorria o massacre de Maillé, uma represália dos alemães que causou 124 mortos civis entre a população de uma aldeia do centro de França. Só que agora a Paris libertada era agora objecto de um outro combate, este político. Os beligerantes são franceses, de um lado os comunistas que infiltravam e controlavam quase todas as redes clandestinas da resistência parisiense que criara a ficção da auto-libertação da cidade e, do outro lado, uma autoridade muito periclitante, encimada pela figura do resistente-mor, aquele que fora a voz da não aceitação desde sempre da derrota de 1940, Charles de Gaulle, que vinha tomar posse dela. O passeio pelos Campos Elísios (acima) só aparentemente é apenas uma manifestação de regozijo. Também é uma aclamação e uma expressão de legitimidade popular que os comunistas se viram obrigados a acatar. A exibição da suserania gaullista é rematada com uma missa solene na catedral de Notre Dame*, excelente ocasião para dissociar os comunistas da cerimónia. A coroar a cena, como se fosse bom demais para ser verdade, quando da chegada de de Gaulle à catedral começam-se a ouvir tiros, a que ele reage com a maior impassividade. Se dúvidas ainda houvesse, Paris estava «conquistada».
* Precisamente quatro meses antes, houvera naquela mesma catedral uma outra missa solene por ocasião da presença em Paris do Marechal Pétain. A grande diferença entre os dois Te Deum é que o cardeal Suhard, arcebispo de Paris, que celebrara a missa com Pétain, fora sumariamente dispensado de o fazer por de Gaulle.
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25 agosto 2019
A VOYAGER 2 PASSA POR NEPTUNO
25 de Agosto de 1989. A sonda Voyager 2 realiza a sua maior aproximação ao planeta Neptuno. Foi a primeira (e até agora, a última) missão do género realizada àquele planeta, o que sempre possibilita a obtenção daquelas primeiras imagens espectaculares de proximidade, mostrando uma atmosfera onde predominava o azul ciano mas com manchas nebulosas em azul cobalto ou mesmo verde azulado. Os ventos mensurados alcançavam velocidades nunca encontradas em qualquer outro planeta do Sistema Solar: mais de 2.000 km/hora (próximo de Mach 2 na Terra). O entusiasmo era enorme no centro da NASA encarregue de coordenar a recepção das imagens e dos dados que estavam a ser transmitidos pela Voyager. Numa daquelas operações de relações públicas apareceu lá o vice-presidente americano na época, Dan Quayle. Fica a desconfiança que alguém que depois veio a adquirir a reputação de nem sequer saber escrever correctamente a palavra «batata», Dan Quayle não deve ter percebido nada do que lá lhe explicaram sobre o que a Voyager andava a fazer... mas isso fica para contar uma outra vez.
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A JANGADA DE LA MÉDUSE
25 de Agosto de 1819. Primeira exibição no Salão de Pintura de Paris de um quadro hoje célebre: A jangada de La Méduse, da autoria do pintor Théodore Géricault (1791-1824). A cena representada inspira-se num naufrágio de um navio (o La Méduse) que ocorrera três anos antes nas costas da Mauritânia e que custara a vida a 160 pessoas, que morreram não de imediato, mas em consequência da exposição aos elementos. No quadro aparecem representados os sobreviventes e os moribundos embarcados na jangada de salvamento. O estilo adoptado é um desafio às convenções da época: o autor tinha então 28 anos. A obra permaneceu uma referência no imaginário francófono: quase 140 anos depois daquela sua primeira exibição, Hergé recupera-a para um apontamento de humor no meio da aventura Carvão no Porão de Tintin.
Adenda: Houve quem, muito pertinentemente e a propósito da BD franco-belga, recordasse Uderzo e Goscinny e esta outra reprodução do quadro em Astérix.
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24 agosto 2019
A NOVA BANDA SONORA DAS CONVERSAS DE DONALD TRUMP
Enquanto no início do seu mandato, Donald Trump entrava a saía do helicóptero presidencial sem dizer nada à imprensa que se acumulava no jardim a vê-lo passar, de há uns meses para cá inventou-se um estratagema que é o oposto disso. Sempre que Trump fala, sem ser na sala oval e nos comícios, é nos jardins da Casa Branca e está lá sempre o helicóptero com os motores a trabalhar, dificultando a audição das conversas, como se a situação fosse improvisada, o conteúdo daquilo que Trump diz fosse rotundo, mas a necessidade de acabar as questões fosse premente. Nada disso é verdadeiro. O Marine One (nome que se dá ao helicóptero que transporta o presidente americano) deixou de ser primordialmente o meio de transporte do presidente. Agora serve para outra coisa. O som das pás a rodar e o gemido persistente do motor funcionam assim como se fosse a enorme aparelhagem de som de uma banda rock, só que não propriamente para ampliar o som da voz do vocalista, apenas para tornar a letra da música mais dramática. Para remate, esclareça-se que o tempo que o presidente gasta (7 minutos no video acima) a falar com a imprensa, corresponderá sensivelmente ao mesmo tempo de voo, se não mesmo mais, que o helicóptero demorará nos 16 km da viagem entre a Casa Branca e a base aérea de Andrews, onde o aguardará o avião presidencial - o Air Force One. Ou seja, gasta-se mais tempo à espera que Donald Trump diga as coisas dele à imprensa do que propriamente a viajar no helicóptero.
AS MAIS AMPLAS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS (como apregoava Álvaro Cunhal)
24 de Agosto de 1989. Pela primeira vez em mais de 40 anos, um não comunista - e que não gozava da confiança deles - ocupava um cargo de primeiro-ministro num país da Europa de Leste: Tadeusz Mazowiecki (1927-2013) na Polónia. Mas a identidade e nacionalidade do pioneiro será o que menos interessará nesta efeméride do prenúncio do colapso do comunismo. Repare-se acima no estilo como o acontecimento era noticiado por um dos jornais da cor: a notícia em si é remetida para um ante-título discreto; o título escolhido é de interpretação dúbia - em que é que consiste a cilada? quem é que arma a cilada? os comunistas ao novo poder na Polónia, como se depreende da leitura linear? ou a cilada é a existência de um primeiro governo não comunista, prenúncio de uma recuperação capitalista na Polónia e no resto da Europa de Leste, como se pode também subentender daquele formato, propositadamente equívoco, do título?; e o facto de se tratar de um acontecimento inédito em mais de 40 anos de história de uma Europa dividida é, pura e simplesmente, escamoteado pelos jornalistas do Diário de Lisboa. Nunca é de mais insistir em lembrar estas ocasiões porque já se percebeu que os memorialistas acérrimos de outras ditaduras têm verdadeiros ataques de amnésia quando os abusos das ditaduras são estes, inconvenientes.
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23 agosto 2019
AS MÚMIAS
Neste dia 23 de Agosto em que, numa outra entrada deste blogue, a propósito dos 80 anos do pacto germano-soviético, se invoca um acontecimento particularmente revelador do que era a ética do comunismo, apesar das proclamações da sua propaganda em contrário, uma associação muito livre de ideias levou-me a publicar esta conhecida fotografia de Elliott Erwitt, não muito surpreendentemente designada por «as múmias».
A GRANDE «CAMBALHOTA» DIPLOMÁTICA
23 de Agosto de 1939. A presença do ministro dos Estrangeiros von Ribbentrop em Moscovo tinha um significado evidente. Adolf Hitler conseguira - mais uma vez - adiantar-se àqueles que se queriam opor às suas ambições expansionistas. O preço a pagar por qualquer das partes naquilo que o Diário de Lisboa denomina por a aproximação germano-soviética, era ter de desdizer tudo aquilo que fora a propaganda política de comunistas e de nazis até então. Em Portugal não havia diários comunistas que mostrassem quão súbita era a cambalhota, mas o l'Humanité do comunistas franceses desse mesmo dia, era lesto em mostrá-la. Marx e, sobretudo, Lenine, que sempre tinham tentado dar uma aparência de racionalidade à análise e actuação política dos comunistas, eram nesse dia descartados dos valores pelos quais eles haviam dito bater-se, no altar do pragmatismo de Estaline. O marxismo-leninismo reverenciado tornava-se de uma penada numa designação oca, que até seria cómica não fosse a seriedade das circunstâncias em que a descoberta era feita, e o comunismo assumia-se - finalmente - como uma fé mais do que uma ideologia, onde as obras de Marx e de Lenine faziam o papel da bíblia para os católicos: uma catrefa de livros espessos e de encadernações bonitas que, mais do que não serem para ler, era preferível nem serem lidos.
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22 agosto 2019
CHEGUEI À CONCLUSÃO QUE O PIOR EM TRUMP, NÃO É TRUMP, NÃO SÃO OS DISPARATES DO TRUMP, SÃO AS PESSOAS QUE ACHAM «COISAS» PARA ARGUMENTAR EM DEFESA DAS ASNEIRAS QUE ELE FAZ
Tomemos este exemplo gritante (que deveria ser incontroverso) da intenção recentemente anunciada pela administração americana em sondar o governo dinamarquês para a compra da Gronelândia. A reacção dos dinamarqueses foi a esperada, a promoção mediática do episódio pelos adversários de Trump também, tal a estupidez inclusa. Como dizia a minha avó, quando acontecia o esperado, a história «acabou no fim». O departamento de Estado americano vai ter uma trabalheira, quando isto (Trump) acabar, para reparar as relações externas dos Estados Unidos. Entretanto, por cá, apareceram umas opiniões, quer na imprensa escrita, quer nas redes sociais, a achar que sim e pró-Trump (abaixo). Quando se olha para a argumentação, porém, fica a dúvida se quem se atreve a empregar aqueles argumentos estará a falar a sério. Talvez o facto de eu as usar com frequência me torne hipersensível à pertinência das analogias históricas, ao rigor das circunstâncias envolventes que permitam que possam ser usadas. Ver uns argutos (os exemplos abaixo são os srs. Leonídio Ferreira no DN e Costa Pinto na sua página de facebook) a invocar precedentes de aquisições territoriais dos Estados Unidos de há 200 e 150 anos atrás a seco, sem contexto, é triste. Ao contrário do que eles pensam porque aparenta solidez e erudição, não os favorece. Representa a constatação que, nesta era da wikipedia, há quem, como eles, se socorra dos acontecimentos que descobre no site para os brandir de imediato e sem mais cuidados em prol da sua causa, sem que cheguem a compreender o contexto em que ocorreu aquilo que acabaram de ler. Evocar, a propósito da intenção de comprar a Gronelândia, os precedentes a compra da Luisiana em 1803 (o Leonídio) ou a do Alasca em 1867 (o Costa Pinto), só teria feito sentido se se tomasse em conta quais os valores que norteavam as relações internacionais no século XIX. E isso está noutras páginas da wikipedia. Ou então nos livros... mas esses já têm bastante mais que ler. O que essas páginas e livros explicam é que os valores aceites pela Humanidade evoluem e que muito do que fora dado como normal no passado (neste caso concreto no século XIX) deixou de ser aceitável no século XXI. O colonialismo é um exemplo evidente da mudança desses valores, pela aceitação universal do direito dos povos à autodeterminação, e, no que se me afigura ser uma sequência lógica que se aplica neste caso da Gronelândia: a interdição desse direito ser posto à venda, como Trump pretendia. Acrescente-se, à laia de exemplo, que outro valor que era aceite no século XIX e que agora saiu totalmente de moda é o da escravatura. Quando abaixo leio Leonídio Ferreira criticar o contraste daquilo que era uma «boa ideia» para Thomas Jefferson, «ser uma estupidez» para o actual ocupante da Casa Branca, emerge de imediato a analogia (essa sim, boa) que Jefferson era um aristocrata rural que chegou a possuir 600 escravos; será que, se de aqui para amanhã, Trump não lhe apetecer dizer que queria recuperar essa magnífica instituição que foi a escravatura para rentabilizar melhor os seus hotéis, continuaremos a ter um Leonídio a manter a mesma argumentação de manter que o que fora lógico para Jefferson se poderia manter para Trump? Uma coisa me parece certa, que não tranquiliza a habilidade futura de malabarista argumentativo do Leonídio: eu não excluiria a hipótese de Trump aventar uma ideia dessas... - a de se recuperar a escravatura!
DESCULPEM LÁ, MAS EU NÃO ACREDITO EM COINCIDÊNCIAS
Não me estou a referir a nenhuma situação recente em concreto, mas já comi sopas de letras vezes suficientes para asseverar que nunca é por acaso que aparecem mensagens tão explícitas na colher da sopa. Nem na colher da sopa, nem tão pouco na dita que ainda esteja no prato.
21 agosto 2019
HAWAII CINCO ZERO
21 de Agosto de 1959. O Hawaii torna-se no 50º estado da União, o último a ser admitido desde há sessenta anos para cá. É o facto de ter sido o 50º que explica a profusão de referências que o associa ao cinco zero (Five 0).
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20 agosto 2019
A SECÇÃO MISTÉRIO
Uma secção tão envolta em mistério que nem se sabe que misteriosos livros dela fazem parte. Claro que o mistério só existe porque os livros foram mal colocados, com as lombadas para trás. Como muitos outros mistérios que se vêem por aí, este também parece propositado, para alguém aparecer a explicá-lo. São poucos os mistérios assumidamente misteriosos e ainda menos os que se dispõem a falar honestamente deles, confessando, quando isso se justifica, que não os conseguem explicar.
ESTE ANO JÁ NÃO SE «DESCOBRIU» ÁGUA NA LUA. SAIU DE MODA
Pelos vistos, a tradição de se "descobrir" água na Lua nestes momentos em que faltam notícias já se tornou ultrapassada e caricata. Agora está-se noutra: noticiam-se buracos negros que engolem estrelas de neutrões e planetas gigantes para tapar os buracos noticiosos do que não acontece. Contudo, se a água na Lua saiu de moda, há outras modas que não mudam no nosso panorama informativo. Admitamos, por hipótese absurda, que este assunto do buraco negro engolido pela estrela de neutrões merecesse o destaque de um debate na RTP 3, daqueles moderados pela Ana Lourenço. Quem é que garantidamente lá apareceria a comentar as estrelas, senão aquele que nunca sai de moda - José Manuel Fernandes?!... Ele é um dos que sabe de tudo. Reconheça-se que, se em termos astronómicos há as estrelas de neutrões, em termos informativos domésticos há, por assim dizer, as estrelas de merdões, que começaram com o Big Bang e vão durar até ao Colapso do Universo...
19 agosto 2019
AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS
Esta notícia de há cinquenta anos confirma-nos a impressão que a ideia de dar um ênfase de negócio imobiliário à cessão de parcelas territoriais a outros países nunca andou muito longe das ideias de pessoas que pensavam no assunto. A pessoa que acima aparece em destaque chamava-se Morris Bennett, era inglês, e, como se pode ler, escreveu ao secretário-geral da ONU de então, com a sua ideia de vender Gibraltar aos espanhóis, com um preço e tudo. O assunto teve o destaque da página 13 de um vespertino lisboeta em dia de Santo António porque nem tudo deve ser sorumbático num dia desses, feriado municipal da cidade. Agora quando o pensador que pretende fazer o mesmo com a Gronelândia foi eleito presidente dos Estados Unidos, a notícia salta necessariamente para a primeira página do noticiário, e para isso importa a identidade do autor da ideia, não o valor da ideia em si, que esse continua a ser o mesmo que era subentendido há cinquenta anos para Gibraltar. O que acho espantoso é que se critique quem classifica a ideia do senhor Donald Trump sobre a Gronelândia com a mesma seriedade como outrora se classificou a ideia do senhor Morris Bennett sobre Gibraltar. A substância da ideia parece-me ser a mesma...
18 agosto 2019
«PERSONALIDADE SINGULAR»
Nos Países Baixos a bandeira flutua a meia haste. Confesso que cheguei a julgar que se tratasse de mais uma das várias homenagens dedicadas ao anteontem falecido Alexandre Soares dos Santos, no caso, um agradecimento do governo holandês por ele ter domiciliado a holding naquele país para pagar menos impostos. Mas não. Tratou-se de uma infeliz coincidência: no mesmo dia faleceu a princesa Cristina, tia do rei. Quanto ao primeiro, classificado como «personalidade singular» na nota de pesar emitida pela presidência da república do país onde ele preferia não pagar os impostos, estranhei a omissão a esse seu outro aspecto controverso de contribuinte plural, no meio de tudo o que de bom se escreveu a seu respeito pela ocasião. Quase parece que existe um consenso social em não falar desses assuntos ingratos, que dificultariam a tarefa ao defunto, quando da sua prestação de contas ao Criador.
17 agosto 2019
(OUTRAS) OBRAS NO MARQUÊS DE POMBAL
Verão/Outono de 1959. Há sessenta anos o Marquês de Pombal encontrava-se, por mais uma vez, em obras. A culpa dessa vez era da nova estação de metropolitano, que estava previsto que arrancasse até ao final daquele ano. A fotografia é de Judah Benoliel.
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Fotografia
16 agosto 2019
UM LONGO VERÃO À ESPERA DA GUERRA
16 de Agosto de 1939. Já aqui foi dito, mas nunca é de mais repeti-lo quanto o Verão de há oitenta anos foi quente e longo, e quanto, ao contrário do que se costuma crer, a eclosão da Segunda Guerra Mundial logo nos primeiros dias de Setembro foi recebido como as primeiras chuvas que anunciam o Outono, a confirmação do que há muito se estava à espera. Esta edição de 16 de Agosto de 1939 é eloquente da atitude de quem, não a desejando, aguarda o início de uma guerra como conclusão inexorável de uma situação internacional para a qual não se vê volta a dar. Na primeira página fala-se de exercícios e manobras militares, que todos os países realizam, os Estados Unidos, a Turquia, a Roménia, a Austrália, a Itália, que convidou para a ocasião um general alemão que aparece sorridente na fotografia. Não há fotografia, há apenas a notícia, que Churchill foi visitar a Linha Maginot, o que deve ter sido um interessante exercício turístico nesse mês de férias de Agosto. Na última página, um incidente entre sentinelas onde morreu um soldado polaco transforma-se num cabeçalho e num pretexto para que Berlim e Varsóvia troquem acusações e assumam posições cada vez mais rígidas.
Eu espero, muito sinceramente, que não seja nada parecido com isto que se esteja a passar com a dita guerra comercial entre os Estados Unidos e a China... tantas são as ameaças que se ouvem de Trump, que os países, por acção ou reacção, acabam por ficar presos às posições que assumiram.
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13 agosto 2019
QUANDO AS EMBAIXADAS DA ALEMANHA OCIDENTAL NO LESTE COMEÇARAM A FICAR COM A «LOTAÇÃO ESGOTADA»
13 de Agosto de 1989. A embaixada da República Federal da Alemanha em Budapeste, na Hungria, vê-se obrigada a encerrar ao público, por se ter esgotado a sua capacidade de acolhimento de cidadãos da outra Alemanha, a dita Democrática, que pretendem emigrar para a Alemanha Ocidental. Como se pode ler na notícia acima, recolhida do insuspeito Diário de Lisboa, cujas simpatias pró-comunistas eram conhecidas, aquela era já a segunda representação diplomática da Alemanha Federal num país de Leste a ter que encerrar por causa da saturação de refugiados este-alemães que procuravam emigrar. O mesmo iria acontecer daí por uns dias com outras embaixadas na vizinhança: Praga, Varsóvia e Viena. A máquina da propaganda não parava, a decisão tivera lugar precisamente no dia em que se assinalava o 28º aniversário do começo da construção do Muro de Berlim e isso não era coincidência, enquanto o presidente americano de então, George Bush (pai), aproveitava o momento de fragilidade para atacar o simbólico Muro, enquanto do outro lado, o «Governo alemão democrático» defendia-se como podia, reiterando «a defesa do muro de Berlim, e qualificando de "ilusórias" as esperanças do Ocidente em o ver demolido», palavras que dali por três meses iriam ser reduzidas a ridículo. Estava a assistir-se ao início da reunificação alemã, mas ainda ninguém dera por nada.
12 agosto 2019
O PRIMEIRO DIA DA «BATALHA» DE BOGSIDE
12 de Agosto de 1969. O primeiro dia da «batalha» de Bogside, uma batalha que verdadeiramente não o foi, tratou-se apenas um prolongado tumulto de protesto ao longo de três dias e que foi protagonizado pelos membros da comunidade católica (maioritária) da cidade irlandesa de Derry contra as autoridades policiais, não por acaso completamente conotadas com os protestantes. E as imagens televisivas dos protestos revelavam-se espectaculares em termos noticiosos, a fazer lembrar o famoso Maio de 68 em Paris. A «batalha» de Bogside (Bogside é um dos bairros católicos da cidade), acabou sem mortos, felizmente, mas demonstrou a incapacidade técnica e política da polícia local (RUC), o que conduziu à convocação dos militares britânicos como força de intermediação para a substituir. Resolveu-se o problema técnico, mas o político continuou a subsistir, pois a desconfiança dos católicos quanto à imparcialidade dos soldados recém-chegados permaneceu precisamente a mesma que estivera na origem dos tumultos.
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O PAPA FRANCISCO EM ASSIS E O FRANCISCO ASSIS EM FELGUEIRAS
Comecemos por dois momentos de fé, com o papa Francisco em Assis e o Francisco Assis em Felgueiras, ambos em momentos em que se percebe que estão a orar pela Paz...
Sobre o acolhimento das duas orações há que dizer que, se sobre as do primeiro Francisco a doutrina se divide, sobre as do segundo, há que reconhecer que a bondade do Bom Deus se pode manifestar, às vezes, de uma forma assaz caricata... Leiam os títulos abaixo no seu encadeamento, apesar de poderem estar separados por um par de anos de distância. Das proclamações originais do líder da concelhia do PS ao agredido, à habilidade do MP de extrair os dirigentes locais da acusação, até à selecção dos acusados: um alfaiate, um empregado de balcão e um vigilante. O outro, e único absolvido, era sapateiro, desmentindo-se ironicamente e num último gesto, a bravata do líder local: «em Felgueiras não tinha sido nada à sapatada»... Cá para o fim, desconfio que eles nem queriam mesmo era ouvir falar de sapatos.
11 agosto 2019
A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ALEMÃ, DITA DE WEIMAR
11 de Agosto de 1919. Promulgação da Constituição alemã (Verfassung des Deutschen Reiches vom 11. August 1919) que é mais conhecida pelo nome de Constituição de Weimar. Aprovada no último dia do mês anterior pela assembleia que ficara encarregue da sua redacção, foi há precisamente 100 anos que ela veio a ser promulgada com a assinatura do presidente Friedrich Ebert, acto que, por sinal, teve lugar numa aldeia esquecida na Turíngia, onde o presidente passava então as férias. Depois de ter sido elaborada ao longo de quase seis meses numa discreta cidade de 35.000 habitantes do mesmo estado, num processo nem sempre livre de incidentes que os livros de história preferem esquecer, esta conotação da nova Constituição do Reich com a Turíngia, estado discreto e situado a meio da Alemanha, numa expressão de neutralidade em relação aos grande focos de poder regional dentro dela (Berlim e a Prússia, Munique e a Baviera, Hamburgo e a Hansa, etc.), permitiam à época pensar num recomeço político mais reequilibrado da nação alemã, depois da supremacia prussiana (1871-1918) e depois da derrota da Primeira Guerra Mundial. Não ia ser assim, mas o problema da nova Alemanha era muito mais sociológico do que geográfico.
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10 agosto 2019
UMA ANDORINHA NÃO FAZ (NÃO FEZ) A PRIMAVERA
10 de Agosto de 1989. Nos Estados Unidos é notícia a ascensão do primeiro afro-americano ao cargo mais elevado da hierarquia das forças armadas. O Diário de Lisboa do dia seguinte abraça o episódio como nosso também e faz um grande título em destaque com o trocadilho do nome do general Colin Powell, recém nomeado, e a expressão Black Power, um dos slogans históricos da causa dos afro-americanos. Não se podia dizer que a nomeação de um afro-americano para aquele cargo fosse precoce. Desde a criação do cargo de presidente do Estado Maior Conjunto (Joint Chiefs of Staff) em 1949, onze titulares haviam-se sucedido no cargo nesses 40 anos sem que nunca um afro-americano o ocupasse, o que se compreenderia, já que a densidade de afro-americanos entre o corpo de oficiais generais do exército, marinha e força aérea devia ser tanta como a do ar na estratosfera. Daí o maior significado da escolha feita pela administração do presidente Bush (pai). Entretanto passaram-se 30 anos e, apesar da sociedade se ter modernizado, a Colin Powell sucederam-se outros oito titulares no mesmo cargo, incluindo o seu próximo sucessor, o general Mark Milley. E mais nenhum deles foi afro-americano. Considerando que os censos mostram que um entre oito norte-americanos é afro-americano talvez se esperasse outro resultado, mas como estes são cargos de nomeação não faz sentido exigir no caso qualquer equidade. Mas há dois ditados que aqui apetece evocar. O primeiro, quanto é oportuno mudar entusiasmos, que uma andorinha sozinha não costuma fazer a primavera; e o segundo, que diz que o pão do pobre, quando cai, cai sempre com o lado da manteiga para baixo - e esses são grandes ditados, apropriados de evocar quando os acasos da vida apontam sempre e só num sentido.
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09 agosto 2019
QUE É QUE TERIA O BARNABÉ DE DIFERENTE DOS OUTROS?
Nada.
Longe vão os tempos em que as manobras de propaganda política permitiam jogar com o apagamento esquecido daquilo que se dissera no passado, sobretudo quando se referia à projecção a uma longa distância no futuro da avaliação dos resultados de uma actuação política. Agora já não é assim, os arquivos da internet existem para quem lhes queira aceder e se alguma coisa me irrita nas críticas que se lêem por aí, oriundas do próprio lado da trincheira, à actual direcção do PSD, é a presunção (fantasma) que a falta de resultados na captação das simpatias da opinião pública radica na forma como se exerce oposição. Que com mais barulho e com mais agressividade estar-se-ia melhor. Para corroborar, estas duas notícias, publicadas no insuspeito Observador e separadas por quarenta meses, relembram que a mitologia de um outro PSD caso ainda lá estivesse Passos Coelho é isso mesmo: um mito. Quem apostou tudo na previsão que a geringonça ia correr mal, como ele, é um alvo fácil e andaria por estes dias a desdobrar-se em explicações por que se enganara. O resto, por muito que se antipatize pessoalmente com Rui Rio e com o seu estilo, é conversa.
A CIMEIRA IBÉRICA
9 de Agosto de 1929. Os chefes de governo português e espanhol, os generais Ivens Ferraz e Primo de Rivera, encontraram-se numa Cimeira em Viana do Castelo. Em ambos os países estava-se sobre ditadura. Mas, apesar da sintonia (a ditadura espanhola, implantada em 1923, influenciara em vários aspectos a portuguesa de 1926), a posição doméstica de qualquer um dos participantes era frágil. Aliás, ambos os generais virão a cair dali por cinco meses, em Janeiro de 1930. São assaz conhecidos os encontros havidos entre Salazar e Franco, mas esta cimeira, pela falta de repercussão política posterior é-o bastante menos. Apenas por mera curiosidade, refira-se que o almoço íntimo que destaquei do resto da notícia foi servido a 25 talheres (convivas). Eram outros tempos, outros conceitos de intimidade.
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08 agosto 2019
OS POLACOS CONQUISTAM MINSK
8 de Agosto de 1919. O novo exército polaco conquista a cidade de Minsk ao exército vermelho dos bolcheviques (acima, uma fotografia da entrada das tropas na cidade; abaixo, o mapa das operações). Ora Minsk é a actual capital da Bielorrússia. A conquista mostrava que as ambições da recém-renascida Polónia, e ao contrário do princípio das nacionalidades preconizado por Woodrow Wilson, iam muito para além da constituição de um estado nacional polaco e procuravam recuperar as fronteiras que haviam sido as da Polónia histórica, o estado multinacional que fora sucessivamente retalhado por alemães, austríacos e russos entre 1772 e 1795. Mas, apesar das circunstâncias serem extremamente propícias, sobretudo por causa da milagrosa fraqueza momentânea e simultânea dos dois inimigos hereditários (alemães e russos), a ambição polaca revelou-se demasiada.
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A PASSADEIRA DE «ABBEY ROAD» (50º ANIVERSÁRIO)
8 de Agosto de 1969. Foi o dia em que esta fotografia foi tirada. Já falei sobre a fotografia e sobre as circunstâncias em que ela foi tirada no Herdeiro de Aécio. Fica a evocação do cinquentenário.
07 agosto 2019
OS DISPOSITIVOS QUE ESPALHAM (AINDA MAIS) A MORTE
Um dos atiradores norte-americanos (mais dois!) que mais recentemente se destacou nas notícias que nos chegam dos Estados Unidos, terá comprado um destes carregadores para acoplar à sua arma. Como se pode perceber pela fotografia, cada um daqueles tambores tem capacidade para 100 munições(!). Em termos teóricos e se a arma não se encravar a meio, numa comparação que poderá dizer alguma coisa a quem tiver cumprido serviço militar, isso equivalerá ao poder de fogo de 5 G-3, ou seja, a toda uma secção de infantaria de combate. Para os veteranos das guerras de África pode até acrescentar-se, noutra comparação vivida, que um tipo com uma arma destas vale por quase todo o pessoal armado que seguia em cima de um Unimog... Só que, lá pelos Estados Unidos, um gadget destes pode comprar-se numa loja qualquer e até ser encomendado por catálogo. Esclareça-se que os profissionais (militares e polícia) não os apreciam particularmente: como as armas originais não estão concebidas para ser submetidas a tais esforços, os canos têm uma grande tendência para sobreaquecer e a arma a encravar-se, no caso das munições não estarem a ser usadas com parcimónia; também não é apreciado o facto do dispositivo incentivar o consumo de munições, tornando as armas assim alimentadas comparativamente mais caras de manter. Na verdade, estes robustos carregadores são o produto comercial típico que apela para um cliente civil, leigo e deslumbrado. O tal que, quando desequilibrado e sentindo-se cheio de poder, vai à procura de um inimigo. Terá sido o que aconteceu - mais uma vez - lá pelos Estados Unidos, que é um país onde este género de coisas acontece, acontece, acontece, mas onde parece impossível adoptar legislação correctiva para que este género de actos não se repitam. Ou que, ao menos, se possam limitar as suas consequências danosas. Ainda na semana anterior aos incidentes, e de mansinho, a procuradora-geral do estado da Florida (republicana) se destacara pela sua proposta de revogar legislação que banira a venda de metralhadoras de guerra, uma decisão que fora aprovada após dois grandes massacres* ocorridos naquele estado. A explicação canónica dos defensores do armamento e a que mais se costuma ler por aí é que não são as armas que interferem com os utilizadores tresloucados, que eles já existem, e apenas as usam, mas isso é o tipo de argumentação que quer contornar o facto óbvio de que são este tipo de armas e de apetrechos que lhes dão toda uma outra capacidade acrescida de matar. Mais gente. E, para mim, há qualquer coisa de intelectualmente malsão em quem teima em não querer assumir esta evidência para base de discussão sobre o assunto.
* Por grandes massacres entenda-se aqueles onde morrem um substancial número de vítimas, para cima de uma dúzia de mortos e dezenas de feridos. Houve outros, como este, este, este ou este, todos eles também ocorridos na Florida nos últimos seis anos, e em que o número de vítimas mortais apenas rondou a meia dúzia...
A BATALHA DE BOYACÁ
7 de Agosto de 1819. Foi o dia em que se travou a batalha de Boyacá, na Colômbia, a 130 km a nordeste de Bogotá. Opuseram-se as tropas insurrectas, comandadas pelo incontornável Simón Bolívar, às tropas que permaneciam fiéis às autoridades coloniais espanholas, a esmagadora maioria de recrutamento local, mas comandadas por oficiais espanhóis. O confronto saldou-se por uma inequívoca vitória dos republicanos rebeldes, assentando-se com essa vitória os pilares da efectiva independência do que seria um estado efémero, a Grã-Colômbia, entidade que se viria a desagregar em quatros países actuais: a Colômbia, a Venezuela, o Equador e, quase cem anos mais tarde, o Panamá. Uma curiosidade sobre estas batalhas de há 200 anos travadas no Novo Mundo: o número irrisório de soldados que eram empenhados pelos beligerantes: em Boyacá houve menos de 3.000 efectivos a combater por qualquer dos lados (compare-se isto com a batalha de Waterloo, que acontecera apenas quatro anos antes e onde 73.000 franceses haviam enfrentado 68.000 anglo-holandeses). O número de baixas foi, proporcional e felizmente, ínfimo quando comparado com as batalhas europeias: 13 mortos entre os vencedores e uma centena entre os vencidos. Estas batalhas tornaram-se simbólicas para as nações que nasceram em consequência delas (abaixo, uma foto actual do monumento), mas a verdade é que elas não teriam passado de pequenas escaramuças pelos padrões militares das guerras napoleónicas. Mas refira-se que os costumes do Novo Mundo sublimavam essa abstinência de sangue com uma crueldade que era desconhecida entre as aristocracias do Velho: todos os 37 oficiais espanhóis que se renderam após a batalha foram depois fuzilados.
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