22 agosto 2019

CHEGUEI À CONCLUSÃO QUE O PIOR EM TRUMP, NÃO É TRUMP, NÃO SÃO OS DISPARATES DO TRUMP, SÃO AS PESSOAS QUE ACHAM «COISAS» PARA ARGUMENTAR EM DEFESA DAS ASNEIRAS QUE ELE FAZ

Tomemos este exemplo gritante (que deveria ser incontroverso) da intenção recentemente anunciada pela administração americana em sondar o governo dinamarquês para a compra da Gronelândia. A reacção dos dinamarqueses foi a esperada, a promoção mediática do episódio pelos adversários de Trump também, tal a estupidez inclusa. Como dizia a minha avó, quando acontecia o esperado, a história «acabou no fim». O departamento de Estado americano vai ter uma trabalheira, quando isto (Trump) acabar, para reparar as relações externas dos Estados Unidos. Entretanto, por cá, apareceram umas opiniões, quer na imprensa escrita, quer nas redes sociais, a achar que sim e pró-Trump (abaixo). Quando se olha para a argumentação, porém, fica a dúvida se quem se atreve a empregar aqueles argumentos estará a falar a sério. Talvez o facto de eu as usar com frequência me torne hipersensível à pertinência das analogias históricas, ao rigor das circunstâncias envolventes que permitam que possam ser usadas. Ver uns argutos (os exemplos abaixo são os srs. Leonídio Ferreira no DN e Costa Pinto na sua página de facebook) a invocar precedentes de aquisições territoriais dos Estados Unidos de há 200 e 150 anos atrás a seco, sem contexto, é triste. Ao contrário do que eles pensam porque aparenta solidez e erudição, não os favorece. Representa a constatação que, nesta era da wikipedia, há quem, como eles, se socorra dos acontecimentos que descobre no site para os brandir de imediato e sem mais cuidados em prol da sua causa, sem que cheguem a compreender o contexto em que ocorreu aquilo que acabaram de ler. Evocar, a propósito da intenção de comprar a Gronelândia, os precedentes a compra da Luisiana em 1803 (o Leonídio) ou a do Alasca em 1867 (o Costa Pinto), só teria feito sentido se se tomasse em conta quais os valores que norteavam as relações internacionais no século XIX. E isso está noutras páginas da wikipedia. Ou então nos livros... mas esses já têm bastante mais que ler. O que essas páginas e livros explicam é que os valores aceites pela Humanidade evoluem e que muito do que fora dado como normal no passado (neste caso concreto no século XIX) deixou de ser aceitável no século XXI. O colonialismo é um exemplo evidente da mudança desses valores, pela aceitação universal do direito dos povos à autodeterminação, e, no que se me afigura ser uma sequência lógica que se aplica neste caso da Gronelândia: a interdição desse direito ser posto à venda, como Trump pretendia. Acrescente-se, à laia de exemplo, que outro valor que era aceite no século XIX e que agora saiu totalmente de moda é o da escravatura. Quando abaixo leio Leonídio Ferreira criticar o contraste daquilo que era uma «boa ideia» para Thomas Jefferson, «ser uma estupidez» para o actual ocupante da Casa Branca, emerge de imediato a analogia (essa sim, boa) que Jefferson era um aristocrata rural que chegou a possuir 600 escravos; será que, se de aqui para amanhã, Trump não lhe apetecer dizer que queria recuperar essa magnífica instituição que foi a escravatura para rentabilizar melhor os seus hotéis, continuaremos a ter um Leonídio a manter a mesma argumentação de manter que o que fora lógico para Jefferson se poderia manter para Trump? Uma coisa me parece certa, que não tranquiliza a habilidade futura de malabarista argumentativo do Leonídio: eu não excluiria a hipótese de Trump aventar uma ideia dessas... - a de se recuperar a escravatura!

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