04 abril 2016

«THE PANAMA PAPERS»: OS GRANDES ESCÂNDALOS NÃO SE REPRODUZEM ESPONTANEAMENTE POR ESPOROS...

De súbito, numa operação que se percebe ter sido preparada em surdina pelos envolvidos, o Expresso e mais uma centena de órgão de comunicação social numa associação liderada pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung apresentaram (acima) os resultados de uma extensa investigação aos circuitos internacionais de lavagem de dinheiro, envolvendo muitos milhares de milhões de dólares de fundos movimentados, vários milhões de documentos documentando essa movimentação e algo mais de uma centena de beneficiários ocupando lugares de destaque na política internacional (e não só). Segundo o que nos informam os órgãos de informação engajados, tratou-se de uma fuga de informação e é importante que se comece por realçar aquilo que é mais importante: ainda bem que a houve e leia-se atentamente as conclusões a que os investigadores chegaram, o quanto, o como e o quem. Se o tradicional ditado popular português postulava que andava meio mundo a enganar o outro meio, estas investigações parecem comprovar quanto o paradigma da desigualdade mundial se tem acentuado cada vez mais, porque parece ser cada vez menos mundo a enganar o restante.

Mas agora olhemos para as notícias com outro cuidado, porque elas não aparecem por acaso. Se uma certeza há, é que estas notícias não aparecem como a geração espontânea dos esporos largados por um cogumelo (acima). Têm que ser cuidadosamente cultivadas: por exemplo, está hoje adquirido que se o director interino do FBI, Mark Felt, não se tivesse sentido despeitado porque Richard Nixon o havia preterido na nomeação definitiva para aquele mesmo cargo, provavelmente nunca teria havido Caso Watergate. Foi Felt a famosa Garganta Funda que encaminhou directamente o sentido das investigações dos dois jornalistas do Washington Post que vieram a colocar Nixon em xeque. Neste caso que foi baptizado de The Panana Papers e como é natural, ainda não se sabe quem foram as fontes confidenciais que facultaram a título gracioso o acesso à documentação que coloca em xeque dezenas de políticos de todo o Mundo. Mas dará para perceber quais as suas intenções se nos detivermos - mais uma razão para ler com atenção o resultado das investigações - na composição do elenco dos denunciados, quem lá aparece mas também, quem se esperaria que lá aparecesse e se torna notado pela ausência. É um princípio que tem provado com a selectividade das operações do Greenpeace, que tem causas pró-ambientais em todo o Mundo... excepto nos Estados Unidos.
Para simplificação de processos e demonstrativo do alerta contra a orientação das notícias que quero referir, sigamos as fotografias que o Expresso escolheu para ilustrar o artigo, presumivelmente acompanhando o teor da redacção do mesmo: começa pela de Vladimir Putin (o presidente russo), segue-se Petro Poroshenko (o seu homólogo ucraniano) e Xi Jinping (o seu homólogo chinês). Após essas, há duas fotografias institucionais, a de um banco suíço (UBS) e de um banco britânico (HSBC). Segue-se a de um primeiro-ministro islandês, de uma estrela de futebol argentina, de uma organização internacional domiciliada na Suíça (FIFA), recentemente envolvida num enorme escândalo de corrupção e de uma construtora brasileira (Odebrecht) envolvida noutro. Segue-se uma fotografia de um aeroporto britânico onde se destaca um avião indiano em fundo para se regressar a duas novas fotografias dos mesmos bancos já referidos, a UBS suíça e o HSBC britânico. A 13ª fotografia da série é a de um norte-americano... mas já tem 44 anos - Richard Nixon como presidente em Maio de 1972. E a série prossegue, regressando a mais uma foto de Putin, a Aliyev do Azerbeijão, Macri da Argentina, Lula e Dilma do Brasil para rematar com um Cameron encaixado a martelo porque as acusações que constam do texto se referem ao seu pai. Dos conspícuos norte-americanos e para estas coisas de lavagem de dinheiro só mesmo o retrato do (já) defunto Richard Nixon...
Vale a pena sensibilizar o leitor que teve a amabilidade de me acompanhar até aqui neste meu raciocínio que a economia norte-americana corresponde a 22% da economia mundial, e que a percentagem dos fluxos financeiros que a envolvem será sensivelmente superior a isso, talvez chegue mesmo a ¼ de todo o dinheiro, de origem legítima e ilegítima, que circula pelo Mundo. Quando querem, e recorde-se o exemplo da cerimónia dos Óscares (acima), os norte-americanos conseguem crescer até transmitir ao Mundo a impressão que não existe cinematografia fora dos Estados Unidos. E, pelos vistos, também conseguem fazer precisamente o contrário: quando se trata de grandes esquemas de lavagem de dinheiro, conseguem fazer-se tão pequeninos que não aparecem personalidades nem instituições norte-americanas de grande destaque envolvidas nas golpadas. É tão inverosímil que é por isso que tenho umas certas suspeitas quanto à identidade e às intenções do generoso fornecedor do acervo de 11,5 milhões de documentos postos à disposição dos jornalistas. Serão verdade e é importante conhecê-los, mas não nos esqueçamos que são apenas a parte da verdade a que querem que tenhamos acesso... Se o dinheiro não nasce das árvores, estas notícias sobre dinheiro não aparecem de geração espontânea.

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