01 abril 2016

DESDE HÁ MUITO QUE NA RÚSSIA O PASSADO SEMPRE FORA UM PERÍODO MUITO IMPREVISÍVEL

Gerhard Friederich Müller (1705-1783, acima à esquerda) foi um historiador e geógrafo russo de ascendência alemã, considerado um dos pioneiros da etnografia. Convidado ainda muito jovem, durante o reinado do Czar Pedro-o-Grande (1672-1725), para leccionar na Rússia, Müller distinguiu-se não apenas no campo académico mas também pelas expedições científicas em que participou, na exploração dos vastos territórios árticos do Império Russo. Prestigiado mas, mesmo assim, suspeito considerada a sua origem, vamos encontrá-lo em Setembro de 1749 (reinava a Czarina Isabel, filha de Pedro) a apresentar uma comunicação (em latim!) à Academia Imperial a respeito do nome e das origens da Rússia. A sua tese era que Kiev, o primeiro estado conhecido digno desse nome na Rússia fora fundado por imigrados escandinavos. Mas, as reacções da assistência fizeram com que ele não conseguisse terminar a sua exposição, o patriotismo dos presentes tornava inaceitável dar acolhimento a teses que defendiam que os primórdios da Rússia civilizada não se devessem aos eslavos. É que a tese possuía estranhas semelhanças com um certo género de disputa que se travava na Rússia do Século XVIII. A abertura do país ao exterior promovida por Pedro-o-Grande desencadeara uma imigração qualificada de quadros, fossem eles científicos, económicos ou militares. Havia quem pensasse que se havia ido longe demais nessa abertura. Por isso não é de estranhar que, entre as vozes mais ultrajadas com as teses de Müller predominassem os nomes da mais fina cepa eslava, a começar pelo de Mikhail Lomonosov (1711-1765, acima à direita) que as encabeçava (cientificamente), às vozes críticas. Houve um inquérito oficial, Müller foi obrigado a abandonar os seus trabalhos e aquilo que já fora publicado foi destruído. Em 1760, Lomonosov - que se distinguiu em vários outros ramos científicos mas não na História - publicou uma História da Rússia, com origens mais conformes com aquilo que se esperaria do seu passado. Num remate final de ironia desta história do Século XVIII, daí por dois anos, a Rússia iria ter uma grande monarca de ascendência alemã (Catarina II a Grande) que iria permanecer no trono pelos 34 anos seguintes. Tanto pior para o problema do nacionalismo e da interferência dos germanos na governação da Rússia...

A imprevisibilidade da História da Rússia terá atingido o seu expoente sob Estaline quando as patéticas fotografias adulteradas (abaixo) se tornaram simbólicas de um zelo em tentar mostrar que o que acontecera não havia acontecido. Mas o conhecimento de episódios como estes mostra que a disposição de adulterar o que aconteceu às conveniências históricas poderá ter sido uma influência da etnografia russa no pensamento marxista-leninista e não o contrário.

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