26 agosto 2015

NÚMEROS (a minha versão)

Outro dia deparei-me com um artigo de um amigo, antigo de 27 anos (o artigo, não o amigo que conta alguns mais...) escrito, salvo erro, no número inaugural da revista Sábado (Junho de 1988), onde ele constatava que no confronto entre as letras e os números, as primeiras perdem cada vez mais terreno para os segundos. Recordo que se vivia então em tempos de apogeu do cavaquismo, em que a tecnocracia numérica parecia vaticinada para esmagar as argumentações literárias da política clássica. Parecia, mas era falso alarme. E não foi a queda do Muro, um pouco posterior, a responsável pela reversão da tal ameaça. Era a ameaça que era falsa porque as letras, em prosa e poesia, rapidamente recuperaram o seu lugar primordial e mostram-se mais prósperas que nunca. Veja-se o exemplo destes dois conhecidos livros que, já em pleno Século XXI, foram sucessos editorias apesar de basearem a sua argumentação em números. Os autores de um e outro trabalharam meticulosamente séries temporais que conduziram a conclusões que refutavam aquilo que, à data da sua edição, havia sido dado por axiomática e ideologicamente adquirido. No caso de The Skeptical Environmentalist (que se tornou um sucesso editorial quando da sua publicação em inglês em 2001)...
....os desmentidos eram para os ambientalistas e o seu catastrofismo ecológico – a superpopulação, a escassez de recursos, o aquecimento global que não se confirmavam pela interpretação dos números. No caso de Le Capital au XXIeme Siècle (que se tornou um sucesso editorial quando da sua edição também em inglês no ano passado) os desmentidos são os liberais e as propaladas vantagens do funcionamento do capitalismo sem a interferência de um estado preferencialmente mínimo – entregues a si mesmo os mecanismos automáticos de mercado tendem a perpetuar as elites ao longo de gerações e a acentuar as assimetrias em termos de distribuição da riqueza nas sociedades. Um livro e outro foram (e estão a ser) criticados, mas à base de muito conversa, muitas letras a refutar os números. Mas o que matou a importância de The Skeptical Environmentalist, apesar da valia da argumentação estatística de Lomborg, foi o esquecimento. Para quem acha que ele existe, o aquecimento global do planeta continua a existir, agora porque sim, dispensando o que digam os termómetros. E o mesmo padrão de tratamento pareço estar a detectar com o livro mais recente de Piketty. Apesar dos temores do meu estimado Ricardo, os números não só não venceram como foram discretamente remetidos ao ostracismo quando deles se podem extrair conclusões incómodas.

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