O julgamento de Manuel Pinho começou há duas semanas e tudo aquilo que lá tem sido revelado até agora está a ser muito interessante. O triste é que, e como de costume, a comunicação social, na sofreguidão de obter declarações (simbolizado, na fotografia acima, no(s) microfone(s) pespegado(s) à frente de Pinho), descura tudo o resto: o rigor (voltando à fotografia acima, Pinho, mais do que um arguido, agora tornou-se num réu) e a análise das revelações que se têm vindo a fazer. Felizmente nem todos são tontos e medíocres. Há quem faça o seu trabalho de análise da informação, o jornal Público, que hoje publica um editorial da autoria de David Pontes que abaixo parcialmente transcrevo: «
(...) O julgamento do ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, (...) é importante que algumas das coisas que temos sabido neste caso, que esperou 12 anos para chegar à barra do tribunal, não passem sem um sublinhado. (...)
Sabemos hoje, por palavras do próprio que era uma prática corrente do Banco Espírito Santo (BES) que os seus quadros superiores recebessem complementos de salários e prémios sem o declarar ao fisco. Uma “imposição”, disse o antigo ministro, que quando foi para o Governo ocultou o seu património numa offshore para fugir ao escrutínio devido a que estão obrigados os governantes com a declaração que têm de entregar ao Tribunal Constitucional.
Note-se que isto não é só que está na acusação, é mesmo o que o próprio já admitiu em tribunal. Como admitiu que enquanto era membro do executivo de José Sócrates recebia mensalmente do segundo maior banco do país 15 mil euros que eram enviados para uma offshore. Manuel Pinho diz que tudo não passa de um ilícito fiscal, que esse dinheiro, ao contrário do que diz a acusação, não era um pagamento de favores ao BES, mas só dinheiro que lhe era devido.
Alguém que tem com o dinheiro e com as exigências de um cargo público este tipo de atitude, terá sido convidado para o lugar de governador do Banco de Portugal por José Sócrates. Alguém que, segundo José Maria Ricciardi, antigo elemento da Comissão Executiva do BES, integrou o Governo por Ricardo Salgado ter “exercido influência” junto de José Sócrates, de quem “era muito íntimo”.
Mas o espanto não deve parar aqui. Graças ao Público e à SIC soube-se que uma das juízas que integram o colectivo deste julgamento foi casada com um alto quadro do BES que terá recebido um milhão através do “saco azul do GES”. Algo que, num primeiro momento, a juíza não terá achado que comprometia a sua idoneidade. É mesmo preciso continuar atento a este julgamento.
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Eu concordo com David Pontes. Aquilo que se está a saber até agora é um retrato devastador das elites económicas e políticas portuguesas (e as judiciais também não se saem lá muito bem...). Com elites mostrando princípios éticos como estes (e outros...), como é que a ascensão de escroques como José Sócrates poderia ter sido sentida por elas como o aparecimento de um «corpo estranho»?...