13 setembro 2019

A PONTE SOBRE O RIO KWAI

Um dos expedientes de que Boris Johnson se tem socorrido, neste tempos difíceis por que tem passado a governar o Reino Unido (em vias de se dissociar da União Europeia), é o de lançar foguetes com anúncios de projectos espampanantes, à espera que alguma imprensa acorra para ir apanhar as canas, e com isso aliviar a pressão política e mediática a que ele tem estado a ser submetido. É assim que o Channel 4 News teve acesso a documentos - imagine-se quem lhos facultou... - que demonstram que o actual governo britânico está a estudar a hipótese da construção de uma ponte que ligue a Escócia e a Irlanda do Norte! É um projecto que, de há algum tempo para cá, fascina o actual primeiro-ministro britânico e que, como se pode constatar num mapa, é uma obra ambiciosa,que terá de ter uma extensão mínima de uns 40 quilómetros. Claro que os custos do empreendimento são igualmente ambiciosos, estimados em 17 mil milhões de euros.
Ainda há menos de um ano, na China, inaugurou-se uma ponte com 55 quilómetros de extensão que, atravessando o Delta do Rio das Pérolas, faz a ligação entre Hong Kong, Zhuhai e Macau. É a maior ponte do Mundo, custou também 17 mil milhões de euros e demorou nove anos a ser construída. Em comparação, a ponte sobre o Mar da Irlanda acarinhada por Boris Johnson, pareceria ser um galvanizante desafio britânico à proeza da engenharia chinesa. Contudo, para complicar a vida ao primeiro-ministro, existe um certo consenso entre a classe dos engenheiros locais sobre a inexequibilidade da obra. Entusiasmo e garantias quanto à viabilidade da mesma, só mesmo os vindos de arquitectos ou de políticos unionistas da Irlanda do Norte. Reconheça-se que a argumentação dos engenheiros britânicos faz algum sentido: os mapas que acompanham estas argumentações raramente expressam as profundidades das massas de água que as pontes atravessam, e foi por isso que eu fui pesquisar à internet mapas que as exprimissem, porque é precisamente para esse aspecto que os engenheiros chamam a atenção.
Enquanto que a ponte na China foi edificada na foz de um rio, onde as profundidades raramente ultrapassam os 20 metros, a ponte que hipoteticamente viria a ligar a Escócia e a Irlanda teria que atravessar uma falha (o dique de Beaufort) onde as profundidades atingem os 200 a 300 metros(!). Não é bem a mesma coisa em termos de engenharia e de custos. E, para acrescentar ainda mais dificuldades à concretização do projecto, essa falha foi usada no passado para despejar munições e material radioactivo(!). Ou seja, por detrás das aparências e por debaixo das águas, apresentam-se dificuldades e riscos que tornam a promoção da ideia tão fantástica que chega a tornar-se insensata. Estes argumentos já por várias vezes foram brandidos, mas nada parece demover Boris Johnson. Apesar dos elogios que por cá lemos a respeito da sua formação em Estudos Clássicos, é nestas circunstâncias que se percebe que a sensibilidade de Boris Johnson quanto a problemas do foro científico, assuntos que imponham rigor, a sua prestação é muito fraquinha, graças a Deus.
O que é um handicap para qualquer primeiro-ministro, admita-se. Mas, porque toda esta história gira à volta da construção de uma ponte, embora a ponte venha a revelar-se o menos importante para o enquadramento geral em que a acção decorre, lembrei-me do tenente-coronel Nicholson, a personagem quintessencialmente britânica criada por Alec Guiness para o filme A Ponte do Rio Kwai. Lembrei-me dele porque, tal como Boris Johnson, o coronel está tão obcecado com aquilo que considera a sua missão, missão essa que ele aceita ser o melhor dadas as suas circunstâncias (do cativeiro), que Nicholson não chega a compreender o quadro mais vasto que o envolve. Quando, no fim, o coronel morre destruindo a ponte, e apesar de se perguntar o que é que fez (What have I done?) para mim ainda é equívoco se o faz deliberada ou acidentalmente. E é desta mesma forma trágica que eu vejo Boris Johnson num futuro próximo: daqui por meses, de uma forma ou doutra, ele vai conseguir o seu Brexit; só não garanto que, para já, queira estar consciente das consequências do que vai desencadear.

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