01 junho 2018

O CANADÁ E A NOVA AMÉRICA DE TRUMP


O que mais me impressionou ontem na reacção televisionada do primeiro-ministro canadiano à aplicação das tarifas alfandegárias, que andavam há tanto tempo a ser prometidas pelos norte-americanos, foi, por uma vez, o estilo, mais do que a substância. Depois da eleição de Donald Trump, e entre os líderes decentes das maiores potências mundiais (e isso da decência exclui Putin), ele gozara da impunidade de dizer o que lhe aprouvesse, com a enfâse que lhe aprouvesse, sem que os seus parceiros de palco reagissem. Claro que o comportamento desabrido de Trump dá maus resultados quando o interlocutor é um Kim Jong Un, mas essa é toda uma outra história*. Durante mais de um ano, Trump foi um elefante convulso numa loja de porcelanas onde os outros animais não partiam nem um prato - embora mandassem os jornalistas partir a loiça cá fora por eles. O discurso de Justin Trudeau, ontem, foi o primeiro em que dei conta em que não houve nada dessas delicadezas. Tanto assim, que o essencial do conteúdo da notícia - Canadá retalia e impõe taxas de 16,6 mil milhões de dólares aos bens dos EUA - pode, por esta vez, ser redigido baseado na citação das suas palavras, tanto as que foram proferidas no discurso (acima), como as tweetadas (ao bom jeito da moda instalada por Donald Trump). Conhecendo-se a História do Canadá, sabe-se que a passagem em que Justin Trudeau o descreve acima como o mais estável (steadfast) aliado dos Estados Unidos nos últimos 150 anos, ele está a ser mais do que retórico, está a descrever uma realidade que, aliás, é condicionada pela geografia: isolado no Norte do continente, o Canadá sempre teve por objectivo prioritário da sua política externa a manutenção das melhores relações com o seu poderoso vizinho do Sul, com o qual partilha uma fronteira de 6.400 km (+ 2.500 km com o Alaska). Com tal configuração, não há aliados que lhe sirvam: nem a antiga metrópole britânica, que sempre foi uma grande potência, mas marítima, nem tão pouco a Rússia, que até cometeu a indelicadeza de se retirar da região, vendendo o Alaska aos Estados Unidos em 1867. O Canadá deve ser o membro mais pró-americano de todos que formam a Commonwealth Britânica e contar-se-á também entre os aliados mais fiéis dos Estados Unidos entre os membros da NATO. Agora imagine-se bem até que ponto os Estados Unidos estarão a levar o seu unilateralismo para que o Canadá se veja forçado a declarar a guerra comercial, como o fez ontem Justin Trudeau.
* Quando se lê uma notícia com um título «Vice-presidente da Coreia do Norte já está em Nova Iorque para encontro com Trump» apetece logo perguntar: quem é que fazia ideia que havia um vice-presidente na Coreia do Norte? O que é que isso interessa, se nem se sabia o nome do senhor? Estes títulos e estas notícias são tentativas - baldadas - de arrancar Trump da armadilha em que ele próprio se enredou, quando se anunciou com toda a pompa e circunstância que se iria realizar uma cimeira entre a sua pessoa e Kim Jong Un. Esse anúncio transformou a realização da cimeira num problema para Trump: caso não se realize, o fracasso é seu, e já se percebeu que os norte-coreanos estão a esticar a corda e a tentar aproveitar essa circunstância para arrancar o maior número possível de concessões aos norte-americanos.

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