05 junho 2018

«GOVERNO MILITAR NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE DITADURA»...

5 de Junho de 1975. Numa entrevista publicada em Havana, no jornal Granma, órgão central do Partido Comunista Cubano (no Diário de Lisboa escreve-se órgão central do governo cubano, mas é mentira), e noticiada amplamente na imprensa portuguesa (quase toda ela controlada pelos comunistas), Álvaro Cunhal, o secretário-geral do Partido Comunista Português, dizia que havia uma possibilidade de uma intervenção militar «na aliança com o Povo» se se provar que em Portugal é impraticável uma coligação governamental. «Governo militar não significa necessariamente ditadura. Pode ser um governo para proteger as liberdades ameaçadas». «Nós pensamos que uma forte e ampla coligação das forças sociais e políticas seria possível num governo de coligação mas evidentemente isso depende da vontade dos outros grupos políticos. Por vezes os socialistas falam muito bem connosco e com o Movimento das Forças Armadas (MFA), mas eventualmente agem contra aquilo que disseram». (...) «O Partido Socialista e o Partido Popular Democrático mantiveram na verdade ligações com o ex-presidente António de Spínola e com os movimentos pró-spinolistas que conspiram para destruir as liberdades no nosso país». (...) Acrescentou que os laços entre o Povo e o Movimento das Forças Armadas podem perfeitamente existir fora dos partidos políticos – através de organizações de trabalhadores ou de organizações e assembleias distritais, mas afirmou que seria um grave erro o MFA pensar que poderia estabelecer uma ligação com o povo sem as organizações de trabalhadores. A entrevista fora obtida em 23 de Maio, quando um grupo de jornalistas cubanos visitara Lisboa.

Esta entrevista de Álvaro Cunhal de há precisamente quarenta e três anos acabou por ser mediaticamente abafada por uma outra, saída no dia seguinte num jornal italiano e onde constavam declarações ainda mais bombásticas do que a antevisão para o Processo Revolucionário em Curso de um governo militar (benigno!). A outra história envolvia uma jornalista italiana (Oriana Fallaci), um momento de fanfarronice de Cunhal, que nela profetiza que em Portugal nunca existiria uma Democracia de modelo ocidental, as mais amplas ressonâncias dessa sua declaração em Portugal, um apressado e veemente desmentido do PCP, num episódio que é rapidamente esquecido pelos próprios comunistas quando a jornalista italiana se disponibiliza a tornar público o material original com as declarações gravadas do entrevistado. (A preservação do mito Cunhal era mais importante do que o exercício tornado fútil de tentar desmentir declarações desastradas.) Mas as duas entrevistas compartilham um mesmo padrão: há um Álvaro Cunhal, que se mantém aparentemente discreto na comunicação social doméstica, mas que aproveita as solicitações do exterior para declarações verdadeiramente ousadas - demasiado ousadas mesmo, no episódio Fallaci - para que por cá venham a ter a sua ressonância indirecta. Aquilo que ele diz aos cubanos inclui não apenas os tradicionais vectores do discurso comunista em relação aos partidos mais votados depois da sua colossal derrota nas eleições de Abril (os votos não contam para nada...), mas também, e antecipando o tal governo militar, uma admoestação a tentações fidelistas por parte de alguma figura de dentro do MFA (Otelo Saraiva de Carvalho?), porque sem o aparelho que estabelecesse uma ligação com o povo, o Fidel europeu não iria a lado nenhum.

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