19 março 2018

O INCIDENTE POLACO LITUANO

Para além da nacionalização dos petróleos mexicanos, por estes dias de há oitenta anos assistia-se ao que parecia ser mais outra grave crise na Europa, escassos dias depois da anexação da Áustria pela Alemanha. A disputa envolvia também dois países de dimensões bem distintas, a Polónia e a Lituânia, e também era o maior, a Polónia, a assumir uma postura agressiva, no caso a pretexto de um incidente de fronteira que causara a morte de um soldado polaco. Houvera dezenas de incidentes nos anos precedentes, um punhado com um desfecho infelizmente idêntico, a morte de um dos membros da segurança da fronteira de um dos seus lados, mas dessa vez, na Polónia orquestrara-se uma campanha de rádio e imprensa que mimetizava em mais do que um aspecto a pressão que quase simultaneamente em Berlim se exercera sobre Viena. Na verdade, as relações fronteiriças entre os dois países eram tensas. Desde o fim da Primeira Guerra Mundial que ambos reivindicavam a cidade de Vilnius e a região adjacente. Na altura, a Polónia ganhara a posse de Wilno (como a cidade era designada em polaco) muito à custa da sua superioridade militar, mas a questão mostrava-se muito longe de solucionada, já que os lituanos consideravam-na a capital natural do seu país. E para fazer valer o seu ponto de vista, usavam um bizarro instrumento de pressão diplomática, recusando-se a estabelecer relações diplomáticas com o seu poderoso vizinho polaco enquanto a questão de Vilnius não fosse legalmente resolvida. Parecia aparentemente pouco, mas o encadeamento dos acontecimentos mostra que era uma atitude que irritava profundamente os polacos, afectando-lhes a sua imagem internacional, uma imagem que os polacos precisavam cultivar para as suas políticas de alianças a Ocidente com a França e o Reino Unido, alianças essas contra os outros seus vizinhos mais poderosos, esses sim, inimigos históricos decisivos dos polacos: os alemães e os russos.
Esse receio não impedia, contudo, os polacos de copiar o estilo dos nazis, e é impossível não ver neste forcing da Polónia sobre a Lituânia, com a emissão de um ultimato a 17 de Março de 1938, como uma cópia do ultimato que, por sua vez, a Alemanha enviara à Áustria apenas seis dias antes e que culminara com a anexação da segunda. Será esse ambiente de déjà vu que poderá explicar em grande parte o amplo destaque noticioso que vemos a ser dado aos acontecimentos nestas edições sucessivas do Diário de Lisboa de 17, 18 e 19 de Março de 1938, apesar de se tratar de acontecimentos que decorriam quase do outro lado da Europa. Como se pode perceber pela leitura cronológica dos cabeçalhos das notícias, dia 19, cumprem-se hoje precisamente 80 anos, a Lituânia, que se vira diplomaticamente isolada, acabou por ceder às exigências polacas, nomeadamente na prosaica mas famigerada questão do reatamento das relações diplomáticas. O futuro virá a tornar os polacos numas vítimas da barbárie nazi alemã e da duplicidade soviética russa, mas a realidade daqueles dias mostrava uns polacos que se comportavam como uns sacanas para com os países mais fracos do que eles. O incidente polaco-lituano está hoje completamente esquecido, porque a narrativa adoptada depois da Segunda Guerra Mundial seguiu um outro percurso completamente retocado, exonerando os polacos de todos os pecados cometidos antes do conflito. Ora esta visita ao passado mostra que o assunto foi seguido em Portugal com bastante atenção e apreensão – e isso, apesar de, recorde-se, haver simultaneamente uma guerra civil a decorrer em Espanha. Em contrapartida e para acentuar o contraste do interesse relativo dos assuntos, e para acabarmos o assunto por onde o começámos, vale a pena ver no poste respectivo qual o espaço (exíguo) que o mesmo Diário de Lisboa dedicou à nacionalização dos petróleos mexicanos.

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