21 março 2018

O CENTENÁRIO DO INÍCIO DA KAISERSCHLACHT

21 de Março de 1918. Tem inicio a primeira grande Operação (Michael) de um conjunto de ofensivas concebidas pelo Alto Comando Alemão para a Primavera de 1918, forçando uma decisão militar na Frente Ocidental antes de que a superioridade industrial e de recursos humanos dos Estados Unidos decidisse o desfecho da Grande Guerra. A esse conjunto de ofensivas preemptivas e decisivas os alemães deram o nome Kaiserschlacht (A Batalha do Kaiser). Em 1978 o historiador britânico Martin Middlebrook escreveu o livro acima sobre o primeiro dia da Operação Michael (a versão exibida é uma reedição de 2007). Vale a pena transcrever um trecho da análise desse primeiro dia a que o autor se dedica no seu 13º capítulo (p.308 da edição de que disponho):

«O primeiro dia da Kaiserschlacht terminara. Pelo número de efectivos envolvidos e pelo total de baixas sofridas, tornara-se no dia de mais intensos combates na Frente Ocidental até então e esse recorde perduraria até ao fim do conflito. A escala dos combates daquele dia só virá a ser superada em 10 de Maio de 1940, quando os alemães atacarão simultaneamente França, Bélgica e Holanda. Mas a importância deste dia para a História Militar não se fica apenas pelos números de homens envolvidos e de baixas sofridas, por muito importantes que eles sejam. 21 de Março de 1918 é o dia do princípio do fim da Primeira Guerra Mundial. Quando as tropas de assalto alemãs atravessaram as massacradas trincheiras britânicas alguns minutos antes das 10H00 da manhã daquele dia, elas desencadearam uma cadeia de acontecimentos que iria conduzir ao término do conflito. Esses acontecimentos não estão abrangidos pelo âmbito deste livro, mas os resultados desse primeiro dia de combates e a forma como esses combates foram conduzidos têm uma importância suficiente para merecerem um estudo mais aprofundado. (...)
A primeira tarefa, a mais fácil, é a de apresentar os resultados mais evidentes do dia de combates. À meia-noite, os alemães haviam conquistado 255 km² de um território que fora até aí defendido pelo III e V Exércitos britânicos - 49 km² pelo III Exército e os restantes 206 km² pelo V. Neste território perdido estavam as ruinas de 46 aldeias francesas. Não se pretende sugerir que a batalha se cingiu à conquista ou à perda de terreno e de aldeias arruinadas, mas esse era o padrão pelo qual tanto generais, quanto civis, as seguiam naquela época, olhando para mapas em busca de modificações do traçado das frentes.
Os sucessos alemães em 21 de Março de 1918 ridicularizaram tudo o que fora alcançado previamente pelos Aliados, ocasiões quando, para efeitos de propaganda interna, a captura de umas trincheiras, mais uns hectares de terreno juncado de crateras e ainda um par de destroços de aldeias a juncá-los haviam sido apresentados como grandes vitórias ofensivas, justificativas dos milhares de baixas sofridas para os alcançar. A batalha que começara naquele dia virá a ser depois conhecida, ainda que de forma oficiosa, como a Segunda Batalha do Somme, e é a comparação com o que fora alcançado durante a Primeira Batalha desse mesmo nome que nos pode dar uma dimensão mais impressiva do feito dos alemães nesse dia solitário de 1918. No Somme em 1916, os exércitos britânicos e franceses haviam conquistado 254 km² de território e 46 aldeias ao fim de 140 dias de combates árduos que lhes haviam custado mais de meio milhão de baixas. Ora esse era precisamente o resultado que os exércitos alemães haviam agora alcançado em apenas 1 dia de combate! Para mais, em 21 de Março à noite os britânicos estavam ainda em processo de retirar voluntariamente as suas unidades mais expostas, concedendo ao inimigo uns adicionais 104 km² e 11 outras aldeias. A nova configuração da linha da frente nos mapas evidenciará modificações gigantescas pelos padrões conservadores que a guerra forjara até aí, o que se tornou numa fonte de enorme embaraço para os líderes britânicos, tanto políticos, quanto militares, uma fonte de tensões entre esse dois grupos, e também entre os britânicos e os seus aliados, particularmente os franceses a quem pertenciam os territórios em disputa e que apreciaram de modo muito crítico a extensão da cedência territorial dos britânicos. Os seus oficiais de ligação colocados em unidades francesas foram objecto de variadíssimas manifestações de antipatia nos dias que se seguiram.
Mas o aspecto principal desta batalha foi realmente o humano - não apenas as baixas mas o efeito que ela teve na moral e na vontade de combater daqueles que dela saíram incólumes. A frente Ocidental tornara-se um daqueles campos de batalha onde, a partir de 1916, se procurava sobretudo desgastar o inimigo, e o objectivo manifesto dos alemães nesta Primavera de 1918 era destruir o Corpo Expedicionário Britânico (BEF). Anteriormente, já aqui se explicou que, no que concerne aos recursos humanos e materiais, a Alemanha não podia esperar vir a vencer a guerra se ela se arrastasse por tempo suficiente até que os Estados Unidos conseguissem mobilizá-los todos. A Alemanha tinha que romper a coligação adversa antes que isso acontecesse e para isso tinham seleccionado os exércitos britânicos como o alvo mais vulnerável para desfecharem os ataques da Kaiserschlacht. (...)»

Lembro-me de ler pela primeira vez esta análise (aqui necessariamente truncada), e perceber através dela como, aqui em Portugal, se costuma comentar de forma distorcida - e ignorante - aquilo que veio a acontecer ao Corpo Expedicionário Português (CEP) em La Lys a 9 de Abril de 1918. Nesse dia, os alemães desencadearam a segunda Operação (Georgette) da Kaiserschlacht e as unidades da frente tornaram a colapsar diante da ofensiva - com o pormenor adicional (e importante para nós) que, dessa vez, havia unidades portuguesas envolvidas na hecatombe. Houve e ainda há opiniões internas que carregam as tintas da responsabilidade portuguesa pelo colapso desse dia e, para isso, socorrem-se das opiniões britânicas. É um disparate e, ainda por cima, de uma fundamentação que mostra ignorância. O alvo não foram especificamente as unidades portuguesas, o nosso peso na ordem de batalha dos Aliados era tão pequeno que do colapso das nossas unidades nunca se esperaria nenhum desfecho decisivo. Como se comprova acima e por fonte insuspeita, 19 dias antes de La Lys, os britânicos não haviam precisado das fraquezas lusas para que a suas unidades colapsassem fragorosamente diante das tropas de assalto inimigas. E quanto às recriminações britânicas, recorde-se o tratamento que os oficiais britânicos de ligação receberam dos franceses por ocasião de Michael, que a crítica deve ir, inteirinha, para os que, por cá, atribuem valor à opinião de quem está metido no mesmo sarilho e quer, mesmo assim, arrogar-se ares. Mas a diferença substantiva está no aspecto que é abordado no último parágrafo da transcrição acima: o da moral e da vontade de combater. E aí sim, os britânicos podem-nos olhar de cima porque, de algum modo, eles ainda foram buscar ânimo para prosseguir a Guerra até ao fim, enquanto os portugueses desapareceram depois de Abril de 1918. E isso constituiu um embaraço nacional. Mas não tem nada a ver com os aspectos técnicos porque saímos derrotados naquele dia, em La Lys.

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