26 junho 2016

TEMPO DE MUITAS OPINIÕES IMBECIS, MAS EMITIDAS POR PESSOAS QUE É DIFÍCIL QUALIFICAR

Acima está um boletim de voto alemão utilizado nas eleições de 1932 e abaixo um de 1936. Mas, contudo, não foram os 37% de eleitores alemães que votaram no NSDAP de Adolf Hitler em Julho de 1932, ou sequer os 44% que o fizeram em Março de 1933 que assassinaram a democracia e a liberdade de escolha na Alemanha. Para o fazer, Adolf Hitler, cujo partido nunca contou com a maioria absoluta no Reichstag enquanto houve democracia, teve que se aliar com os deputados de formações da direita nacionalista para passar legislação que lhe permitisse governar ditatorialmente. A ditadura do III Reich não foi originalmente plebiscitada, necessitou da cumplicidade de uma parte das elites não nazis para se instalar. Para as ideologias totalitárias um apoio popular significativo pode ser conveniente, mas não é imprescindível para chegar ao poder: o fascismo italiano conquistou o poder pela força, sem se apresentar a eleições livres, e a melhor votação do comunismo em eleições livres no Leste da Europa foram 38% dos votos na Checoslováquia em 1946 (as votações nos outros países foram todas mais fracas, quando não mesmo medíocres). Por causa disso e por se confundir o acessório com o essencial, aborrece-me que os eleitores alemães desses anos conturbados de 1932-33 sirvam sempre de alibi para a demonstração da falência do critério da vontade popular como opção última da decisão política.
Como tornou a acontecer, mais uma vez, como sequela dos resultados do referendo no Reino Unido na Quinta-Feira passada. Não me ocorre expressão mais apropriada para designar o que está a acontecer do que designar o fenómeno por futebolização da política. Os actos eleitorais cada vez mais se assemelham aos jogos de futebol: os bons jogos são aqueles em que ganhamos, de preferência por muitos. E, quando se perde, há de haver razões outras, que não as futebolísticas, para justificar o resultado – descobre-se que a arbitragem, por exemplo, foi tendenciosa e influiu no resultado. E será por isso já há quem queira repetir o jogo, mas agora com novas regras. Há também a chicotada psicológica, a que se recorre quando se culpa e se saneia o treinador. Por acaso aqui ele já se saneou a si próprio, mas pululam as críticas a David Cameron por se ter lembrado de realizar o referendo. Alguns, mais técnicos e desesperados, podem chegar à desfaçatez de criticar os próprios jogadores: pelos vistos a equipa estará muito envelhecida e os jogadores mais velhos não deviam jogar. E para rematar há os cientistas, aqueles que vêm mais longe, que conhecem as correntes profundas de interesses que presidem ao sorteio dos árbitros e que também sabem que, lá no fundo, o povo em geral é estúpido e manipulável: não elegeu ele, num momento de delírio e fragilidade, Adolf Hitler ao poder?
Por acaso não (se Hitler era um malandro tão grande quanto Passos Coelho, podia ter-se tentado, ao menos, montar uma geringonça no Reichstag...), mas aceita-se a crítica de que imbecil será termo demasiado forte para designar os protagonistas de uma ou várias das opiniões descritas acima. Pelo menos, acredito pacífico não lhes atribuir grandes predicados quanto à aceitação das regras da democracia, mas aceitam-se sugestões de qualificativos compatíveis tendo em conta a valia das opiniões...

2 comentários:

  1. Um grande post, cheio de ironia e com muita razão. Mas continuo a não me rever na necessidade de apelidar seja quem for de imbecil. A democracia também nos ensina a sermos tolerantes para todas as opiniões.

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  2. Pois, mas ele parece-me que há opiniões que, por razões que não compreendo mas que não certamente com o seu mérito, são emitidas com tal autoridade e difusão, que se tornam mais todas que todas. É sobretudo contra essa "totificação" que me insurjo...

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