02 agosto 2010

PEQUENA HISTÓRIA DO PODER DA RUA…

Outro dia, numa conversa casual e com seis pessoas à mesa e ao fazer referência aos acontecimentos de 1848, apercebi-me que ninguém sabia a que me estava a referir. Eu já aqui havia escrito a respeito da primeira Revolução daquele ano, a que tivera lugar em Paris em Fevereiro de 1848, em consequência da qual se depusera a dinastia de Orleães e se fundara a II República francesa e que servira posteriormente de estopim para outras revoluções através do continente: em Viena, Berlim, Milão, Budapeste, Veneza, Nápoles, etc. Com programas políticos que associavam o nacionalismo e o liberalismo o período ficou conhecido para a História com o título romântico de Primavera dos Povos.
Mas não será a ideologia dessas revoluções a preocupação principal deste poste mas antes as condições específicas em que elas tiveram lugar. Em 1848, ainda antes da fotografia, já se inventara o daguerreótipo que, embora produzisse imagens de qualidade deficiente (acima), puderam depois ser corrigidas com as tecnologias posteriores (abaixo). Estas imagens que vemos são de barricadas erigidas pelos revolucionários nas ruas de Paris por ocasião da Segunda Revolução que aí teve lugar, a 23 de Junho do mesmo ano de 1848. A industrialização provocara a concentração urbana e o crescimento dos exércitos de revolucionários: a população parisiense rondava então os 700 mil habitantes.
Mas o problema que tornava as autoridades mais frágeis era mais técnico do que uma questão de efectivos. Os insurrectos assumiam uma posição defensiva – daí a edificação das barricadas – e ficavam à espera que o exército os desalojasse. Em combate de infantaria, e equivalendo-se o armamento individual, a vantagem ia para os barricados. A cavalaria, como se vê pelas ruas estreitas das imagens acima, raramente tinha espaço para manobrar. A arma contra-revolucionária de eleição era a artilharia, mas a potência limitada dos projécteis e o traçado irregular das ruas limitava-lhe a eficiência. Sufocar uma revolução na época tornava-se um caso sério e exigia efectivos equivalentes aos de uma batalha…
Essas foram as revoluções presenciadas (ou quase…) por Karl Marx e que influenciaram a sua obra posterior, deixando-o assumir que as condições materiais necessárias para o derrube de um regime permaneceriam as que vigoravam em 1848. Mas tanto ao nível táctico quanto tecnológico tudo mudou rapidamente. Em Paris, por exemplo, o traçado interno das suas ruas foi alterado nos 20 anos seguintes (abaixo), rasgando-se avenidas largas (mais propícias às cargas de cavalaria…) e direitas (em benefício do alcance da artilharia…). Os melhoramentos técnicos que entretanto foram sendo introduzidos nas armas individuais (maior precisão, alcance, ritmo de tiro) tornaram-se exclusivos do armamento militar.
O proletariado identificado por Marx nunca mais voltou a deter a iniciativa militar que possuía nos anos próximos de 1848. Revoluções com significado, como a Comuna de Paris em 1871 ou as de 1905 e 1917 em São Petersburgo, resultaram mais da exploração de um momento de fraqueza dos poderes instituídos do que da força da classe. Restou um certo lirismo, desfasado da realidade, que alguns marxistas arrastaram consigo, como quando pretenderam transformar em revolução popular um pronunciamento militar como o 25 de Abril de 1974 em Portugal (abaixo) ou esqueceram que a participação popular foi irrelevante para o sucesso do pronunciamento militar que teve lugar em 11 de Setembro de 1973 no Chile.

3 comentários:

  1. Georges Haussmann sabia o que estava a fazer quando virou Paris do avesso!
    As grandes avenidas acabaram com as veleidades dos revolucionários, despejados dos bairros incómodos, que foram destruídos.
    Foram executados trabalhos extraordinários para permitir boa visibilidade e campo de tiro "limpo" em vários locais.
    Napoleão III teve "faro" ao descobrir esse "Maîre", que "reinou" 17 anos.
    As alterações às obras de Haussmann, até hoje, foram pormenores.

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  2. Nem sei se deva. É apenas para te dizer que...gostei. E mais, aprendi.

    Beijos.

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  3. Oh Donagata, então não devias dever? A não ser que haja dúvidas sobre uma dívida que eu desconheça...

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