16 agosto 2010

A QUESTÃO DO IDIOMA NACIONAL SUL-AFRICANO

Escondida por detrás da questão maior e mais delicada da diminuição das diferenças na distribuição de riqueza entre as várias raças e regiões sul-africanas (veja-se o mapa acima), existe um outro potencial problema político para o futuro, o de saber qual será a evolução da importância relativa das línguas daquele país. Em 1994, com a ascensão ao poder do ANC, o país passou a ter, em vez dos dois tradicionais de origem europeia do regime anterior (africânder e inglês), um total de onze idiomas nacionais. Todos esses nove novos idiomas nacionais eram, naturalmente, línguas africanas.
A decisão teve tanto de simbólico quanto de difícil implementação prática. Apesar das soluções imaginativas o novo Hino Nacional da África do Sul só contemplou espaço para usar cinco idiomas. Forjado em 1997 a partir da justaposição de duas melodias diferentes, tornou-se por isso no único Hino do Mundo que não termina no mesmo tom do início. A letra também teve que ser um pouco improvisada e pelo detalhe desse improviso poderemos perceber a importância relativa entre as diferentes línguas assim como a sua implantação geográfica (ouçamo-lo acima e vejamos a letra e as explicações mais abaixo).
Nkosi sikelel' iAfrika (Deus abençoe África)
Maluphakanyisw' uphondo lwayo, (Que eleve alto a Sua Glória)

Estes dois versos iniciais são cantados em Xhosa. Este privilégio dever-se-á ao facto do Xhosa ser o idioma materno de Nelson Mandela, Thabo Mbeki e da maioria dos outros dirigentes históricos do ANC como Oliver Tambo e Walter Sisulu. Para além, claro, de acordo com os dados do Censo de 2001, ser o idioma materno de 17,6% da população da população sul-africana.
Yizwa imithandazo yethu, (Deus ouça as nossas preces)
Nkosi sikelela, thina lusapho lwayo. (E nos abençoe, Seus filhos)

A tradicional rivalidade entre xhosas e zulus traduz-se na preocupação de que os próximos versos serem cantados em Zulu. Sendo o maior grupo linguístico sul-africano, representando 23,8% da população, os zulus foram conhecidos por se terem distanciado politicamente do ANC. Só recentemente, com a eleição para a presidência em 2009 de Jacob Zuma, os zulus viram um dos seus a ocupar o cargo supremo do país.
Morena boloka setjhaba sa heso, (Deus proteja a nossa nação)
O fedise dintwa le matshwenyeho, (Suprima todas as guerras e sofrimentos)
O se boloke, O se boloke setjhaba sa heso, (A nossa nação, proteja a nossa nação)
Setjhaba sa, South Afrika - South Afrika (A nossa nação, África do Sul, África do Sul)

A opção pelo Sotho para cantar esta segunda quadra é aquela que me parece mais difícil de explicar. O Sotho é um idioma importante demograficamente (7,9% da população) mas há outros idiomas oficiais sul-africanos que ficaram excluídos que têm mais peso demográfico – o Tswana, por exemplo. Por outro lado, ao Sotho falta-lhe a importância política dos outros quatro idiomas seleccionados para o Hino...
Uit die blou van onse hemel, (Ressoando dos nossos céus azuis)
Uit die diepte van ons see, (E dos nossos mares mais profundos)
Oor ons ewige gebergtes, (Para lá das montanhas eternas)
Waar die kranse antwoord gee, (Onde se escutam as repetições do eco)

Muda a melodia para introduzir a quadra cantada em Africânder, que é um trecho do Hino do regime anterior, naquela que terá sido a decisão mais contestada na composição. Mas o Africânder, mais do que apenas o idioma da repressão do Apartheid, também é a terceira língua materna mais falada na África do Sul (13,3% da população) e que é largamente maioritária (acima) nas regiões sudoeste do país.
Sounds the call to come together, (Soa o apelo à unidade)
And united we shall stand, (E unidos permaneceremos)
Let us live and strive for freedom (Deixem-nos viver e pugnar pela liberdade)
In South Africa our land. (Na África do Sul, a nossa terra)

Obviamente, o Inglês ficou para o fim, incluindo a mensagem positiva de unidade por dever ser a língua mais acessível a todos os sul-africanos. Note-se contudo no mapa de cima como o Inglês é a língua materna de muito pouca gente na África do Sul (8,2% da população) e como ela se concentra nas regiões urbanas. E tê-lo-ia sido de menos gente ainda, se o questionário do referido Censo de 2001 tivesse sido diferente¹.
Neste momento, por causa das taxas de crescimento demográfico, as línguas de origem africana estão a ganhar importância. Mas a tendência para o futuro da África do Sul, se nela se preservar o regime democrático, será para que a maioria negra deixe de se comportar como um bloco monolítico por detrás do ANC e se comece naturalmente a dividir por causa dos conflitos de interesses diferentes entre as várias comunidades linguísticas e regionais que a compõem. E será muito interessante ver então o emprego do papel das várias línguas sul-africanas na evolução dessa situação²

¹ Perguntava-se aos inquiridos qual das 11 línguas nacionais usava em casa, ou então se usava outra, sem especificar. Muitos imigrantes preferiram escolher a resposta inglês em vez de outra – apenas 0,5% das respostas. Um caso evidente dessa distorção em favor do inglês foi o das respostas da comunidade indiana: 94% das respostas (um milhão de respostas!) indicavam que o inglês era a língua de casa e não o hindi, o gujarati, o tamil, o punjabi, etc., como seria de esperar.² Uma análise prospectiva interessante (porém datada e um pouco académica demais...) do que poderá ser a evolução das línguas na África do Sul pode ser lida no Capítulo 7 de Words of the World.

2 comentários:

  1. O afrikaans, língua derivada do neerlandês, é a língua materna de 6 milhões de pessoas na África do Sul e também se fala na Namíbia.

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  2. É curioso que o Afrikaans tem influencia das próprias línguas nativas, mesmo que mínima não deixa de existir.
    Oxalá a África do Sul não assuste em excesso os africanders. Não seria bom para ninguém.

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