24 maio 2017

PELO 41º ANIVERSÁRIO DO «JULGAMENTO DE PARIS»

O julgamento de que aqui se vai falar teve muitos juízes, onze, conforme se pode ver nesta fotografia acima e de cuja reputação jurídica falaremos mais adiante. E os réus (se assim os podemos designar) foram vinte vinhos (dez brancos e dez tintos) que foram submetidos a uma prova cega para a sua classificação num concurso realizado em Paris naquele dia 24 de Maio de 1976, promovido por um importante comerciante de vinhos de qualidade de nacionalidade britânica. Os jurados haviam sido selecionados de entre a nata dos provadores de França, nomes que não dizem nada aos leigos, mas que incluíam, e só para exemplo, Odette Kahn, que era a chefe de redacção da revista La Revue du vin de France ou Christian Vanneque, o escanção do restaurante La Tour d'Argent, reputado por albergar a melhor cave de vinhos de todos os restaurantes parisienses. Configurada a excelência de quem ia julgar, resta acrescentar um detalhe: por uma primeira vez naqueles meios tão sofisticados, os reputadíssimos e incomparáveis vinhos franceses iriam poder ser comparados com concorrentes produzidos do outro lado do Atlântico, californianos, produzidos a partir das mesmas castas que haviam guindado os vinhos franceses à sua reputação impar. Enfim, para encurtar uma história que teve imensas peripécias mas cujo desfecho já se adivinha, não é que os vencedores em cada uma das duas categorias (brancos e tintos) foram vinhos californianos?...
Parece-me desnecessário explicar que o assunto se tornou numa grande barracada. Não era o reconhecimento do facto do vinho francês ser perfeitamente comparável com o que era produzido noutras regiões do Mundo. Era o facto desse reconhecimento ter sido avalizado pelo que de melhor a França apresentava em termos de provadores. Odette Kahn «celebrizou-se» na ocasião por, em vez de embatucar como o fizeram os seus colegas, ter ido ter com os organizadores a pedir-lhes de volta o seu boletim com as pontuações. Claro que aqueles, polidamente, declinaram o pedido. Mas houve um silêncio opressivo das revistas da especialidade a respeito do evento. Se ele veio a ser quebrado foi através da revista (bem generalista) Time e porque o assunto interessava sobremaneira em termos comerciais aos viticultores norte-americanos. O acontecimento só é hoje recordado porque, ao arrepio dos franceses que o querem esquecer, são os norte-americanos que não se cansam de o evocar. Tivesse o episódio acontecido com vinhos italianos, espanhóis, argentinos, australianos e ele já há muito estaria esquecido. Um ensinamento se retira de tudo isto, porém: testes cegos podem-se tornar na hecatombe das convenções sociais quando estas não têm fundamentação objectiva. É algo que me lembro sempre quando vejo assuntos deste e de género semelhante a serem abordados, seja a excelência dos vinhos, seja a maravilha da cozinha de um Mestre Cuca. Afinal, creio que pode haver um sentido complementar para aquele ditado daqueles anos que sugeria que a Vida é feita de pequenos nadas... Também pode ser feita de Grandes Nadas.

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