16 abril 2017

AS DUAS MESMAS ESQUERDAS MAS TRATADAS DE MANEIRA TÃO DIFERENTE PELA MÉDIA

Jean-Luc Mélenchon e Jeremy Corbyn ocupam, de um e outro lado da Mancha, o mesmo espaço ideológico, o da esquerda-esquerda, mas a democrática, não comunista. E no entanto o tratamento que a comunicação social lhes dá, mesmo a que lhes é considerada simpática, não pode ser mais distinto. Ao francês, por exemplo, a subida de um ou dois pontos nas intenções de voto para as próximas presidenciais é motivo para uma celebração no Le Monde brandindo as possibilidades de ele passar até à segunda volta. Em contraste, apesar de o britânico ainda se encontrar distante de vir a ser escrutinado, já o The Guardian estampa em destaque uma sondagem que pretende demonstrar que nem nas próprias hostes trabalhistas se confia no homem... Fosse isto episódico não o assinalaria aqui. Mas não, já deu para perceber quanto o contraste é recorrente. Tanto que até chateia: Mélenchon a ser levado ao colo e Corbyn a enfardar porque não presta... E não é o posicionamento no espectro político que conseguirá explicar este contraste. Mas também não consigo encontrar uma explicação para ele entre a opinião publicada... A política moderna, condicionada por uma boa ou má imprensa, formatada por sua vez por causas não explicadas, parece já só se reger marginalmente pela lógica tradicional da esquerda e da direita.

4 comentários:

  1. Sobre França, não sei.
    Sobre os trabalhistas e Corbyn: os trabalhistas britânicos são aquilo a que os britânicos chamam uma "broad church", ou mais diplomaticamente "um partido plural", traduzo eu: um albergue espanhol.
    E assim tem de necessariamente ser no Reino Unido. Porque o sistema político britânico favorece essencialmente o bipartidarismo e as maiorias absolutas parlamentares, os dois maiores partidos têm de albergar em sim varias correntes ideológicas, mutuamente contraditórias entre si para poderem ter dimensão e "competir neste mercado".
    Nos conservadores o mesmo se passa e o tema que mais habitualmente se vê publicitado é a atitude dos conservadores em relação à Europa.
    O Corbyn representa a resposta interna trabalhista à "terceira via" - o New Labour - personificada pelo Blair, que entrou em bancarrota moral com a guerra no Iraque, em bancarrota financeira com a crise de 2008 e finalmente em bancarrota eleitoral com a pesada derrota de 2015...
    A questão é que jornais como o Guardian são geridos, editados e lidos em Londres, centro nevrálgico do New Labour que ainda sobra. Ora Londres é grande, mas não é o Reino Unido, e, como amiúde demonstrado, de momento também não e uma amostra representativa do Reino Unido.
    Daí a "má imprensa". Daí a dissociação entre o que a imprensa vaticina e os resultados. Os trabalhistas estão em guerra civil desde que Corbyn foi eleito e o partido só ainda não se cindiu porque a lógica bipartidária do sistema eleitoral britânico tem muita força. E a guerra civil continua agora em formato "guerra fria" ou "lume brando" porque se regista um impasse: o Corbyn, apesar do momento político favorável não consegue impulsionar o partido nas sondagens nem nas eleições intercalares quevão surgindo aqui ou ali mas o New Labour eleitoralmente está ainda mais esgotado e já nem internamente controla o partido como demonstrado pela eleição de Corbyn, apesar de controlarem uma parte importante dos doadores do partido.

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  2. Pois, mas a questão que coloco está para diante da explicação que presta - que já conhecia, mas agradeço. É que em França a lógica que detalha funciona precisamente ao contrário, Jean-Luc Mélenchon, que foi do PSF de 1976 a 2008 e dele saiu pela esquerda, também não me parece progredir politicamente para lado nenhum, mas o Le Monde, que é tão acirradamente parisiense quanto o Guardian é londrino, adora-o apesar de vogar lá pelos confins da esquerda. Para lhe dar uma referência da política britânica para que a compreenda, o Mélenchon pode ser comparado a uma espécie de Tony Benn à francesa.

    Postas as coisas assim, consegue explicar-me porque é que Corbyn conta com uma imprensa francamente hostil e Benn sempre recolheu nela simpatias, apesar de todo o seu radicalismo político?

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    1. O Tony Benn foi um produto específico de um país, o Reino Unido num tempo específico. Um tempo em que URSS e o muro de Berlim ainda existiam. Recebeu boa imprensa porque era um "moderado" desses tempos. Mais tarde, uma relíquia, uma cápsula de como o socialismo britânico havia sido, antes de Thatcher, antes do neoliberalismo, e da colonização ideológica do partido trabalhista por este - isto porque abandonou a política activa.
      Repare que em Portugal, Mário Soares foi o nosso celebrado "moderado" dos anos 70 e 80, contra o Cunhal. Umas décadas depois, depois de Cunhal, passou a ser um perigoso esquerdista, velho gá-gá...
      Sobre França, não sei. Teria de estudar para poder sequer esboçar uma resposta a sua questão. Assim de repente só me ocorre perguntar se Melechon será assim mesmo tão radical como o pintam.

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  3. Por acaso, aqui estou em completo desacordo consigo. O Tony Benn foi um produto muito comum a todos os países da Europa ocidental no período que refere: era um exemplar típico da «extrema esquerda caviar». Por cá, tivemos catrefas deles e ainda há cinco me socorri de Tony Benn como evocação introdutória a Francisco Louçã (http://herdeirodeaecio.blogspot.pt/2012/03/tony-benn.html).

    O que tornava Benn num exemplar exótico eram as características muito próprias do trabalhismo britânico que abrigava dirigentes com verdadeiras origens humildes e operárias como Herbert Morrison ou Ernest Bevin (http://herdeirodeaecio.blogspot.pt/2014/03/uma-esquerda-descomplexada-infelizmente.html). É em contraste com esse pano de fundo que vem a aparecer Tony Benn, na descrição caricata que dele se faz em Yes, Minister, «Político da esquerda radical que se tornou proeminente durante os anos 70 e início dos anos 80, filho de um Par do Reino, educado em Westminster e Oxford, principalmente recordado por falar de forma ceceada, pelos seus olhos esbugalhados e pelos seus esforços empenhados para disfarçar as suas origens privilegiadas bebendo canecas de chá com membros das cooperativas operárias. (p. 275)».

    Para o que me interessava, continuo sem perceber o que faz tornar Mélenchon um fenómeno: há quatro candidatos com possibilidades de passar à segunda volta em França, ele é o que se apresenta com menos hipóteses, mas estão sempre a bater na tecla do homem - até irrita!

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