04 janeiro 2017

O «CERCO» DE SIDNEY STREET

Ficou conhecido por cerco de Sidney Street um tiroteio que teve lugar em 3 de Janeiro de 1911 num dos bairros pobres da periferia oriental de Londres (East London). O episódio foram precedido no mês anterior por um conjunto de incidentes associados a um assalto gorado a uma joalharia que se saldara pela morte de três polícias conjuntamente com o líder da quadrilha, quadrilha essa que fora identificada por ser composta por judeus predominantemente vindos da Letónia (que fazia então parte da Rússia). Desmentindo a famosa reputação secular dos bobbies (agentes da polícia) andarem normalmente desarmados, quando da identificação do esconderijo de dois dos membros da quadrilha num dos edifícios de Sidney Street, a polícia - e sobretudo o ministro do Interior da altura, que dava pelo nome de Winston Churchill - decidiu-se a fazer uma demonstração de força nos conturbados bairros da colónia judia (e leste-europeia) de Londres. A manobra de cerco assumiu proporções ridiculamente épicas: para uma oposição que, de dois conhecidos, nunca poderia ultrapassar a meia dúzia de atiradores e esses apenas munidos de armas ligeiras, foram mobilizados, para além de várias centenas de polícias armados, 75 soldados de infantaria armados auxiliados por metralhadoras Maxim, 35 soldados com artilharia de campanha e ainda mais 15 sapadores de engenharia, estes últimos para rebentar com os acessos ao prédio onde se acolitavam os delinquentes.

Mas, mais do que isso, e porque Churchill já era o famoso Churchill (embora nessa época ele fosse whig), acompanhava tudo aquilo uma ampla equipa noticiosa encarregue de dar relevo à presença do próprio ministro no local (na fotografia inicial, vê-se Churchill de chapéu alto, assinalado ao centro), incluindo pela primeira vez, uma equipa de filmagens cujo trabalho podemos apreciar no vídeo. Previsivelmente, e segundo os relatos da época, Churchill foi acolhido no local por comentários xenófobos dos basbaques: Quem é que os deixou vir para cá? Mas a operação não fora concebida só para benefício desses, a exibição de força, que fora desafiada por uma violência armada a que as autoridades britânicas não estavam acostumadas, era exibida em benefício dos imigrantes e prosseguiu até ao fim, o tiroteio continuou mesmo depois do próprio prédio ter pegado fogo. Ironicamente e para além dos dois membros da quadrilha, a única vítima do lado das autoridades foi um bombeiro que morreu quando o prédio em chamas colapsou. Não foi a única ironia de todo aquele show-off. Quase todos os restantes membros da quadrilha vieram a ser capturados em acções policiais mais discretas. Quando julgados, alguns deles vieram a ser condenados a pequenas de prisão (inicialmente, tratara-se de um assalto a uma joalharia) e outros absolvidos. Alguns regressaram à Rússia. Um deles veio mesmo a destacar-se na polícia política soviética, vindo a ser executado em 1938, quando das grandes purgas patrocinadas por Estaline.
O mapa acima, desenhado em 1900 (dez anos antes), mostra-nos, assinalada a tons progressivamente mais carregados, a concentração da população judaica nos bairros onde decorreu a acção; assinalada a vermelho, vê-se à direita a circunferência sobre o edifício conquistado na campanha de 4 de Janeiro de 1911. A sua própria existência (do mapa), tanto como as razões subjacentes ao episódio acima narrado, parecem ser demonstrativos de que a absorção dos imigrantes judeus vindos do Leste da Europa no Reino Unido de há 100 anos não se revestiu do pacifismo a que a falta de memória histórica nos pode actualmente induzir. Por outro lado, é interessante constatar, não que o mapa acima mudou, porque isso seria mais do que expectável, mas o sentido em que se produziu a mudança: aquela mesma zona é actualmente o centro da comunidade bangladeshi de Londres (predominantemente muçulmana). Há sempre limitações para estabelecer analogias, para mais quando, como neste caso, elas estão separadas por mais de um século, mas não deixa de ser tentador repegarmos o hoje quase esquecido «Cerco» de Sidney Street e revivê-lo num local próximo, tendo agora como alvo radicais islâmicos oriundos do Bangladesh e, a encabeçar mediaticamente as operações, um ambicioso jovem político tory, personagem quase decalcada de Boris Johnson.

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