20 janeiro 2021

EM PORTUGAL, A ESTAS ATITUDES DEVÍAMOS CHAMÁ-LAS «DEMISSÕES À JORGE COELHO»

Por entre os interstícios do covid (que abafa noticiosamente quase tudo o que de mais acontece pelo Mundo), ficámos a saber que o chefe do governo holandês apresentou a sua demissão. Há uma explicação acoplada à notícia mas, quando aprofundamos o assunto porque essa explicação nos parece insuficiente, mais todo o assunto se reveste de despropósito. Vejamos: o escândalo tornou-se público há mais de dois anos em Setembro de 2018 e aplicava-se à conduta dos ministérios de um governo anterior do primeiro-ministro Mark Rutte; o ministro mais exposto, Lodewijk Asscher, não só já não faz parte do governo desde 2017, como o seu próprio partido (Trabalhista) também já não faz parte deste governo; para mais, um membro júnior do actual executivo já se demitira por causa do escândalo em Dezembro de 2019. O que terá acontecido de novo que possa justificar esta evolução será, portanto, do foro político e não do conhecimento de novos factos: foi em Dezembro de 2020, no mês passado, que a comissão parlamentar de inquérito ao escândalo concluiu o seu relatório e, na sequência da publicação do mesmo, um dos líderes de um dos partidos da oposição anunciou que iria apresentar uma moção de censura. E os outros partidos que compõem a coligação governamental dissociaram-se do de Mark Rutte (VVD). Como se estava a dois meses de eleições, o primeiro-ministro limitou-se a precipitar os acontecimentos. Na prática, nada mudará: o governo demissionário continuará em funções até lá. É inútil ir à procura de ética naquilo que não passa de uma manobra política. O que é irritante é quando se percebe perfeitamente que isso aconteceu e depois se insiste na mentira, como aconteceu em Março de 2001 com Jorge Coelho, que aproveitou a ocasião da queda da ponte de Entre-os-Rios para se demitir de um governo que se estava a esfarelar. A percepção disso ainda não chegara ao grande público quando o fez, mas, dali por seis meses, o governo que Jorge Coelho abandonara entrava em crise e tinha que ser penosamente remodelado (Guilherme Oliveira Martins ficou com a pasta das Finanças porque ninguém queria aceitar o cargo...) e três meses passados, em Dezembro de 2001, o primeiro-ministro António Guterres aproveitou umas eleições autárquicas para se demitir. Como acontece agora com Mark Rutte, Jorge Coelho foi esperto em abandonar o barco mais cedo, antes do afundamento; mas, sendo esperto, não insista em fazer de nós parvos. (Uma nota final para criticar uma vez mais aquela habilidade recorrente de Mark Rutte se fazer fotografar sempre a andar de bicicleta, sem que se vejam seguranças por perto, como se não houvesse problemas desse género na Holanda...)

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