05 janeiro 2015

«A BEM DA NAÇÃO»

Deverão lembrar-se os mais antigos que a frase A Bem da Nação foi introduzida pelo Estado Novo como formalidade burocrática obrigatória que rematava as comunicações internas escritas. Empregue com sentido irónico depois do 25 de Abril, a expressão ainda hoje parece ter o poder de despertar comichões entre os puristas mais atentos da esquerda. Mas, apesar de esvaziada de conteúdo à custa da repetição antes, e arrenegada depois, de 1974, pergunto-me se a expressão não se tornará de novo pertinente à vista deste Portugal aonde nos encontramos. Ponho a questão, porque hoje recebi uma carta do meu município, assinada pelo respectivo presidente da Câmara, de que destaquei o parágrafo abaixo:
Em suma, assume-se que os serviços de recolha do lixo aqui do meu sítio pioraram. Mas a culpa é do governo. Num registo algo semelhante e numa notícia também de hoje, após a morte de um paciente em espera na urgência de um Hospital por cinco horas, uma das médicas envolvidas mostrou-se agradecida ao ouvir a intenção da família do falecido em formalizar a queixa.
Do caso deduz-se que a médica até parece indiferente às sanções. Do presidente da câmara à médica de turno, do topo às bases das hierarquias das organizações do Estado notar-se-á esta indiferença e esta saturação com o ciclo de cortes orçamentais e pedidos de aumentos de produtividade que levará aqueles que deviam ser responsáveis a desistir de o ser. O bem da nação, mas no verdadeiro sentido da expressão, terá deixado de ser preocupação dos responsáveis e, pior, o exemplo parece vir de cima, com um primeiro-ministro assumindo-se como utente, alijando-se de responsabilidades, e um presidente da República a proferir discursos medíocres, à moda antiga, desses outros tempos em que o bem da nação era uma expressão oca.

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