05 março 2014

AQUELES MAGNÍFICOS HOMENS NAS SUAS MÁQUINAS VOADORAS

As referências às grandes operações aerotransportadas costumam ser acompanhadas de imagens das copas dos pára-quedas abertos enchendo o céu. Mas esses são apenas uma parte dos combatentes que participaram nessas operações. Outras unidades de infantaria, assim como o material de combate mais pesado (morteiros, artilharia) e algumas (poucas) viaturas tinham que ser transportados doutra forma, em planadores, num processo de colocação das forças no terreno que era tão – senão mesmo mais – arriscado quanto os saltos em pára-quedas – embora indiscutivelmente menos vistoso… Este é um pequeno poste dedicado a recordar alguns desses magníficos homens nas suas máquinas voadoras da Segunda Guerra Mundial.
Quando se iniciou a Segunda Guerra Mundial o conceito de infantaria aerotransportada era uma ideia a concretizar, desdobrada em duas opções que se baseavam em duas invenções do final da Primeira Guerra: o pára-quedas e o planador. Para a realizações de operações em profundidade, por detrás da frente de combate, unidades de infantaria poderiam saltar de um avião convencional em paraquedas sobre o objectivo escolhido, ou poderiam ser para lá levadas num planador rebocado por um avião. Teoricamente haveria vantagens/desvantagens em qualquer das duas opções e, adequado ao espírito de guerra, período onde não se limpam armas, enquanto não foi possível chegar a uma conclusão, implementaram-se ambas.
Talvez por ser a solução mais barata, os britânicos foram mais longe no desenvolvimento dos planadores quando em comparação com os norte-americanos. O primeiro planador de grande produção, de uma futura frota de 5.000 ordenada em 1942 por Churchill para a reconquista da Europa, era de concepção britânica, o Horsa (acima), com 20 metros de comprimento e quase 27 metros de envergadura, que podia transportar até 25 soldados ou, em alternativa, material de combate ou de transporte até às três toneladas e meia de peso. Era um planador com uma excepcional sustentabilidade (podia planar 13 km por cada 1000 metros de altitude perdidos) mas isso era conseguido à custa da leveza frágil do contraplacado em que era construído.
Outro planador britânico foi o Hamilcar, com os mesmos 20 metros de extensão mas maior envergadura (33,5 metros) e mais bojudo, com uma área vocacionada especificamente para o transporte de material, incluindo mesmo blindados ligeiros. O preço a pagar era uma muito maior instabilidade em voo e, sobretudo, à aterragem, quando a inércia das sete toneladas que podia carregar o tornavam difícil de imobilizar, para além de uma desagradável tendência para se virarem no processo, esmagando quem os ousasse pilotar. O planador norte-americano, que dava pelo nome improvável de Waco, era o menor dos três, com apenas 15 metros de comprimento por 25 de envergadura de asas e por isso a sua dotação máxima era de apenas 13 soldados.
Tinha porém a vantagem psicológica do seu habitáculo ser um tubo de aço ainda que fininho (a fazer lembrar as embalagens de charuto), colmatando um aspecto de que todos os planadores padeciam: o da fragilidade. Estando limitados a velocidades rondando (no máximo) os 240 km/h, se detectados transformavam-se em alvos fáceis para a artilharia antiaérea inimiga. Tudo isto se combinava para exigir dos envolvidos um retrato psicológico peculiar: pilotos que não faziam parte da elite da pilotagem e que não se importassem, depois da aterragem, de pegar numa arma e combater como um vulgar soldado de infantaria. Soldados de infantaria, que não se havendo voluntariado para qualquer arriscada unidade de elite, davam por si integrados numa¹.
O espírito parece excelentemente captado neste cartaz irónico, recordando que os membros das unidades de planadores não recebiam suplementos no ordenado por voarem (como os pilotos) nem por saltarem (como os paraquedistas), mas podiam prometer aos voluntários que não se iriam aborrecer como se comprovava pelas fotografias das carcaças dos planadores destruídos em aterragens inconseguidas. Ao contrário do individualismo das largadas de paraquedistas a aterragem num planador parece ser óptima para fomentar o espírito de corpo, com os homens a entrelaçarem os braços para assim minorarem o impacto do que possa acontecer e os pilotos a prometerem fazer o seu melhor, porque serão eles que mais sofrerão em caso de azar…
As tropas de infantaria aerotransportada tiveram os seus momentos de glória no decurso da Segunda Guerra Mundial. Depois do final da guerra, uma outra inovação técnica, o helicóptero, veio a tornar os planadores praticamente obsoletos. Helitransportadas, tropas mesmo sem qualquer preparação de salto, podem ser largadas de forma compacta e ordenada sem as atribulações de uma aterragem de planador... Mas há planadores que continuam lá, no sítio onde aterraram transportando as tropas abraçadas para a vida e para a morte. Quando, no final da década de 60, a KLM fez um levantamento aéreo fotográfico da Holanda, ainda encontrou alguns dos seus vultos marcados nos terrenos de Arnhem, uns 25 anos depois deles ali terem aterrado.
¹ Foi o que acontecei num dia de Agosto de 1943 ao pessoal do 7º batalhão do King’s Own Scottish Borderers (um histórico regimento escocês) que descobriu que passara a fazer parte da 1ª Divisão Aerotransportada britânica. O batalhão veio a sofrer 90% de baixas pouco mais de um ano depois, em Setembro de 1944, em Arnhem na Holanda, durante a Operação Market-Garden.

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