26 novembro 2011

O SÉCULO EM QUE OS FRANCESES QUISERAM FICAR COM O PAPADO

Será sobejamente conhecida a habilidade dos franceses para se apropriarem das instituições enquanto as qualificam de europeias. Aliás, para os franceses tratar-se-á de sinónimos: francês = europeu. A Airbus, o conhecido construtor aeronáutico é europeu porque está sedeado em Toulouse e a maioria das suas operações processa-se em fábricas que estão localizadas em França. A ESA, apesar da sua designação inglesa (ESA é o acrónimo de European Space Agency – Agência Espacial Europeia) e apesar dos 19 países que actualmente dela fazem parte, está sediada em Paris e tem a sua Base de Lançamentos em Kourou na Guiana Francesa. E haverá outros exemplos.
Em Junho de 1305, um Colégio dos Cardeais muito dividido entre cardeais de origem francesa e italiana elegeu como compromisso o francês Bertrand de Got que adoptou o nome de Clemente V (1305-1314). O compromisso resultava do facto de Bertrand não ser cardeal e não ser por isso um dos candidatos em confronto e de, sendo francês, ser originário e Arcebispo de Bordéus na Aquitânia, que era um dos feudos em França do rei de Inglaterra. Recorde-se que a eleição de um Papa francês, não sendo frequente, não era propriamente uma novidade. E acrescente-se que aqueles que esperavam de Clemente V uma conduta equilibrada entre facções rapidamente se vieram a desiludir...
Depressa, o facciosismo pró-francês de Clemente V se tornou patente. Escolheu a cidade francesa de Lyon para a sua coroação. Um dos seus primeiros actos como Papa foi a nomeação de nove novos cardeais francesas, rompendo o equilíbrio no Colégio que acabara de o eleger. Finalmente e sobretudo, em vez de se instalar em Roma, que fora a tradicional sede do Papado desde sempre, Clemente V preferiu instalar-se em Avinhão, cidade da França meridional às margens do rio Ródano (abaixo). Inaugurava-se assim um longo período (1305-1377) em que se sucederiam sete papas de origem francesa e se formaria uma parceria estratégica entre eles e os sucessivos reis de França.
Depois de Clemente V sucederam-se João XXII (1316-1334), Bento XII (1334-1342), Clemente VI (1342-1352), Inocêncio VI (1352-1362), Urbano V (1362-1370) e Gregório XI (1370-1378). Enquanto isso, a cidade de Roma agonizava economicamente sem as receitas turísticas dos peregrinos (abaixo). Não deixa de ser irónico que tenha sido uma sueca (posteriormente canonizada como Santa Brígida) a ter persuadido um dos papas franceses a reinstalar-se em Roma: Urbano V entre 1367 e 1370. Mas o Papa arrependeu-se e regressou a Avinhão mesmo antes de falecer. Em 1377, outra Santa, esta italiana de seu nome Catarina de Siena, conseguiu persuadir por sua vez Gregório XI.
A história ter-se-ia muito provavelmente repetido se Gregório XI não tivesse morrido subitamente em Roma, antes de se ter decidido a regressar a Avinhão. O Conclave que se seguiu e que teve lugar na própria Cidade Eterna foi seguido atentamente pelas suas forças vivas, particularmente interessadas na nacionalidade do sucessor de Gregório XI que os cardeais iriam escolher… Mesmo sob coacção, o Colégio dos Cardeais, que era obviamente de maioria francesa, assumiu uma opção equilibrada escolhendo um italiano, mas não um romano e que nem era Cardeal: Bartolomeu Prignano, um napolitano, Arcebispo de Bari, que tomou o nome de Urbano VI (1378-1389).
Como acontecera com Clemente V, Urbano VI também não foi o homem de consenso que a situação exigiria dele. Cinco meses depois, uma fracção do Colégio dos Cardeais (onde o bloco francófilo ainda era hegemónico apesar das nomeações de Urbano VI) reuniu-se num novo Conclave e, alegando o clima de intimidação em que o anterior tiver lugar, elegeu um dos seus como Papa: Clemente VII (1378-1394), um suíço de Genebra. Evidentemente que este outro papa se foi instalar em Avinhão. Durante os próximos 40 anos, envolvendo também os papas sucessores destes dois rivais, a Igreja Católica vai-se dividir em duas instituições semelhantes e paralelas: o Grande Cisma.
Como se constata na actualidade, foi o papa de Roma que acabou por prevalecer, o que nem é importante para esta história. Porém, gostaríamos de chamar a atenção, dado este precedente do Século XIV que, se daqui para amanhã e dada a volatilidade da situação financeira na União se vier a romper o eixo franco-alemão, com os primeiros do lado dos devedores e os segundos do lado dos credores e conhecida a capacidade francesa para se apropriarem da marca ©Europa, somos muito bem capazes de nos deparar subitamente com duas Uniões Europeias, ambas reclamando-se da pureza dos ideais iniciais e forçando os países-membros a fazer a sua escolha, como outrora aconteceu com os papas…

4 comentários:

  1. Muito bem visto. Aqui está um facto histórico que nos permite reflectir sobre o que pode acontecer na actualidade.
    LS

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  2. E acho que ninguém vai querer ficar com o bébé nos braços quanto mais querer cortá-lo ao meio.

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  3. Obrigado pelo cumprimento, LS.

    Aliás, vá-se lá saber porquê, associei-o de imediato ao comentário da Aduana que se lhe sucede: depois das suas preciosas lições sobre "conflitos assimétricos" pareceu-me que entrámos agora na fase das "argumentações assimétricas".

    Eu dedico quase 750 palavras a explicar e enquadrar um cenário que "pode" vir a acontecer e a Aduana em 18 palavras "acha" que não...

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  4. A propósito, o Salazar não queria trazer o Papa para Tomar?

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