18 janeiro 2020

O ANTI-RACISMO, UMA CAUSA «MODERNA» DA ESQUERDA «MODERNA» DESDE HÁ TRINTA ANOS

18 de Janeiro de 1990. Nas últimas eleições legislativas, que se haviam realizado dois anos e meio antes, em Julho de 1987, o Partido Socialista Revolucionário (PSR) recebera uns míseros 33 000 votos, sem qualquer representação parlamentar (obviamente). Nada distinguiria esta formação da miríade de outros pequenos partidos em iguais condições (MDP, PDC, PPM, MRPP), a não ser o facto de ter um dirigente bem quisto - e ser, por isso, uma organização bem querida - entre a classe jornalística, então dominada por um pensar bem de esquerda (hoje, trinta anos passados, estamos no ciclo oposto, predomina um certo pensar bem de direita). Esses flirts intensos do colectivo de jornalistas por uma formação política irrisória têm tanto de súbito quanto de inexplicável e só têm tendência para morrer quando, nas urnas, o eleitorado deixa os jornalistas a falarem sozinhos (já aqui publiquei no Herdeiro de Aécio o exemplo caricato do Diário de Lisboa a promover a UEDS em finais de 1979). Mas, mutatis mudandis, naquele jornal parecia evidente que não se aprendera grande coisa: dez anos transcorridos e uma nova coqueluche da esquerda bem pensante era apresentada na última página do jornal com o destaque que a imagem acima documenta: Francisco Louçã. Três meses antes, um dos militantes do PSR fora assassinado com uma facada numa refrega contra um gangue de neonazis, à porta da sede do partido. O acontecimento gerou uma onda de repulsa e um capital de simpatia generalizado, tendências que a imprensa explorou e que ali acima vemos a serem aproveitadas (naturalmente) por Louçã nos espaços mediáticos que lhe concederam. O que é menos imediato é que, por causa de uma refrega violenta entre a extrema esquerda e a extrema direita, o assunto tenha sido redireccionado para o racismo. Relembre-se que, nos tempos do PREC, houvera imensas refregas do mesmo género entre formações políticas; numa delas, em Outubro de 1975, entre o MRPP e a UDP, por sinal duas organizações maoistas de extrema esquerda, morrera mesmo um militante da primeira das organizações, um episódio praticamente esquecido, sem aproveitamento político ulterior para outras causas a combater, como a violência política, a pobreza... ou o racismo.

O militante do PSR que fora assassinado era caucasiano, nada nos relatos do assassinato associava a questão racial como tendo estado associada à refrega, a não ser o facto de esse - o racismo - ser o aspecto antipático das organizações de cabeças rapadas que haviam perpetrado o crime estarem tradicional e desagradavelmente conotadas com o racismo. O tema do racismo surgirá assim, na circunstância, como uma excelente arma de arremesso político e um dos aspectos engraçados da entrevista acima é que a citação que foi escolhida para se tornar no título - «temos que ser todos africanos contra os racistas» - ainda hoje permanece tão imaginativa e moderna (...e inócua) que bem poderia ser apropriadamente reciclada para uma entrevista num jornal de 2020. O racismo, como a pobreza, a miséria e tantas outras chagas sociais, combate-se, mas nunca se chega a erradicar. E apresentava-se como um combate bonito, uma das potenciais novas causas da esquerda, algo que poderia substituir as tradições marxistas-leninistas numa época (1990) em que as notícias de todos os dias mostravam a Revolução e as revoluções a desagregarem-se em quase todos os paraísos socialistas. Há o mérito de Francisco Louçã em ter inflectido o discurso político numa altura em que era necessário mas também vejo ali mérito do jornalista no formato como estrutura a entrevista para que o entrevistado brilhe a passar a sua mensagem adaptada aos novos tempos: são dez perguntas, mas aquela onde se pergunta como fazer a revolução (o que é muito pertinente quando colocada ao dirigente de um partido socialista revolucionário!...) é a sétima pergunta, e as três últimas perguntas já são todas a respeito do racismo. (Ironicamente, e enquanto escrevo isto, a deputada Joacine Katar Moreira do Livre está a fazer uma extensíssima intervenção que, creio, que se pode sintetizar em: «está fora de questão» (ela) renunciar ao mandato de deputada)

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