03 outubro 2013

AS REFORMAS DE LUCIUS CORNELIUS SULLA

Vencedor pelo partido senatorial da Guerra Civil em Roma que o opunha aos populares de Mário em 82 a.C., Lucius Cornelius Sulla (conhecido em português por Sila) ficou mais conhecido para a História pelas reformas que impôs ao Estado Romano em prol das suas concepções aristocráticas. O caso mais flagrante foi o da redução das competências do Tribuno da Plebe, que durante os séculos anteriores servira como factor de equilíbrio entre as classes possidentes e as classes populares. Com Sila, os Tribunos perderam os seus tradicionais direitos de acção política, de apresentar legislação e de vetar a que era aprovada pelo Senado, o órgão representativo da aristocracia por excelência, que entretanto, depois de depurado, fora expandido de uns 300 para cerca de 600 membros.

Mas, para se apropriar do aparelho do Estado numa época de ditaduras militares, onde o poder pertencia ao partido que possuía os maiores e melhores exércitos, Sila, apesar de rico, sempre precisou de dinheiro, de muito dinheiro. Nesse outro aspecto da sua governação já não se mostrou ele tão ideológico, que a forma testada de milénios para obter rapidamente dinheiro para o Estado é ir buscá-los aos ricos, onde ele abunda. Como balanço da sua actividade, o ditador proscreveu – liquidou, apropriando-se dos bens – os seus inimigos políticos abastados, uns 90 senadores (50 dos quais haviam sido antigos Cônsules) e ainda 1 400 membros da ordem equestre, num total estimado de 26 000 cidadãos romanos sacrificados à necessidade política de uma eficaz consolidação orçamental.

Vinte e um séculos depois, os herdeiros longínquos da visão aristocrática da organização da sociedade, agora conhecidos pela designação genérica de liberais, mantêm a chama dessa sempiterna luta política em prol do ascendente das elites mas parecem ter perdido o equilíbrio e os preciosos ensinamentos do seu antepassado político: por um lado, querem reformar o Estado em detrimento das classes populares como o fez Sila mas, por outro, estão a querer ir sacar o dinheiro para a tal de consolidação orçamental precisamente à mesma classe. Não sugiro que Passos Coelho copie literalmente Sila e proscreva e se aproprie da fortuna e das três residências de Mário Soares (por exemplo...), mas que se inquira porque razão Sila, apesar dos seus impecáveis pergaminhos ideológicos e do seu poder militar, não terá querido expropriar ainda mais a classe popular...

2 comentários:

  1. Concordo em termos genéricos com o artigo, muito bem escrito, aliás, como é timbre do autor.
    Apenas uma ressalva: a invocação da filosofia liberal para caracterizar as medidas de Passos Coelho.
    O liberalismo, filosofia económica representada actualmente pela chamada Escola Austríaca, tem o cunho de autores importantes como são Carl Menger, Eugen von Böhm-Bawerk, Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, Henry Hazlitt, Israel Kirzner e Murray Rothbard, entre outros.
    Ora Pedro Passos Coelho é um social democrata, não tendo rigorosamente nada a ver com o pensamento liberal dos eminentes autores acima mencionados. Sobre isto vale a pena ler um artigo de Murray Rothbard publicado recentemente pelo Instituto Mises do Brasil, em que este autor define muito bem a natureza da social democracia e a compara com outras filosofias políticas contemporâneas.

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  2. Presumo que o PPC não terá nunca chegado a pensar em proscrever o Mário, o Sampaio, o Cavaco, a Assunção, o Sousa Ribeiro, o Oliveira Martins, ou qualquer outra figura do Estado ou de instituição dependente do Estado, ex ou actual. Tão-pouco terá pensado em proscrever a imensa mole de cidadãos que gravita em torno daqueles ou que deles hierarquicamente depende. A sua costela mais liberal já ficaria certamente satisfeita se conseguisse reduzir substancialmente os muitos e onerosos privilégios que todos eles detêm relativamente à verdadeira Plebe, i.e., os trabalhadores do sector privado, actuais ou reformados. Contudo, ao contrário de Sila, o PPC não pode contar com exércitos...
    Aliás, a avaliar pelo que se tem visto e ouvido, suponho que alguns daqueles senhores nem à lei da bala prescindiriam dos seus privilégios. É que sobreviver sem oito ou dez mil euros mensais, sem carro, motorista(s) e secretária(s), é demasiado penoso e injusto... pelo menos eles assim o dizem.

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