31 janeiro 2013

«SIDESHOWS» DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (10) – A GUERRA FRANCO-TAILANDESA

Completam-se hoje 72 anos que a bordo de um cruzador japonês foi assinado um cessar-fogo que pôs fim a esta breve guerra entre franceses e tailandeses, um episódio que tende a passar desapercebido entre todos os acontecimentos associados à Segunda Guerra Mundial. O reino da Tailândia fora um dos raros países asiáticos a escapar à voracidade colonial das potências europeias. Mas, mesmo tendo conseguido preservar a sua independência, muitas das regiões adjacentes, acabaram por ser anexadas por franceses e britânicos ao longo do último terço do Século XIX, entrando pelos primórdios do XX (1867-1909) como se comprova no mapa acima.
Uma das preocupações centrais da Tailândia nesses anos de supremacia mundial do homem branco era a de procurar realçar, sempre que possível, o estatuto do país. Envolveu-se na Primeira Guerra Mundial do lado da Entente em Julho de 1917. Chegou a enviar um pequeno grupo expedicionário para França, onde se contava até uma esquadrilha de aviação. A atenção dedicada às forças armadas e à sua modernização tornaram-se uma outra expressão dessa preocupação com o estatuto da Tailândia e uma consequência disso foi a importância delas na condução da vida política do país: desde o Golpe de 1932 que os militares dirigiram o país.
Em 1940 a Tailândia era um país de média dimensão (15 milhões de habitantes) dirigido pelo General Phibunsongkhram (acima, 1897-1964). A Segunda Guerra Mundial começara no ano anterior mas ainda não atingira a Ásia em pleno. Porém, já se sentiam alguns dos seus efeitos colaterais. A derrota da França perante a Alemanha em Junho de 1940 fora um deles e Phibunsongkhram estava apostado em aproveitar a debilidade gaulesa para recuperar algumas das cedências territoriais que a Tailândia fora obrigada a fazer décadas atrás. Mas as autoridades coloniais francesas na Indochina nem se dignaram reagir às pressões diplomáticas tailandesas iniciais.
Do lado tailandês subiu-se a parada, encenando umas manifestações em Bangkok onde se exigia o regresso dos territórios cedidos (acima), pretexto para o aumento da tensão fronteiriça e o reforço do dispositivo militar (abaixo). No terreno, quase se equivalendo em efectivos (60 e 50 mil, respectivamente), os tailandeses superiorizavam-se paradoxalmente aos franceses na tecnologia: nos blindados, na artilharia e, sobretudo, na aviação. Só no mar a vantagem era francesa. O conflito, que tinha vindo a decorrer surdamente junto às fronteiras desde Outubro, veio a ser assumido com a invasão tailandesa da Indochina francesa nos princípios de Janeiro de 1941.
Procurando equilibrar a superioridade demonstrada pelo inimigo em terra e no ar, o Almirante Jean Decoux (1884-1963) fez avançar as suas forças navais francesas que se superiorizaram decisivamente às tailandesas na batalha naval de Koh Chang em 17 de Janeiro de 1941. Mas a situação estratégica do governo colonial na Indochina, obediente a Vichy era extremamente precária: haviam-se incompatibilizado com os antigos parceiros britânicos, que controlavam o Oceano Índico, por onde teriam de vir quaisquer reforços da metrópole; viam-se submetidos à pressão japonesa, que já os haviam instado a autorizarem a instalação de bases suas no Norte do Vietname.
Foi sob o patrocínio destes últimos que decorreram as negociações que levaram à assinatura do cessar-fogo de que hoje se celebra a efeméride. O local foi o cruzador nipónico Natori. Os maiores beneficiados imediatos dessa assinatura foram as autoridades coloniais francesas, porque a situação no terreno lhes estava a evoluir de forma desfavorável. Apesar da vitória em Koh Chang, o número de prisioneiros franceses (acima) ou as fotos com troféus capturados (abaixo, trata-se de um estandarte da famosa Legião Estrangeira) exibem uma imagem quase desconhecida de outra derrota de uma potência europeia diante de um povo de cor
Todavia, os grandes vencedores a prazo, ao permitirem-lhes exercer um direito de tutela, foram os japoneses. Concedendo-lhes algumas províncias limítrofes no Tratado de Paz assinado em Maio de 1941, a Tailândia viu-se empurrada (embora muito maltratada) para a órbita nipónica. O desfecho da Segunda Guerra Mundial, imediatamente depois da qual a Tailândia teve que devolver as províncias que recebera, tornou todo este episódio convenientemente esquecível do ponto de vista político por qualquer das partes. Do ponto de vista militar contudo, a vitória tailandesa foi um feito de armas e desde 1941 que um monumento se ergue em Bangkok comemorando-a.

30 janeiro 2013

O MUNDO SEM NÓS

Há um livro de 2007, com o título O Mundo Sem Nós, em que o autor (Alan Weisman) nos leva a extremos da imaginação para nos mostrar o que aconteceria à paisagem urbana se a nossa espécie desaparecesse. Acima, podemos ver uma antecipação do que aconteceria nesse cenário à ponte 25 de Abril, quando vista da margem Sul.
Porém, estas outras fotografias, que são reais e não de antecipação, tiradas numa Paris que associamos a um bulício adequado à claridade da manhã que desponta, mostram-nos como a angústia do vazio do desaparecimento da humanidade pode ser recriada apenas pela ausência de uma multidão onde estávamos à espera de a ver…

29 janeiro 2013

JOÃO GILBERTO AO VIVO E NO COLISEU


Foi em 1984 que João Gilberto veio tocar pela primeira vez a Portugal. Já por cá passara a onda de maior entusiasmo com os autores da MPB, mas a promoção ao artista apresentava-se bem concebida, fazendo-o diferente de todos os que o haviam precedido, descrevendo-o como um introvertido excêntrico, muito rigoroso com a qualidade do som das suas actuações, imagem que ficou consolidada quando reclamou, em pleno espectáculo e perante o público, da falta de condições acústicas do Coliseu dos Recreios. O público aplaudiu concordantemente e eu não me esqueci do episódio porque ele consagrava uma opinião que sempre tivera – e que mantenho – sobre o Coliseu dos Recreios...  
Só o respeito pelos espectadores o fazia continuar o espectáculo. E o público aplaudia em reconhecimento por esta deferência de João Gilberto. Esta história teria tido um outro final se João Gilberto não tivesse regressado a Portugal em 2003… para uma outra actuação precisamente naquele mesmo Coliseu dos Recreios que se revelara (e ele proclamara) acusticamente imprestável quando cá estivera. Já não sei se dessa outra vez também se repetiu o gag da reclamação com a acústica da sala (mais os aplausos inerentes...), mas o retorno voluntário do artista ao local do crime é arrasado por aquele ditado popular que diz que à primeira qualquer cai; à segunda cai quem quer.

OS GRÁFICOS E O «TRABALHO» DA INFORMAÇÂO

Há um ano a yield dos títulos da dívida pública portuguesa a 10 anos estava a atingir um pico, chegando a cotar-se a 18,289% na sessão de 31 de Janeiro de 2012. Para quem goste de trabalhar a informação, agora é que seria o momento mais apropriado para publicitar um gráfico importado do Blomberg com a evolução dessas cotações ao longo do último ano (acima), pretexto para se concluir da excelência da condução das finanças públicas portuguesas por parte deste governo e para zurzir ironicamente em quem lhes queira retirar os louros da façanha. O Blomberg dispõe porém de uma faculdade limitada de se poder montar gráficos segundo o desejo de quem o consulta...
 
Voltando à mesma evolução exibida no mapa inicial, mas agora traçada no mapa abaixo a lilás (identificada por GSPT), se a compararmos com o comportamento registado pela dívida grega ao longo do último ano, que aparece desenhada em azul claro (GGGB), apercebemo-nos como, ao fim de um ano. não houve grandes diferenças na tendência decrescente. Isso apesar de a Grécia andar desde o princípio a arrastar os pés (no sentido da indispensável austeridade, deduz-se) e do prestígio de Yannis Stournaras ser provavelmente uma sombra daquele que nos dizem ser gozado por Vítor Gaspar. Querer ter razão pendurando-se em gráficos pode dar nisto… 

28 janeiro 2013

OS PROTESTOS, OS PORCOS E OS PRETOS

Antes que passe de moda falar de porcos e da manifestação de professores que no  Sábado foi com os mesmos (porcos) por causa da fuga dos ditos (porcos), deixem-me evocar algumas imagens de Astérix onde se comprova que concentrações e manifestações daquelas até se podem realizar com a colaboração dos suínos. De facto, veja-se como a comitiva gaulesa que acompanhou Astérix à Grécia por ocasião dos Jogos Olímpicos contava com mais de uma dúzia deles.
Por isso, nada obstava a que os foragidos da A1 (acima) tivessem sido mobilizados para mais aquela jornada de contestação social organizada por Mário Nogueira. A não ser que os organizadores considerem irrelevante esta minha comparação, pelo facto de se tratar de javalis escurinhos, algo que também este fim-de-semana se descobriu ser importante, pelo menos atendendo às palavras de um outro proeminente contestador social que discursou nessa manifestação, a tal onde não se chegaram a ver porcos…

A RADIESTESIA DO PROFESSOR TOURNESOL

Encadeando-se no imediatamente abaixo, este meu poste explora as descobertas da radiestesia do professor Tournesol, nomeadamente uma que aparece mencionada no final de Voo 714 Para Sidney, uma haste de metal que oscilava violentamente sob o seu pêndulo inquiridor, que o professor veio a descobrir conter cobalto no estado nativo, numa forma que não há no nosso planeta, donde ele concluía que o misterioso objecto era de origem extraterrestre.
Na década anterior ao aparecimento da aventura de Tintin (1968), por causa da Guerra-Fria, o cobalto tornara-se um elemento favorito das histórias de ficção científica. O físico Leó Szilárd mencionara-o certa vez numa entrevista na rádio como o componente indicado para sujar um dispositivo nuclear – por causa da extensão da meia vida do seu isótopo Co60 – e a partir daí uma bomba de cobalto era um adereço demonstrativo da maldade dos maus.
Quando da publicação do Voo 714 Para Sidney, já a conspiração vermelha fora largamente substituída pela conspiração extraterrestre, embora o mistério do cobalto se mantivesse. Porém, o comentário de Tournesol está (surpreendentemente, para um livro de Hergé) cientificamente errado: não há cobalto no estado nativo na natureza mas ele pode ser refinado apresentando-se com a cor cinza-metalizada brilhante da fotografia abaixo – que foi tirada no planeta Terra...

27 janeiro 2013

A DIMENSÃO DAS NAÇÕES

Publicado em finais de 2003 e então recomendado pela revista The Economist, comprei e ainda hoje guardo ciosamente este livro acima, The Size of Nations, que se tornou para mim num excelente exemplo das limitações de uma certa forma de tentar adaptar a análise económica a assuntos que dela nada beneficiam, sobretudo quando isso é feito de uma forma que a isola de outras disciplinas mais pertinentes. Copiando e traduzindo a apresentação do livro que consta da sua badana pode ali ler-se que os autores deste livro tão oportuno quando provocador usam os instrumentos da análise económica para investigarem a formação e a evolução das fronteiras políticas. Argumentam que, embora o assunto se revele essencial em qualquer análise histórica, os economistas que se dedicam à vertente internacional sempre tenderam a considerar a dimensão de um país como algo “exógeno” (…). (Os dois autores, Alberto) Alesina e (Enrico) Spolaore(,) consideram que as fronteiras de um país podem ser sujeitas ao mesmo género de análise que qualquer outra instituição criada pelo Homem. Em A Dimensão das Nações eles defendem que a dimensão óptima de um país é determinada por um equilíbrio de custo/benefício entre os benefícios da dimensão e os custos da heterogeneidade. Num grande país, os custos per capita podem ser menores, mas as preferências heterogéneas de uma população maior tornam mais difícil o fornecimento dos serviços desejados e a formulação das respectivas políticas para os obter. Nos países pequenos pode ser mais fácil responder às preferências dos cidadãos em sistemas de escolha democráticos.
Prosseguindo: Alesina e Spolaore fundamentam as suas análises com modelos analíticos simples que mostram como os modelos da globalização, da conflitualidade internacional e da democratização dos últimos duzentos anos conseguem explicar os processos de formação dos estados. O seu objectivo não é apenas “normativo” mas também “positivo” – ou seja, não se trata apenas de calcular a dimensão teórica óptima de um estado mas também explicar o fenómeno da dimensão dos países na realidade. Sustenta-se ainda que a complexidade da realidade mundial não impede uma sistematização dessa análise e que ela, sintetizando economia, ciência política e história pode ser um auxílio para a nossa compreensão dos acontecimentos reais no mundo. O livro tem a virtude da contenção (cerca de 260 páginas, como se percebe acima), a de não ser palavroso em excesso. Mas também não se o pode elogiar por ser reader’s friendly (para empregar uma expressão academicamente apropriada...), leia-se e procure entender-se o conteúdo desta página que inseri abaixo (p.134) para exemplo. Suponho que ajudará o leitor deste blogue elucidá-lo que naquela passagem se estão a deduzir os níveis de das despesas com defesa num modelo a quatro países, em que eles estão num equilíbrio de Nash (John Forbes Nash é um matemático norte-americano que se tornou popular depois de um filme a seu respeito intitulado Uma Mente Brilhante). Concretamente, o que este modelo analítico simples nos poderá ajudar na nossa compreensão dos acontecimentos reais do mundo, conforme é prometido pelo preâmbulo citado acima, é algo que nem remotamente consigo alcançar…
Os dois autores são italianos mas parecem escrever para audiências especificamente norte-americanas. Não será por acaso que, por muito hermético que o livro seja, ao fim de dez anos, haja quatro apreciações ao livro na Amazon de além-Atlântico, mas nenhuma na do lado de cá. A realidade histórica europeia parece ser demasiado complexa para encaixar na modelização drasticamente simplificada (estou-me a socorrer da expressão de uma das apreciações) que é usada pelos autores e isso poderá ter-se reflectido no acolhimento dado ao livro pelos leitores europeus. Engana-se quem se iludir com a aparência analítica do livro porque, por detrás das páginas encadeadas de fórmulas herméticas que acima vemos, existe uma matriz ideológica identificável. Só para dela dar um exemplo flagrante, as conclusões finais do livro remetem para fenómenos separatistas em países como o Canadá, alguns países da Europa ou a maioria dos de África, mas onde se assume que a coesão interna dos Estados Unidos é algo de inabalável… Outra forma de nos apercebermos dessas inclinações ideológicas é escutar esta entrevista de Albert Alesina com as suas opiniões a respeito do futuro da Europa. Voltando às razões a que me referira inicialmente para guardar ciosamente este livro, elas nada têm a ver com a sua valia académica: é um alerta permanente para a utilização política encapotada que pode ser dada a obras deste cariz. Onde o hermetismo servirá apenas para impressionar, funcionando como alavanca de projecção para um estatuto inquestionável, que me faz lembrar o Tournesol aqui debaixo, que é um sábio porque é um sábio, mesmo quando se dedica a uma ciência como a radiestesia

26 janeiro 2013

O HOMEM DA REGISCONTA

Aparecido em 1972, o Homem da Regisconta terá sido algo mais do que apenas o símbolo de uma campanha publicitária concebida para vender equipamentos de escritório. Tendo miraculosamente sobrevivido durante os iconoclastas meses do PREC, a figura estilizada bem como o slogan: Aquela Mááááquina! (cantado numa voz rouca) consagrou-se depois desses meses atribulados como a aparência de referência do quadro intermédio ambicioso que prudentemente ficara do lado vencedor no 25 de Novembro de 1975.
Com a evolução das modas, passado meia dúzia de anos, já o estilo era parodiado numa canção intitulada Executivo, cantada por Paulo de Carvalho. De notar na letra (que se pode ler abaixo), por um lado a referência aos pi pi pi de quartzo, os relógios de pulso digitais que então estavam a substituir os mecânicos tradicionais, e por outro a frustração de não se ser doutor, algo que já não é problema para a actual geração: a frustração de agora é por não se ter emprego, mas essa questão do título de doutor foi ultrapassada…

Gosto muito dessa tua imagem de executivo
Desse cheiro de «after-shave» selvagem que te fica tão bem
Gosto muito de te ver no pulso um pi pi pi de quartzo
E já nem falo dessa pasta preta com fechos cromados

Já subiste na vida
És um senhor
Já te sabes mostrar
Mas ainda não és doutor! Que frustração…
Dizes que sim, que entendes, que estás de acordo, mas perfeitamente
És «expert», perito na matéria do estar bem com todos
Obediente, pontual, às ordens, todo tu és verniz
A direcção da tua companhia gosta tanto de ti
Só falta seres director
Vives feliz
Pensas que és o maior
Mas és só um aprendiz! Que frustação…
Executivo, executivo
Em esquema passivo
Executivo, executivo
Não sejas tão criativo.

MYASISHCHEV M-4

Vladimir Myasishchev (1902-1978) era um engenheiro aeronáutico soviético especializado no desenho de aviões de grande envergadura quando, em 1951, foi colocado à frente de uma equipa de trabalho responsável pela concepção de um bombardeiro capaz de operar a grandes distâncias. A ideia da criação de um bombardeiro estratégico rápido, movido a jacto, capaz de transportar armamento nuclear alcançando os Estados Unidos partira directamente de Estaline embora, com a tecnologia existente nessa época, isso só fosse possível desenhando uma aeronave de dimensões tais que se tornaria impraticável à descolagem. Todavia, a motivação socialista que Estaline suscitava fez com que o primeiro protótipo desse projecto tivesse feito o seu voo inaugural em 1953, embora já depois da morte de Estaline (Março), o que poupou alguns desconfortos a Myasishchev e à sua equipa, porque o resultado do seu trabalho fora um aparelho de concepção arrojada, de longo raio de acção (5.600 km), mas sem autonomia...
...suficiente para atingir os Estados Unidos. Porém, o que a seguir se narra, a história da entrada ao serviço deste avião é um episódio típico da competição tecnológica da Guerra-Fria. Com quase 50 metros de comprimento e um pouco mais do que isso de envergadura¹ o Myasishchev M-4, que fora baptizado com o nome de Molot (Молот: Martelo), era um colosso aéreo impressionante demais para não ser aproveitado como demonstração do poder aéreo soviético, independentemente das limitações estratégicas acima apontadas. Foi lançado i.e. apresentado ao público e aos especialistas militares ocidentais – por ocasião de uma das tradicionais paradas da Praça Vermelha em Maio de 1954. Na NATO deu-se-lhe a designação apropriada de Bison (bisonte). Ficou famosa uma manobra soviética durante um festival aéreo em Julho de 1955, quando se fizeram passar repetidamente os mesmos aviões sobre os espectadores para dar uma impressão inflacionada de uma frota de bombardeiros que afinal...
...não existia. A reacção norte-americana à encenação soviética foi também canónica da gramática da Guerra-Fria: a CIA aproveitou-se do incidente para inflacionar as capacidades do inimigo, anunciando uma previsível esmagadora superioridade inimiga em bombardeiros para daí a uns anos, pretexto para que se acelerasse a construção dos seus… os B-52. Na verdade, apesar do arrojo conceptual e do seu aspecto impressionante, o M-4 não foi um desenho muito bem concebido. O bombardeiro eleito pelos soviéticos acabou por ser o Tupolev Tu-95 que, usando turbo-hélices, tinha menos aspecto que o seu concorrente, mas que possuía a autonomia requerida. Os soviéticos só chegaram a construir 93 M-4 (em 1986 a NATO ainda pensava existirem uns 200…) e a maior parte delas vieram a ser reconvertidas para missões de patrulhamento marítimo, embora a sua existência ameaçadora já tivesse servido de justificação para que os Estados Unidos tivessem construído uma imponente frota de 744 bombardeiros B-52.
¹ Para comparação, os maiores aviões comerciais a jacto da época tinham entre 30 (o Comet britânico) e 40 metros (o ainda embrionário Boeing-707) de comprimento e envergadura.

25 janeiro 2013

CARRIE (NA PAUSA PARA O CIGARRINHO)


A cena tornou-se uma das referências dos filmes de terror, quando uma humilhada e ensanguentada Carrie (Sissy Spacek), no filme homónimo de Brian de Palma (1976), exerce a sua vingança cega sobre todos os presentes no baile de finalistas. O que é mais incomum – mas não menos assustador, considerando que a aparência ensanguentada da actriz é a mesma das filmagens… – é ver-se esta outra Carrie que fuma um cigarro durante o intervalo das mesmas… 

A MEGA PARTIDA FUTEBOLÍSTICA DA POLÍTICA NACIONAL

Ouvi ontem na Quadratura do Círculo uma analogia de que gostaria de ter sido autor. A que compara os ritmos da actual discussão política em Portugal a uma espécie de mega partida de futebol, onde as celebrações se sucedem conforme a evolução do marcador. Especificando aquilo que ontem disse José Pacheco Pereira, depois de um autogolo governamental na própria baliza com o relatório do FMI na semana passada, a equipa de Vítor Gaspar redimiu-se nesta com a operação de colocação de 2.500 milhões de dívida pública, que também foi pretexto para celebrações e festejos.
Não me referira no blogue ao primeiro episódio (o do relatório do FMI), que considerei menor, o que aliás tem vindo a ser corroborado pelas vicissitudes que se têm associado a um dos seus principais relatores, mas suponho ter sido subtilmente instado a me pronunciar sobre este segundo. Continuando nas metáforas (agora minhas) referentes a jogos, parece que estivemos a assistir a um de desfecho previsível, onde as cartas haviam sido viciadas de antemão, atente-se aos resultados alcançados previamente na colocação da dívida espanhola. Mas que, como o anterior, foi um grande feito mediático…
Infelizmente para nós e como diz um famoso ditado norte-americano, desconfio que quaisquer celebrações sejam prematuras porque the show ain´t over till the fat lady sings

24 janeiro 2013

DOIS BOEINGS-737

Estas fotografias são do mesmo tipo de aeronave, o ubíquo Boeing-737, mas há décadas da história do transporte aéreo comercial e um hiato conceptual a separá-las. A fotografia acima, obviamente mais antiga (cerca de 1970), é de um Boeing-737-200 moçambicano da DETA. Está decorado de uma forma sóbria, condizente com uma época em que uma aeronave daquelas era um exercício de soberania e viajar nela uma prova de diferenciação. A fotografia abaixo, quase actual, é de um Boeing-737-700 também de um país lusófono, o Brasil, e pertencente à GOL. Dificilmente poderia haver maior contraste na aparência da aeronave. O transporte aéreo popularizou-se e a necessidade passou a ser seduzir o passageiro.

A ERUDIÇÃO DE ANTIGAMENTE

Há uma corrente de opinião activa que nos costuma alertar para os cuidados que há a ter com a informação que se recolhe da internet, sendo a Wikipedia, a enciclopédia on-line de maior sucesso, o expoente das suspeitas. A argumentação é sólida e as intenções devem ser boas: de acesso livre, todos, mas literalmente todos, lá podem escrever aquilo que lhes passe pela cabeça a respeito de qualquer assunto e a segurança assenta apenas na boa vontade (e na celeridade…) de outros frequentadores mais asisados para que as asneiras lá inseridas sejam rapidamente corrigidas e/ou eliminadas. É uma preocupação que faz todo o sentido. A consulta de fontes provenientes da internet nestes dias que correm devia ser acompanhada de um daqueles slogans de campanha de prevenção rodoviária contra o consumo de álcool: consuma com responsabilidade e moderação
Contudo, o que nos alertas acima não fica dito, mas acaba por ficar implicitamente assumido, é que com a internet se perdeu a segurança das obras clássicas de referência, dicionários e enciclopédias que tiraram as dúvidas de gerações a fio sem sombra de vacilação, por muito hermético ou erudito que fosse o tema. Mas também nunca vira essa assunção testada até ter lido uma incursão de Norman Davies num livro seu, Vanished Kingdoms (abaixo - suponho ainda não saiu tradução portuguesa). O tema de base é apropriadamente erudito: o número de estados que, ao longo da história foram designados por Borgonha. Houve um erudito de Oxford do Século XIX, James Bryce (1838-1922), que enumerou dez (p. 91)! Norman Davies foi mais longe e, neste seu livro, identificou quinze (p. 143)! O mais interessante porém é a pesquisa que ele faz a partir daí…
Quantas Borgonhas aparecem referidas nas respectivas entradas nas tais obras clássicas que, sendo revistas por especialistas, não se prestam à falibilidade da Wikipedia? Começando por esta última, a entrada sobre a História da Borgonha (em inglês, o mais desenvolvido) está acessível através do hipertexto e, provavelmente por ser a mais flexivelmente actualizada, já menciona a própria lista de Norman Davies (§ 3). A consulta que este fez aos grandes dicionários revelou-se uma enorme decepção: o Oxford English Dictionary e o Webster’s American Dictionary em inglês, o Littré, o Robert e o Trésor de la Langue Française, no francês nativo da região em causa, têm uma perspectiva estática do assunto e remetem para um só estado borguinhão, o que no critério do investigador os qualificou com uma nota de um em quinze possíveis (1:15).
Nas enciclopédias obtiveram-se melhores resultados. Começando por The New Encyclopaedia Britannica, que recebeu uma nota boa (11:15), referindo-se a 11 dos 15 estados da lista de Norman Davies; o Nouveau Petit Larousse francês também não se portou mal (10:15); o Brockhaus em alemão ficou-se por uma nota medíocre (7:15) e os conhecimentos de polaco de Davies levaram-no à Wielka Encyklopedia Powszechna que obteve uma nota mediana (9:15). Por fim, a norte-americana Gazetteer of the World ia bem a meio da narrativa (5:15) quando foi desqualificada por ficção. Afinal, talvez a erudição das tais obras clássicas nunca tenha sido tão erudita como pensáramos... Talvez os nossos horizontes é que fossem mais limitados... Como conclui Davies, a internet tem obras de qualidade variável como qualquer outra biblioteca. 
Afastando os pensamentos maldosos, resta desejar que tantas alertas para com a fiabilidade da informação aparecida na internet e apresentada pela Wikipedia não sejam exibições de pedantismo nostálgico, mas sim sintomas de um novo patamar de exigência quanto ao rigor das fontes…

23 janeiro 2013

AS RAINHAS DO CRIME

Esta fotografia reúne duas das chamadas rainhas do crime. À esquerda é Agatha Christie (1890-1976) e à direita a neozelandesa Ngaio Marsh (1895-1982) que, conjuntamente com, a já falecida na altura em que a fotografia foi tirada, Dorothy L. Sayers (1893-1957), podem ser consideradas como as expoentes de um género policial tipicamente anglo-saxónico, que se tornou muito popular a partir da década de 1920 prolongando-se essa popularidade até por volta da década de 1960. Porém, a observação que me ocorre olhando para aquele instantâneo é cruel mas de uma crueldade que até nem tem nada a ver com os crimes da literatura policial: que benefícios não se teriam obtido do desenvolvimento precoce dos tratamentos odontológicos…

O ARMAMENTO DA GUERRILHA SALVADORENHA

Embora limitado ao mundo dos entendidos, a Guerra Fria e as guerrilhas que, à sua sombra, proliferaram pelo Mundo, também pode ser acompanhada no campo do armamento individual empunhado pelos combatentes. Já aqui fiz menção a esse aspecto técnico da História. Que, embora só interesse a alguns, ainda tem coisas para se descobrir, como aconteceu comigo recentemente, a propósito do armamento individual que equipou a guerrilha salvadorenha. A Guerra Civil de El Salvador, país da América Central, começou em 1979 e prolongou-se até à Queda do Muro e ao fim da União Soviética, em 1992. A sua erupção foi uma consequência do sucesso da Revolução Sandinista (1978-79), que conseguira depor a ditadura dos Somozas na vizinha Nicarágua, e do esforço que soviéticos e cubanos decidiram investir na América Central após isso, numa região que os Estados Unidos consideravam coutada sua, mas que também era uma região madura para revoluções por causa das gritantes injustiças sociais.
Se a referência revolucionária nicaraguenha fora um mártir histórico da revolução chamado Augusto Sandino (um líder guerrilheiro assassinado em 1934), com a organização revolucionária a denominar-se em sua homenagem Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), a inspiração tornava-se evidente em El Salvador, substituindo-se apenas o nome do mártir, agora Farabundo Martí (outro líder guerrilheiro local, assassinado em 1932) e a correspondente Frente a denominar-se, por sua vez e sem surpresa, Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Mas as semelhanças não terminavam aí: as fotografias de guerrilheiros centro-americanos que apareciam publicadas na comunicação social mostravam uma alta percentagem de mulheres combatentes (como se pode apreciar pelos exemplos que aqui se publicam) e exibindo um armamento que, contrariamente ao que acontecia com outras guerrilhas e como os entendidos podiam facilmente identificar, era normalmente de origem ocidental.
A ideia, que se revelou bem-sucedida, era a de sugerir as raízes populares da insurreição, a escassez de meios e a independência de apoios internacionais de um movimento popular que se arma apenas com o material que consegue capturar. Só vinte anos depois do fim do conflito é que vim a descobrir como ela não passava de um embuste: as FN FAL belgas, de que vemos um exemplar encostado junto à senhora que cose roupa, eram de origem cubana, vendidas por aquele país a Cuba ainda antes da ascensão de Fidel Castro ao poder (1959) conforme se identificava pelos seus números de série; quanto às M-16 norte-americanas que se vêem nas outras fotos, tinham vindo, na sua esmagadora maioria, do Vietname, que possuía milhares delas depois da sua vitória de 1975, altura em que se apoderara dos paióis sul-vietnamitas. Só por curiosidade, refira-se que, como fornecedor, Portugal também participou no conflito, vendendo alguns dos milhares de G-3 que possuía em excesso ao outro lado, ao exército salvadorenho.

22 janeiro 2013

MÚSICA QUENTE


Talvez para contrastar com a fria fotografia de inverno que aqui afixei ontem, hoje escolhi uma música quente, possivelmente uma das melodias mais efervescentes de que me recordo, nesta incursão de Stevie Wonder pelo reggae em 1980: Master Blaster (Jammin’) do álbum Hotter than July.  

FOTOGRAFIAS REAIS MAS IMPRESTÁVEIS (2)

Jardim Zoológico de Memphis, Tennessee, algures na década de 1950. Tornando-se anti-económico manter uma colecção de bichos em duplicado para brancos e para pretos, a solução segregacionista possível era ter dias específicos de visita para cada raça. No dia em que a fotografia foi tirada, o zoo estava por conta dos negros, conforme se lê no letreiro da entrada. Objectivamente, a fotografia pode ser levada à conta de uma chamada de atenção de como a discriminação racial pode limitar a liberdade de todos: um branco desavisado não poderia visitar o zoo naquele dia. Porém, são raras as mensagens inteligentes que vingam nas campanhas e esta dos direitos civis não seria excepção...

21 janeiro 2013

FOTOGRAFIA DE INVERNO

Paris. Pont des Arts sobre o Sena, vendo-se a île de la Cité por detrás, debaixo de um céu de um cinzento típico de inverno. O chão, molhado, devolve ao céu o cinzentismo. O transeunte atravessa a ponte numa passada que se adivinha acelerada com um chapéu-de-chuva em inclinação desafiadora contra uma chuva invisível mas que se deduz tocada a vento. Agasalhado de barrete e cachecol mas parecendo indiferente ao resto das inclemências do tempo, o músico toca o seu trompete. Até o som do instrumento se imagina soar gelado. A fotografia é de Christophe Jacrot.

AS COLOSSAIS COMPANHIAS AÉREAS DOS PAÍSES DO GOLFO

É conhecido como nem sempre sabemos dar valor àquilo que conseguimos manter. Atendendo à evolução do transporte aéreo, a permanência da TAP como companhia aérea nacional revela-se uma proeza. Em países europeus da mesma dimensão populacional da nossa (com 10,6 milhões de habitantes), as companhias de bandeira equivalentes desapareceram. Aconteceu com nomes históricos do transporte aéreo como a Sabena da Bélgica (11,0 milhões) e a Swissair suíça (7,9 milhões) em 2001, a Olympic grega (10,8 milhões) em 2009 e a Málev húngara (9,9 milhões) o ano passado. Esse resultado será fruto das circunstâncias históricas, do facto de termos tido um império colonial e/ou de existir uma diáspora portuguesa espalhada pelo mundo (actualmente em vias de se renovar e reforçar…), mas certamente parte do mérito pertencerá também à gestão da empresa.
Mas o propósito da introdução acima é, mais do que chamar a atenção para méritos que não têm sido reconhecidos, fornecer simplificadamente uma referência de grandeza de dimensão de uma companhia aérea: a TAP, que poderemos considerar uma empresa média do sector, explora actualmente uma frota de 55 aparelhos e tem uma encomenda de mais 12 (o futuro Airbus A-350). A referência é importante para avaliar o propósito dos países do Golfo, que se tornaram independentes há pouco mais de 40 anos (1971), e que têm vindo a utilizar os seus petrodólares para investirem em negócios globais (de que a televisão Al-Jazeera é um excelente exemplo), nomeadamente no transporte aéreo. E os investimentos são faraónicos. Começando pela menor, a Gulf Air do Bahrein (1,2 milhões de habitantes) explora uma frota de 35 aeronaves além de mais 42 encomendadas.
A Etihad Airways está baseada em Abu Dhabi, a capital do emirado homónimo (com uma população de 2,0 milhões), uma das unidades federadas dos Emirados Árabes, e a sua frota actual é composta por 67 aparelhos com mais 96 encomendados. A Qatar Airways é a companhia de bandeira desse país (1,9 milhões), com uma frota dupla da da TAP (118 aviões), perspectivando um crescimento exponencial (179 encomendas). Mas a campeã do optimismo é mesmo a Emirates, sedeada no Dubai (2,1 milhões), outra unidade dos Emirados Árabes, que adquiriu 191 aviões e se comprometeu a vir a adquirir outros tantos (192). Em conjunto, trata-se de uma frota composta por 411 aeronaves com compromissos para a aquisição de mais 509 nos próximos anos e intriga pensar onde é que estas companhias irão desencantar os passageiros que rentabilizem tais investimentos…